É censura punir fake news e discursos de ódio nas redes sociais?
CAPRICHO conversou com especialistas do direito penal e da sociologia para buscar uma resposta para esta pergunta
Alguém faz um comentário ou publica algum conteúdo nas redes sociais enaltecendo regimes ditatoriais, preconceitos contra minorias políticas e que ofendem a um grupo específico ou que disseminam discursos antidemocráticos e até fake news. Esse conteúdo ganha proporções inesperadas e chega a ser removido, já que rompe com diretrizes das plataformas e também fere a própria legislação. Em seguida, a acusação de que a punição é uma forma de censura e fere a liberdade de expressão.
O cenário descrito a cima te parece familiar? Pois é. As plataformas – TikTok, Instagram, Facebook, Twitter – não são terra de ninguém – apesar de a gente às vezes ter essa sensação -, há uma regulamentação e elas estão inseridas em um contexto. Mas será, então, que retirar do ar um conteúdo que fere diretrizes e viola a legislação pode ser uma ameaça à liberdade de expressão? Nós da CAPRICHO fomos conversar com especialistas para buscar essa resposta.
“Ter uma conta desativada em redes sociais não chega a configurar censura propriamente dita. Existem padrões a serem seguidos nesses ambientes, e o que leva a uma suspensão ou exclusão é o desrespeito a esses padrões”, explica Ledo Paulo, advogado criminalista e professor na Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP), no Paraná, em conversa a reportagem da CH.
Talvez você já tenha visto algum acontecimento nessa linha ser noticiado nos jornais ou até mesmo no seu próprio feed. Você se lembra da reação das pessoas quando a Meta, dona do Facebook, retirou do ar o vídeo em que o presidente Jair Bolsonaro associa a vacina contra Covid-19 à Aids? Ou até quando o podcaster Monark defendeu a existência de um “partido nazista reconhecido pela lei” em oposição a partidos progressistas reconhecidos formalmente?
Estes são só alguns exemplos de casos recentes que levaram as plataformas e empresas agirem de forma rápida. Mas ao mesmo tempo o debate se intensificou, algo já comum à cultura das redes sociais: um lado apoiou a necessidade de mostrar que estes posicionamentos são incorretos, enquanto outro começou a falar em censura e falta de liberdade de expressão.
“A liberdade enquanto um direito coletivo assegurado precisa trazer autonomia às pessoas e não criar ferramentas que possibilitem o desrespeito a um determinado grupo social”, pontua Carine Passos, especialista em sociologia política pela UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro) à CAPRICHO. Ou seja, a sua liberdade, inclusive de expressão, termina onde começa a liberdade do outro de existir.
A especialista da UENF explica que existe uma ideia equivocada de que ser livre nos dá o direito de simplesmente fazermos o que quisermos. Em uma sociedade que preza pelo cultivo da boa convivência entre todos por meio das leis, é importante saber que o conceito de liberdade não é ilimitado.
E não menos importante, olha só: a liberdade de expressão é assegurada pela Constituição Federal de 1988, em diversos incisos do Art. 5º. Ela é entendida como direito fundamental desde o processo de redemocratização e garante aos indivíduos que ideias, valores e pensamentos possam ser expressados sem que algo ou alguém os impeça.
Só que quando olhamos a definição de censura, é possível enxergar algo bem diferente: ela acontece quando há impedimento de que determinadas informações circulem em um meio social. Um exemplo é o tratamento dado aos jornais na época da Ditadura Militar aqui no Brasil. Algumas edições – para não dizer todas – tinham que passar por um comitê compostos por militares que avaliavam o conteúdo e excluíam qualquer reportagem ou matéria que, na avaliação deles, fosse contra os valores daquele governo e os “bons costumes” da época. Mas ela se manifesta de muitas outras maneiras hoje, viu?
“Essa é uma discussão longa, que depende de muitos elementos, mas, em suma, o que está em jogo é a possibilidade de termos uma sociedade com diversidade de narrativas e pensamentos versus uma sociedade que imprime seus valores morais a todo custo, inclusive a partir de mentiras e desinformação”, alerta a especialista em sociologia política.
O doutor em direito criminal também esclarece que, se você publicou algo claramente preconceituoso e sofreu as consequências disso, você não está sendo censurado.
“Todos temos o direito de ir e vir, mas isso não nos dá o aval de entrar na casa de alguém sem a permissão da pessoa, pois a violação de domicílio é crime. Com a liberdade de expressão é a mesma coisa: eu posso manifestar minha opinião, mas não posso usar dessa liberdade para ofender a honra de alguém ou propagar discursos de ódio”, exemplifica o advogado.
Segundo os especialistas, o que pode configurar crime são justamente manifestações que propagam ofensas à honra, não a proibição delas. É importante ficar atenta quando uma informação ou discurso pipoca por aí com críticas que parecem não ter muita conexão com a promoção do bem de todos nós, né?
“No âmbito cível [ou seja, do Direito Civil], pode-se determinar, por exemplo, a reparação de danos, a retratação ou a retirada de circulação do conteúdo ilegal. No âmbito criminal, podem ser aplicadas penas que vão desde restrição de direitos até a possibilidade de privação de liberdade, desde que as condutas configurem algum crime.”
Parece meio complexo de entender, né? Mas, em outras palavras, o especialista explica que, apesar de não existir uma definição de crime de ódio no código penal, este elemento pode ser entendido como um agravante. O ódio às meninas e mulheres que leva ao feminicídio, o ódio à população LGBT que leva à exclusão de ambientes corporativos, por exemplo. E isso vale para postagens que configuram fake news ou propaguem ofensas à determinados grupos.
O “X” da questão está em justamente entender que nem todo comentário pode ser visto como opinião. Discursos de ódio, que incitam o preconceito, racismo, homofobia ou fazem apologia ao nazismo são alguns exemplos de conteúdos criminosos – inclusive no meio online – que podem ser penalizados pela legislação. E isso vai desde a exclusão de postagens até abertura de processos com direito a indenização.
Para que você tire suas próprias conclusões sobre um assunto, é preciso ser cético e fazer algumas perguntas essenciais: eu concordo com isso? Me senti bem consumindo esse conteúdo? O que ele pode gerar para as outras pessoas? Ou você acha que tudo bem entrar no YouTube ou no Whatsapp e consumir conteúdos com informações violentas e muito difusas daquilo que vemos nos jornais? O famoso “contra fatos não há argumentos” é clichê, mas pode funcionar.