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Na pandemia, adolescentes buscam 1º emprego pra complementar renda de casa

De Jovem Aprendiz a empregos familiares, jovens enfrentam desafios como falta de experiência, sobrecarga e até mesmo xenofobia

Por Isabella Otto Atualizado em 5 fev 2022, 10h11 - Publicado em 5 fev 2022, 10h02
plaquinha com o nome de Marine Borges, acompanhado de uma foto dela
Barbara Marcantonio/CAPRICHO

Olá, queridos leitores! Como vocês estão? Quem fala aqui é a Antonela! Tive a oportunidade de bater um papo com o Doutor Lineu, professor de Psicologia da USP, que desenvolve pesquisas sobre Licenciatura e Ensino de Psicologia no Ensino Médio, e as meninas Diana, Yasmin e Ayumi sobre as experiências de trabalho na adolescência e a interferência delas no amadurecimento do jovem. Lembrando que, segundo a lei brasileira, a idade mínima para começar a trabalhar é 14 anos, na condição de aprendiz, e 16 para empregos registrados, ok?

Antonela: Muitos jovens precisam trabalhar para complementar a renda dentro de casa e, por causa disso, aceitam empregos em condições impostas. Meninas, vocês passaram por isso?

Diana: Eu passo por isso. Comecei trabalhar no ano passado por causa da pandemia e questões familiares. Meus pais são bolivianos e, por causa disso, têm uma oportunidade melhor com a costura. Eu comecei a trabalhar com eles para ajudar em casa, mas, sendo sincera, eu não gosto de costura. Gostaria de ter oportunidades em outras áreas, mas, por ora, trabalhar com costura ainda é necessário para ajudar minha família.

Ayumi: Eu também passei por isso. Era um momento em que eu precisava de dinheiro para pagar o cursinho e uma das únicas certezas que eu tinha era que eu não queria trabalhar em empresas. Apesar de não ser um trabalho que eu me identifiquei, foi uma experiência interessante.

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Yasmin: Eu sempre quis trabalhar em uma empresa e estou trabalhando em uma que me identifico. Eu me sinto bem!

Print da tela do Zoom durante entrevista com cinco pessoas: quatro adolescentes e um professor
Da esquerda para a direita: Diana, Antonela Yasmin, Ayumi e o professor Lineu Arquivo Pessoal/Reprodução

Antonela: Professor, quais são os maiores obstáculos que os adolescentes encontram ao buscar inserção no mercado de trabalho?

Lineu: A resposta mais comum e frequente a essa pergunta se refere à falta de experiência dos adolescentes e jovens. Entretanto, se não houver oportunidade, não haverá experiência. E as oportunidades não são iguais para todos. Em um país tão desigual como o Brasil, é descabido se falar em igualdade de oportunidades. Além disso, a situação geral não está fácil pra ninguém: o desemprego no Brasil está em torno de 13%. Não depende só do esforço individual. Fazer cursos é importante, mas o que fazer se as empresas não estão contratando? É importante os jovens entenderem o que se passa no país. A desinformação pode levar à intolerância, mas é preciso saber buscar informação de forma crítica, saber interpretar texto, contexto.

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Antonela: Diana, quais foram os maiores desafios para você, sendo boliviana, conseguir um espaço no mercado de trabalho?

Diana: Eu estava procurando trabalhos, deixando currículos, mas nos locais que eu buscava, eles sempre me olhavam com cara de nojo. Tem um preconceito bem grande dependendo do local que você quer ou precisa trabalhar. Isso fecha muitas portas. Meus pais trabalham para meu tio, que tem uma empresa, e para mim é mais fácil trabalhar com eles. Já procurei trabalhar fora, mas precisa experiência ou não me aceitam. Foi a única saída trabalhar com minha família, mesmo eu querendo trazer dinheiro de fora, pois, querendo ou não, seria mais dinheiro. Tem pessoas que precisam trabalhar, mas não conseguem por causa da xenofobia, que ainda está presente em muitos lugares. Alguns conseguem o trabalho fora da costura, porém é dentro do bairro boliviano. Eu não conheço bolivianos que conseguiram trabalho fora daqui.

Lineu: Eu acho importante contar como eu conheci a Diana. Ela e outras duas colegas foram indicadas por um professor por causa do desempenho para um programa da USP de pré-iniciação cientifica voltados para alunos de Ensino Médio e técnico. Desenvolvemos um projeto de pesquisa junto com o professor da escola sobre discriminação. Criamos um questionário que foi aplicado nos alunos do 9° ano e do Ensino Médio, e foi publicado no final do ano passado. Muitas vezes, os contratantes não dão chance para o candidato à vaga mostrar o valor dele, tem uma barreira logo de início.

Antonela: É triste perceber que, mesmo com projetos e coisas diferentes no currículo, a discriminação prevalece.

Ayumi: Dá claramente para ver que não é falta de tentativas nem falta de incapacidade de trabalhar na vaga. É puro preconceito. Chocante como a história se repete. Eu espero que você consiga, Diana!

Antonela: Uma oportunidade para ingressar no mercado de trabalho é o programa Jovem Aprendiz. Ayumi, você poderia nos contar um pouquinho como foi o processo para conseguir o emprego por meio do programa?

Ayumi: Foi bem tranquilo! Eu entrei no site e enviei as documentações por iniciativa própria. A pior parte foi a resposta. Não tem nenhuma comunicação. Caso eu não fosse aprovada, não teria uma devolutiva. O Jovem Aprendiz é uma ponte entre o jovem e a empresa, ou seja, se não tem nenhuma resposta por parte da empresa, o jovem fica sem uma resposta.

