Brasil recupera ancestralidade roubada com posses de Franco e Guajajara

A defesa das terras e dos povos indígenas e o combate ao fascismo e ao racismo são destaques nos discursos de posse de Anielle Franco e Sonia Guajajara

Por Isabella Otto Atualizado em 29 out 2024, 19h04 - Publicado em 12 jan 2023, 12h49
Anielle Franco com o punho para o alto
Mateus Bonomi/Anadolu Agency/Getty Images

Anielle Franco, irmã de Marielle, tomou posse nesta quarta-feira (11) do Ministério da Igualdade Racial, em Brasília. Foi o primeiro grande evento no Palácio do Planalto após os ataques golpistas de 8 de janeiro. Na ocasião, Sônia Guajajara também assumiu o Ministério dos Povos Indígenas.

Em seu discurso, a professora e jornalista começou agradecendo todos aqueles que a apoiam desde o início da sua caminhada como ativista e mulher negra, inclusive os seus orixás. Suas companheiras de luta também foram lembradas: “Agradeço àquelas que vieram antes de mim, as minhas mais velhas, às minhas irmãs de alma, mulheres negras que seguraram a minha mão desde o dia 14 de março de 2018 [data da morte da vereadora e do morotista Anderson Gomes] e que nunca mais soltaram”, disse.

A ministra pontuou que desde a morte da sua irmã, assassinada há quase cinco anos, tem dedicado sua vida a lutar por justiça, defender a memória de Marielle, multiplicar seu legado e regar as sementes deixadas por ela. Exemplo disso foi a criação do Instituto Marielle Franco, em 2020. “O fascismo, assim como o racismo, é um mal a ser combatido em nossa sociedade(…) E combater o racismo e o fascismo parte também da luta por justiça, reparação e por democracia”, declarou.

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Para Anielle, a retomada do Ministério da Igualdade Racial, criado em 2003 por Lula (PT), e a criação do Ministério dos Povos Originários “representam o Brasil que queremos construir, com o protagonismo de mulheres, mulheres negras, quilombolas, povos de matriz africana, ciganos, juventudes, favelados e periféricas, povos e comunidades tradicionais”. O rito de passagem da faixa presidencial também foi bastante simbólico: “Lula recebeu a faixa presidencial do povo, colocada por uma mulher negra periférica, mostrou que o caminho para o Brasil do futuro será sim liderado por aqueles e aquelas que há séculos resistem ao projeto violento que fundou esse país”, relembrou.

HISTÓRICO DA COLONIZAÇÃO

Ainda durante discuro, Anielle Franco afirmou que, no Brasil, a abolição da escravidão nunca foi concluída e que a população negra “ainda enfrenta múltiplas faces do racismo, que gera condições desiguais de vida e de morte para pessoas negras e não negras no país. Isso não pode ser esquecido e nem colocado de lado”. Para isso, é imprencindível “identificar e responsabilizar quem insiste em manter esta política de morte e encarceramento da nossa juventude negra, comprovadamente falida” – e para isso a pasta Igualdade Racial também existe.

Segundo a ativista, a prioridade do ministério é “lutar pelo fortalecimento e ampliação de políticas que culminem na dignidade da vida do povo negro brasileiro”, para assim reduzir as “diferenças raciais hierárquicas que instituem condições materiais desiguais de vida e de morte de brasileiros e brasileiras”, que não podem mais ser ignoradas.

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“Caminhem conosco até que os sonhos de nossas ancestrais se tornem realidade”, convidou Franco.

A VOZ DE GUAJAJARA

Sonia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, disse que a criação da pasta e a posse dela e de Anielle Franco configuram um “momento emblemático para a história do Brasil”. Filha da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, ela disse que seu intuito à frente do ministério é cuidar dos filhos da Nação, “povos esses, que resistem há mais de 500 anos, a diários ataques covardes e violentos(…) A partir de agora, essa invisibilidade não pode mais camuflar a nossa realidade. Estamos aqui, de pé! Para mostrar que não iremos nos render!”, falou.

Posse de Sonia Guajajara
Joedson Alves/Anadolu Agency/Getty Images
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Sonia assume o cargo com coragem e está pronta para lutar contra aqueles que ainda hoje romantizam e demonizam os povos indígenas: “Se estou aqui hoje, é graças à força ancestral e espiritual de meu povo Guajajara Tentehar, graças à resistência secular da luta dos povos indígenas do Brasil, graças também à minha persistência de nunca desistir”.

A ministra também aproveitou seu discurso de posse para criticar os estereótipos que os povos originários carregam, que lhes são dados geralmente para desqualificar suas existências. “As dificuldades no acesso aos serviços de saúde, de saneamento e as falsas informações propagadas, potencializaram literalmente um plano de genocídio(…) Vivemos no mesmo tempo e espaço que qualquer um de vocês, somos contemporâneos deste presente e vamos construir o Brasil do futuro, porque o futuro do planeta é ancestral“, pontuou.

Guajajara relembrou ainda os ataques que os Yanomami sofreram no último ano e que sofrem diariamente com o garimpo ilegal: “Não é mais possível convivermos com povos indígenas submetidos a toda sorte de males, como desnutrição infantil e de idosos, malária, violação de mulheres e meninas e altos índices de suicídio”.

A importância das terras indígenas para a sobrevivência da Terra também foi destacada. “As terras indígenas, os territórios habitados por demais povos e comunidades tradicionais e as unidades de conservação são essenciais para conter o desmatamento no Brasil e para combater a emergência climática enfrentada por toda a humanidade(…) Daí a importância de reconhecer os direitos originários dos Povos Indígenas sob as terras em que vivem”, assegurou.

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