Ray Neon: “Não sei se foi mais difícil aceitar meu corpo ou meus cachos”
Em entrevista à CH, a jornalista falou sobre amor próprio, sua relação com a moda, como foi enfrentar o transtorno alimentar e muito mais
Quem acompanha o movimento body positive aqui no Brasil provavelmente já ouviu falar da Raíssa Galvão ou Ray Neon, como é conhecida nas redes sociais. Apesar de hoje ser inspiração para várias meninas que também querem aceitar seu corpo, a carioca de 24 anos nem sempre teve uma relação de paz consigo mesma. Em entrevista à CAPRICHO, a influenciadora relembrou momentos difíceis que viveu na infância, a história que deu início à sua trajetória na internet e compartilhou dicas per-fei-tas recheadas de amor próprio!
O balé sempre esteve presente na vida dela. Sua mãe fez questão de apresentar o universo da dança desde cedo para que a filha pudesse seguir seus passos. Acontece que, ao mesmo tempo em que era muito prazeroso, aquilo trouxe dores e consequências complicadas para a vida de Ray. “Eu não tinha nenhum ambiente em que conseguia me sentir segura: nem em casa, nem no balé e nem na escola. Tive bulimia desde os 10 anos, comecei a vomitar depois que meu irmão foi convidado para dançar em um festival importante e ouvi quando disseram que eu não iria conseguir uma vaga por ser gorda, não importaria o quanto fosse boa. Um dia, vi as bailarinas mais velhas, que eram minha inspiração, dizendo que vomitavam. Achei que essa seria a solução para ser magra”, relembra.
Por volta dos 13 anos, Raíssa chegou a ficar 10 dias sem comer direito para conseguir seu objetivo. “Meu corpo começou a rejeitar até água, minha mãe me encontrou no chão e tentou colocar um pão na minha boca, mas neguei por saber a quantidade de calorias presente no alimento. Isso continuou até meus 16 anos, mais ou menos. Eu sempre vou carregar o transtorno alimentar, sei disso, mas hoje consigo lidar de uma forma muito mais saudável. Apesar de amar meu corpo, preciso ficar atenta aos gatilhos“.
A frustração de nunca conseguir emagrecer era tanta que Raíssa decidiu que iria fazer uma cirurgia bariátrica, mas desistiu no dia do procedimento para dar uma chance a si mesma. Dessa vez, não era sobre ter um novo corpo, mas aceitar o que ela já tinha. “Comecei a entender mais sobre autoestima quando uma ex-namorada me apresentou o feminismo. Eu entendia que tinha algo de errado, mas pensava que era comigo. Quando finalmente aprendi o que significava gordofobia, as coisas ficaram mais claras na minha cabeça”, revela.
Um momento que marcou sua vida e sua autoaceitação foi um ano novo que passou com amigos em Cabo Frio, no Rio de Janeiro. Na ocasião, a jornalista era a única menina gorda do grupo. Apesar de ter sido difícil, foi o pontapé que a levou a compartilhar sua experiência com pessoas do Brasil todo. “Foi um desafio ficar de biquíni na frente de tanta gente que não iria conseguir entender meu corpo e minhas questões. Decidi compartilhar essas reflexões no Instagram e aquela viagem passou a ser um momento para eu me amar, me conhecer e entender mais do meu corpo. Lembro de falar sobre a primeira foto que não editei minhas celulites, mostrei meu peito caído e lidei com cada insegurança que sentia. A internet se tornou uma rede de apoio e, ao mesmo tempo em que as outras pessoas me ajudavam, eu conseguia ajudá-las também. Daí cada vez mais comecei a aprender sobre o ativismo gordo, o movimento body positive e consegui compreender que ser gorda era um exercício diário e um ato político. O corpo gordo já diz muito apenas por existir“, afirma.
A moda sempre fez parte da vida da influenciadora, mas a falta de acesso a roupas era uma realidade. Quando mais nova, a regra em casa era ter apenas uma calça jeans e só poderia comprar outra quando a antiga rasgasse, por isso, precisou usar a criatividade para produzir desde cedo seu estilo com a ajuda da mãe e da máquina de costura. “Sempre gostei de ver referências, principalmente na CAPRICHO. Eu queria poder reproduzir os looks das famosas, mas não conseguia ter acesso. Foi aí que entendi que queria conseguir dar essa oportunidade para outras mulheres, trabalhar com esse universo e torná-lo acessível para meninas que tinham o mesmo corpo que o meu“, explica. “É muito caro comprar roupa, principalmente no segmento plus size, então minha dica é procurar bazares e brechós. Vale a pena explorar, procurar e usar a criatividade para conseguir ter autonomia e customizar suas próprias roupas a partir de uma peça”, garante.
Apesar de trabalhar dentro desse universo, Ray sabe que ainda falta muito para que a moda traga diversidade como pauta principal na hora de produzir coleções – principalmente quando falamos de fast fashion. “Além de faltar pessoas gordas na equipe, falta também especialistas no assunto. Criar roupa plus size não é sobre aumentar o tamanho, tem a ver com ergonomia, versatilidade, enfim… Tanta coisa! E a gente não aprende na faculdade, o único manequim com o qual a gente trabalha é 40. Se você não entende as necessidades e as variações de um corpo, nunca vai dar certo mesmo”, reflete.
Outra grande questão de aceitação da trajetória de Raíssa foi seus fios cacheados, que hoje são sua marca registrada. Os cabelos coloridos sempre fizeram parte do seu dia a dia, mas os cachos foram motivo de insegurança por muito tempo. “Confesso que não sei se foi mais difícil aceitar isso ou meu corpo. Eu fiz progressiva desde os 8 anos, não fazia ideia de como ele era, a curvatura, nem a cor, porque pintei e alisei desde muita nova, achava que nunca iria conseguir voltar com ele cacheado. Minha mãe criticava muito, mas um dia parei de dar ouvido para as opiniões dela. Decidi cortar meu cabelo, mas não gostei do resultado, deu errado e corri pro barbeiro”, conta entre risos.
Foi aí que, sem querer, a Ray deu início à sua transição capilar – com um big chop que rolou por acaso e fez toda a diferença no seu dia a dia. “Quando eu cheguei em casa, achei que minha mãe ia querer me matar, mas ela ficou sorrindo por me ver tão feliz. Foi a melhor decisão que tomei em relação ao meu cabelo. Eu pude me entender, sem me esconder por trás dele. Lembro que nessa época, me conectei muito com quem eu era. Acho que toda mulher poderia fazer isso um dia para se entender como pessoa. A gente usa o cabelo como escudo, como se ele fosse a única coisa que nos deixasse feminina, mas confesso que me senti um mulherão de cabelo raspado”, diz orgulhosa.
Por fim, ela deu três dicas per-fei-tas que podem ajudar muito seu processo de autoestima. A primeira delas é dar unfollow em pessoas que não te fazem bem. Não precisamos consumir conteúdos tóxicos. Vale a pena procurar influenciadoras e garotas que tenham o corpo parecido com o seu para começar a mudar seu olhar e conseguir se enxergar. Outra ideia é escrever uma carta para si mesma usando toda sua gentileza, carinho e amor para reler naqueles dias que você não está se sentindo tão bem consigo mesma e relembrar a mulher poderosa que é. Por último, a Ray compartilhou uma meditação linda que costuma fazer para agradecer ao seu corpo. “Eu digo o quanto sou grata pelos meus braços para conseguir abraçar quem amo, pela minha boca, que faz com que eu consiga dizer tudo que penso, minhas pernas por me acompanhar por lugares incríveis e por todas as funções que consigo realizar graças a ele“.