Antonela: Cursos técnicos são um grande diferencial no currículo. A Yasmin está cursando o Ensino Médio integrado à escola técnica. Além disso, participa também do Jovem Aprendiz. Yasmin, como é para você conciliar todas as atividades? Acredita que o curso técnico te ajudou a conquistar sua vaga?

Yasmin: Eu ainda não comecei a conciliar a escola com o trabalho, pois comecei a trabalhar durante as férias escolares. Eu fazia um curso antes que era necessário fazer para começar a trabalhar no Jovem Aprendiz e, durante esse curso, chegava na escola atrasada várias vezes, mas eu acredito que neste ano eu consiga conciliar melhor, já que sou bem organizada e o serviço é bem perto da escola. Sobre o curso técnico, eu acho que ajudou bastante, porque foi por ele que eu recebi a proposta de emprego. Foi enviado para minha escola que estavam buscando Jovens Aprendizes e, por causa disso, eu e mais alguns colegas fomos chamados para uma entrevista.

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Foto de duas pessoas adultas segurando um cofrinho rosa de porco enquanto uma adolescente deposita uma moeda dentro dele. Não é possível ver os rostos.
Prostock-Studio/Getty Images

Antonela: A adolescência é uma fase de novas experiências e sensações. É natural que o primeiro emprego gere ansiedade, frustrações…. Professor Lineu, quais são os sentimentos mais comuns gerados pela busca do primeiro emprego?

Lineu: A adolescência pode ser vivenciada de modos muito diferentes. Assim, as experiências, as sensações, as preocupações e os motivos que geram ansiedade também podem ser diferentes. Alguém que precisa trabalhar durante o dia e estudar a noite, vai dormir tarde e precisa acordar cedo, talvez tenha preocupações diferentes daquela adolescente que pode se dedicar exclusivamente ao estudo, vai à escola, depois faz um curso de inglês, vai à academia de ginástica, aprende a tocar um instrumento… Alguém que precisa trabalhar para ajudar em casa, porque os pais estão desempregados, não tem ajuda da família para fazer os contatos, não tem indicação ou recomendação, pode se sentir mais insegura e ansiosa para buscar um emprego e se sinta mais frustrada quando recebe um não. A entrada no mercado de trabalho geralmente não é fácil, mas para alguns é mais difícil.

Antonela: O senhor acredita que com a pandemia o jovem ficou mais suscetível a desencadear sofrimento psicológico?

Lineu: Ninguém estava preparado para a pandemia e, para piorar, houve essa enxurrada de fake news, campanhas contra vacina, contra o uso de máscara… Muita gente ficou mal, houve um aumento na procura por ajuda psicológica e, ainda bem, surgiram grupos e projetos de apoio, inclusive no Instituto de Psicologia. Eu gostaria de lembrar que, mesmo antes da pandemia da Covid-19, a saúde mental dos adolescentes preocupava pais, educadores, profissionais da saúde e até mesmo os jovens. Não é tranquilo falar sobre isso, mas a gente precisa abrir o diálogo. Não é fácil porque nós adultos também não sabemos muito bem o que fazer, como conversar com essa garotada que é de outra geração, tem outras referências, outros modos de ver e entender o mundo, mas precisamos tentar.

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Antonela: Como a psicologia pode ajudar os jovens a passar pela experiência de um primeiro emprego?

Lineu: Os profissionais da psicologia podem ajudar na mediação entre os pais e seus filhos, os professores e estudantes, e também escutando e aprendendo com os adolescentes. Entretanto, acho que vale a pena esclarecer que a atuação dos profissionais da psicologia não ocorre só no consultório. A psicologia pode contribuir também na formação de professores, como é o meu caso. Gostaria de lembrar também que até o ano de 2007, a disciplina de psicologia fazia parte do currículo do Ensino Médio da rede estadual de São Paulo, mas infelizmente foi excluída.

Antonela: Para finalizar, vocês teriam algum conselho para alguém que vai começar agora no mercado de trabalho?

Diana: Talvez você não consiga de cara seu trabalho dos sonhos. Você vai ter que começar de baixo e ir subindo aos poucos. Muitas vezes, terá preconceito, coisas darão errado. Você vai ficar nervosa, é normal. Não pense que você vai chegar lá e já ser o melhor. Um pouco de cada vez!

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Yasmin: Inscreva-se em sites como o CIEE e também não se desespere, pois eu era uma pessoa muito desesperada para ter um emprego e eu ficava muito ansiosa. Falaram para ter calma que tudo é no seu tempo e agora eu vejo que o emprego veio no momento certo.

Ayumi: É importante você mesmo entender que você está procurando seu primeiro emprego e vai ser um pouco difícil. Por experiência própria, fazer um currículo sem ter trabalhado é bem complicado, você não sabe o que colocar, mas mesmo assim você quer aquela vaga. Vai ser um pouco difícil, mas vale a pena se inscrever nesses programas, por mais que dê a ansiedade de ficar esperando uma resposta. É uma experiência boa!

Lineu: Nem sempre é possível trabalhar com o que a gente gosta, na área e em atividade de nosso interesse, mas seria bom o adolescente que está iniciando a vida profissional não perder isso de vista. Para isso, o adolescente deve ir descobrindo o que gosta de fazer, o que faz bem e as habilidades que gostaria de desenvolver. Isso pode ajudar a dar um rumo, mesmo que o rumo mude depois. Essas descobertas podem acontecer com as suas próprias experiências, mas também pode ser com a ajuda de um profissional, do professor, da família, dos amigos. E para isso, temos a orientação profissional no Instituto de Psicologia da USP.

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