Ministra das Mulheres deseja que meninas sejam ‘sujeito de direitos’
'Meninas podem ser o que quiserem, sem serem violentadas, sem serem discriminadas', afirmou Cida Gonçalves em entrevista exclusiva à CAPRICHO.
la é uma das 11 ministras. E para nós, meninas, talvez uma das mais importantes: Cida Gonçalves integra o primeiro escalão do governo Lula, ocupando o cargo de Ministra das Mulheres, mas muito antes de estar nesse espaço político repleto de desafios, ela foi uma ativista que desde muito jovem lutou pelos nossos direitos, sabia?
Nesta entrevista exclusiva para a CAPRICHO,”Cidinha”, como é conhecida carinhosamente por muitas pessoas, falou sobre sua história e, entre outras reflexões, sobre os seus planos para a retomada do Ministério das Mulheres – que, até 2016, era uma secretaria especial, mas com status de ministério e foi descontinuado pelo governo Temer – como é ser uma mulher na política, como meninas podem (e devem) estar nela.
A ministra, que é especialista em gênero e violência contra mulher e ocupou o cargo de secretária nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres nos governos anteriores de Lula e Dilma Roussef (PT), nos recebeu no final de maio durante a reunião da Coalizão pela Defesa e Promoção da Dignidade Menstrual, que reúne mais de 10 entidades (dentre elas Girl Up Brasil, Plan International, UNFPA, Unicef, instituto Serenas, e outras), que apresentaram uma série de recomendações para a implementação da política nacional sobre o tema.
Mas é claro que, na nossa vida, tudo é política e falamos sobre muitos outros temas. Tanto que, quando descobrimos que a ministra começou a se interessar pelo tema aos 14 anos, ainda bem jovem, ficamos muito empolgadas.
“Eu tive que ser militante aos 14 anos, achando que os mais velhos eram um bando de idiota e que a gente que sabia tudo. Mas faz parte da vida: você vai descobrir depois que não é bem assim. Mas essa Juventude agora, eu acho que vem de uma outra perspectiva, né? Tem mais informação que a minha, minha geração não tinha internet”, conta.
Mas uma das falas da Ministra que mais me fizeram refletir foi sobre o incentivo para que, nós, meninas, participem desse ambiente. “Você vai construindo [estando na vida política institucional ou não] um processo que faz com que as mulheres, as meninas se empoderem, e são essas meninas que vão mostrar para as outras que elas podem.”
Para esta que voz fala, Rebeca Souza, que sou uma menina negra que pretende entrar para a política institucional, é recorrente ficar em busca de representatividade em vários espaços de poder. Mas escutar a ministra me deu a certeza do quanto precisamos estar nesses ambientes e como (eu ou você aí do outro lado da telinha, lendo esse texto <3) podemos ser inspirações para tantas outras.
Leia a entrevista completa:
CAPRICHO: Bom, ministra, eu queria muito te agradecer por estar aqui, principalmente porque sou de Sergipe e estar conversando com uma ministra, em Brasília, para mim é muito simbólico. Eu quero começar perguntando que antes de você ser uma política, você é uma ativista. Como foi essa trajetória para você?
Cida Gonçalves: É, na verdade, elas estão misturadas. O ativismo e a política estão muito juntos, porque quando você faz um ativismo propositivo, de negociação e articulação, você não tem como dizer que não é político. Você pode não ser deputado, não ser parlamentar, mas você está dentro do campo da elaboração da proposição e das políticas públicas. Então o processo de ser ministra, de vir para o governo já para ser secretária nacional (nos governos Lula e Dilma), foi um processo meio que natural. Duro, mas natural.
E pensando também nessa perspectiva, como é ser uma política a partir desta outra perspectiva, a de quem recebe as demandas e não de quem as aponta?
Não é fácil. Porque existem espaços: o espaço do movimento do ativismo é um, que tem liberdades e possibilidades, e você estar neste outro espaço, principalmente do executivo – já que sou mais da área do executivo do que do parlamento – é muito mais difícil, porque você se depara as limitações do Estado.
No ativismo temos muitos ideais, com os quais você sonha e deseja. Mas a realidade que você encontra no Estado, vem sempre com o questionamento: ’o que pode ser executado? O que podemos avançar?’’ Então, o desafio é fazer uma política que avance o máximo possível e que garanta o máximo de avanço social, o máximo de conquistas para as mulheres, no meu caso.
Gostaria de falar um pouco mais desse avanço efetivo, quais são os projetos que o Ministério das Mulheres pensa para a juventude, para mulheres jovens e para meninas especificamente?
