Será que você é uma pessoa assexual?

O que é a assexualidade, quais tipos de assexuais existem e quando o termo surgiu

Por Isabella Otto Atualizado em 30 out 2024, 15h27 - Publicado em 21 out 2022, 11h08
Cena de BoJack Horseman mostra uma reunião de assexuais
A série BoJack Horseman aborda o tema através do personagem Todd BoJack Horseman/Reprodução

A escritora Glória Perez é conhecida por abordar temas relevantes da atualidade em suas novelas. Por exemplo, em Travessia, a protagonista Brisa (Lucy Alves) é vítima de deepfake, que é quando fazem uso de algum software de inteligência artificial para trocar rostos de pessoas de uma maneira quase que imperceptível.

Outra temática que já vem sendo abordada pela autora faz parte do guarda-chuva LGBTQIA+: a assexualidade. Rudá (Guilherme Cabral), filho de Guida (Alessandra Negrini) e o responsável por praticar, mesmo que levianamente, deepfake com Brisa, é assexual. Glória explica que, em breve, um novo personagem, chamado Laerte, que será demissexual, chegará à trama para ajudar o adolescente a entender seus sentimentos. “É através de Laerte que mostramos esse universo dos assexuais, ainda não explorado pela dramaturgia televisiva. A tribo contém várias tribos, dos estritos e arromânticos, incluindo os proculsexuais, aquele que só tem por pessoas com quem tem certeza de que nunca se relacionará (celebridades de todas as áreas) até os fictosexuais, que só se atraem por personagens de ficção. Tem pra todos os gostos“, publicou a escritora nas redes sociais pouco tempo antes de Travessia estrear.

Rudá e Guida, personagens de Travessia, novela das nove da TV Globo
Em Travessia, Guida e o padastro de Rudá não entendem a falta de interesse sexual do adolescente e erroneamente acham que ele é gay TV Globo/Divulgação

O que é ser assexual?

A assexualidade é uma orientação sexual definida como a falta de atração sexual, ou seja, de vontade de transar. Logo, a pessoa assexual não se sente atraída sexualmente por outras pessoas, em maior ou menor nível. “A gente costuma identificar a assexualidade como alguém que não tem atração sexual, tem pouca atração sexual ou tem uma atração sexual condicional”, explica o advogado Walter Mastelaro Neto, membro da comunidade, à VICE Brasil.

Dentro desse espectro de sexualidade, há os assexuais estritos, como o Rudá, que não sentem atração sexual de jeito nenhum; os assexuais arromânticos, isto é, que não sentem atração sexual nem romântica por outras pessoas; e ainda os assexuais românticos, que não sentem atração sexual, mas podem sentir-se atraídos de modo romântico por outras pessoas, como explica Yuki no vídeo a seguir:

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Há ainda o grayssexual, que sente atração sexual somente em certas circunstâncias; o cupiossexual, que não sente atração sexual por outras pessoas, mas tem desejo sexual e vontade de ter uma vida sexual ativa, podendo praticar a masturbação; o fictossexual, que sente atração sexual por personagens fictícios; o assexual fluído e o demissexual.

Então, a demissexualidade faz parte da assexualidade?

Sim, de acordo com o site demisexuality.org, pessoas demissexuais estão inseridas no espectro da assexualidade. A razão é simples: os demissexuais só conseguem sentir desejo sexual se antes estabelecerem algum tipo de vínculo emocional e/ou intelectual com a pessoa. É o caso da atriz Giovanna Ewbank e da cantora Iza.

Dentro do guarda-chuva da demissexualidade, há também aqueles que sentem mais ou menos desejo sexual, que sentem ou não vontade de praticar a masturbação, e por aí vai. Tudo é muito particular e faz parte da individualidade do ser. “A sexualidade é uma faceta da sua personalidade”, esclarece Walter Mastelaro.

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Quando e como o termo surgiu?