Temos algumas questões que precisam ser enfrentadas, como, por exemplo, a pauta sobre dignidade menstrual, mas também temos que falar sobre empoderamento. Nós precisamos que as nossas meninas se empoderem para se apresentarem como sujeitas de direitos no processo histórico do Brasil. Meninas podem ser o que quiserem, no lugar que quiserem, sem serem violentadas, sem serem agredidas, sem serem discriminadas. Elas são as nossas próximas parlamentares, próximas executivas, próximas ministras, elas são o nosso futuro..
E pensando já nesta perspectiva, existe algum plano que incentive meninas a entrar na política na sua gestão com o Ministério?
Eu acredito que na medida em que nós construímos políticas públicas eficientes para este público e vamos lutando, criando referências e trazendo o debate ao público, isso se torna um incentivo. Não é porque nós não vamos dar conta de chegar com essa mensagem em 100% das meninas que não vamos fazê-lo, nós precisamos construir um debate público aberto para que as meninas se enxerguem nesse lugar.
Afora as políticas que a gente está fazendo, a gente já tem o Ministério da Ciência e da Tecnologia com editais que incentivam as meninas a trabalhar e fazerem cursos de exatas, então sai da área do cuidado e vai para STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Construímos, assim, um processo que faz com que as mulheres e as meninas se empoderem, e são essas meninas que vão mostrar para as outras que elas podem.
Ministra, nos reunimos para tratar sobre dignidade menstrual. Por que esse assunto ainda é um tabu, na sua visão?
É um tabu primeiro porque nós, mulheres, sempre fomos proibidas de exercer o domínio sobre nosso corpo. Ele sempre foi propriedade de outros, então é um tabu, por isso. Então nós temos as crenças de que menstruação é pecado, que é uma coisa ruim e de um outro lado nós temos a desinformação no Brasil. Nós temos mulheres que cresceram sem informação da questão menstrual e que, portanto, não conseguem conversar sobre isso com suas filhas e filhos.. Além disso, a questão da dignidade menstrual envolve a questão dos direitos sexuais e dos seus direitos reprodutivos, mais um grande tabu no Brasil. Então, para mim, isso é de fato muito mais que um tabu, é discriminação e preconceito.
E para finalizar, eu queria saber como foi ser menina do Brasil e qual é o salto de qualidade que você vê em relação a minha geração?
Eu não tive muitos direitos garantidos. Eu tive que ser militante aos 14 anos, achando que os mais velhos eram um bando de idiota e que a gente que sabia tudo. Mas faz parte da vida: você vai descobrir depois que não é bem assim. Mas essa Juventude agora, eu acho que vem de uma outra perspectiva, né? Tem mais informação que a minha, minha geração não tinha internet.
Eu fui uma menina que escrevia cartas, mandava bilhete, que para imprimir o jornal tinha que passar a noite fazendo no mimeógrafo (amiga, você sabe o que é? Eu tive que dar um Google pra descobrir! Basicamente é uma espécie de impressora antiga, coisa vintage) as pautas do movimento, colando cartazes nos postes.
Mas hoje a militância é via rede social, a juventude se aglutina e se mobiliza com outro método e tem mais acesso à informação. O que nós precisamos, na verdade, é pensar como é que vamos trabalhar as nossas informações, as informações que nos interessam chegar na juventude. Porque essa juventude está muito aberta, tem perspectiva, quer construir, quer fazer a diferença, mas só precisa ter a informação correta.
E somos. Saiba que nós somos uma juventude que quer construir. E bom, eu queria para finalizar, não é o tema de hoje, mas eu queria muito agradecer a senhora e a toda sua equipe que apresentou uma nota oficial, contra a PEC 9, que prevê perdoar os partidos que não cumpriram com as cotas de gênero e raça na última eleição. Eu pretendo ser presidente do Brasil um dia, então, para mim, é caro, e é lindo ver um Ministério tão forte, que fala, que incentiva e que diminui as barreiras políticas para meninas como eu e para mulheres que querem entrar e transformar nosso cenário político brasileiro, muito obrigada.
Esse é o nosso papel, garantir que vocês venham para a política, que vocês sejam presidentas desse país. Essa é a função do Ministério, então seja bem-vinda à política.
*Com supervisão de Andréa Martinelli, editora-chefe da CAPRICHO e Marília Taufic, diretora de comunicação da Girl Up Brasil, organização que treina, inspira e conecta meninas para que sejam líderes e ativistas pela justiça social e está presente em outros países da América e Europa.