Na internet, acredita-se que a assexualidade tenha sido debatida pela primeira vez em 1997, quando Zoe O’Reilly publicou um texto em um fórum de discussão intitulado My Life as Ameba (“Minha Vida como Ameba”). No relato, O’Reilly usava como metáfora para a sua (a)sexualidade o protozoário unicelular conhecido por viver sem copular, se reproduzindo através de um processo chamado amebíase.

O texto começava da seguinte forma: “Eu tenho orgulho de ser assexual. Meu povo é um grupo minoritário e quer ser reconhecido como todas as outras minorias. Queremos uma fita colorida, um feriado nacional, cupons para fast food. Queremos que o mundo saiba que nós existimos“.

Duas pequenas bandeiras estão apoiadas sobre a grama. Uma tem as cores do arco-íris e a outra é preta, cinza, branca e roxa
As quatro cores da Bandeira do Orgulho Assexual: o preto simboliza a assexualidade; o cinza corresponde aos assexuais não estritos; o branco representa os aliados que não são assexuais; e o roxo figura a comunidade assexual. Nicky Ebbage/Getty Images

De fato, o termo é considerado recente, mas os primeiros estudos científicos a respeito de pessoas que não sentem atração sexual por outras começaram a ser realizados em 1948, sobre a supervisão do norte-americano Alfred Kinsey, fundador do Instituto para Pesquisas sobre Sexo.

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Na ocasião, ele fez um levantamento e descobriu que 1% da população dos EUA não fazia sexo nem pensava no assunto. Na época, Kinsey classificou essas pessoas numa categoria chamada “X”. Algumas décadas se passaram e, em 2004, o psicólogo Anthony Bogaert realizou um trabalho parecido, desta vez, no Reino Unido. Ele também chegou a um resultado semelhante.

Como é possível notar, não há uma data estabelecida para o surgimento do termo (porque assexuais sempre existiram), mas sua popularização deu-se no início dos anos 2000, após discussões online e a criação da AVEN (The Asexual Visibility and Education Network), comunidade de debate e inclusão sobre assexualidade, em 2001.

Assexual ou assexuado?

A palavra assexuado é vista como pejorativa pela comunidade LGBTQIA+. Por isso, sempre que for se referir a um indivíduo que se enquadra no espectro da assexualidade, use o termo assexual.

Por muito tempo, o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) tratou a assexualidade como um transtorno do desejo hipoativo, levando em consideração a máxima de que “sexo é vida”.

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Entretanto, embora de fato algumas pessoas sintam mais, menos ou nenhum apetite sexual por uma disfunção hormonal ou baixa libido, não é o caso da assexualidade. A explicação é simples: a falta de desejo sexual do assexual não é causada por um problema de saúde. Logo, a versão mais atual do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais retirou a orientação sexual da lista de doenças. “A assexualidade, como uma orientação sexual, não pode ser confundida com uma doença, ou o resultado de um trauma ou influxos hormonais. Inúmeras pesquisas mostram que os indivíduos autoidentificados como assexuais não possuem traumas e alteração dos níveis hormonais esperados”, pontua a Sociedade Brasileira de Medicina da Família e Comunidade.

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Então, sim, assexuais também podem namorar, podem dar beijos e abraços, podem escolher ficar sozinhos, podem não querer sexo de jeito nenhum, podem transar de vez em quando, e podem ser indivíduos cisgênero, transgênero, não-binário, queer, etc. A assexualidade é uma orientação sexual, não uma identidade de gênero – e isso são coisas diferentes, tá? “A assexualidade não é determinada por aquilo que a pessoa faz ou deixa de fazer. Na prática, isso significa que ela pode ser assexual praticando sexo ou não. E ao contrário do que muitos pensam, a pessoa assexual também pode se envolver em relacionamentos, beijos e abraços. Da mesma forma que há pessoas que não gostam do toque ou de uma companhia romântica. Portanto, o ser assexual é algo muito mais subjetivo e complexo. E vale reforçar que se trata de uma condição intrínseca. O ser humano não escolhe ser assexual por vontade própria”, esclarecem especialistas do Zenklub.

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