A volta da cintura baixa gera debate sobre gordofobia e pressão estética

Analisamos o significado e o que provoca o retorno dessa peça polêmica que era tendência nos anos 2000

Por Sofia Duarte Atualizado em 30 out 2024, 15h42 - Publicado em 7 ago 2022, 10h00

Não é novidade que o sentimento de nostalgia tem dominado o comportamento da sociedade nos últimos tempos, ainda mais em anos de pandemia em que as memórias afetivas trouxeram um lugar de conforto e aconchego que tanto estávamos precisando. Como o que acontece no mundo em um determinado contexto reflete também na moda, nesse período a volta de roupas, acessórios e penteados que faziam sucesso nos anos 2000 ganhou força. Acontece que essa década é bastante lembrada por suas polêmicas fashion, o que significa que várias tendências que estão retornando aos holofotes causam incômodo e controversas entre as pessoas, e uma delas é a calça de cintura baixa.

Hanne Lima, especialista de tendências na WGSN, analisa esse cenário. “Os consumidores, mesmo os que não viveram ou se lembram dessa época, como é o caso da maioria da geração Z, olham para o passado e os ícones que o representa como uma forma de escapismo, fantasiando com um momento mais simples da história de uma forma bem romantizada, encontrando um alívio do presente. Vemos isso também com o retorno de referências dos anos 90 na moda.”

Paris Hilton nos anos 2000
Paris Hilton nos anos 2000 Reprodução/Reprodução

Isso reforça a ideia de que a moda é cíclica, mas que as voltas incorporam outros códigos de acordo com o novo momento em que estão inseridas. Fernanda Binotti, professora do curso de moda do Centro Universitário FAAP, explica como o comeback do cós baixo é um exemplo disso. “As cinturas baixas usadas nos anos 2000 tinham por característica modelagens mais justas ao corpo, como calças cigarretes ou skinnys. Atualmente, as calças estão com as pernas mais amplas, o que garante a ideia de conforto, que é uma proposta muito forte de hoje em dia.”

Hanne Lima acredita que a grande diferença está no styling. “Hoje, vemos a cintura baixa combinada em looks high-low, usando corsets e tops, misturada com outras tendências.”

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Lindsay Lohan usando calça de cintura baixa nos anos 2000
Lindsay Lohan usando calça de cintura baixa nos anos 2000 Stephen Lovekin/FilmMagic/Getty Images

Ou seja, em 2022, as tendências se apresentam de maneiras diferentes em comparação aos anos 2000. Aquela deformação da silhueta que víamos na virada do século não é mais o que chega nas araras das lojas; a cintura baixa vem reformulada, com um design mais comfy. E, mesmo com essa modelagem dando as caras, a cintura alta não some completamente e uma não substitui a outra – e é bem improvável, para não dizer impossível, que isso aconteça nas próximas temporadas.

“Com a aceleração dos ciclos de adoção de estéticas, muito por conta do TikTok e das novas formas de consumir moda, existe muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, principalmente na cultura jovem. O retorno dos anos 2000 e a cintura baixa, apesar de ser uma tendência bastante expressiva, não é a única estética sendo adotada. Ao mesmo tempo, as discussões sobre estilo pessoal e a rejeição (ou talvez maior filtragem) de tendências mais passageiras por uma parte considerável do público pode contribuir para isso”, reflete a especialista da WGSN.

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Duas garotas usando looks com calça de cintura baixa que deixa a barriga à mostra
Looks de 2022 com calça de cintura baixa Jerritt Clark/Tao Group Hospitality/Getty Images

É comum também que a camada mais jovem olhe para a época em que nasceram ou que eram crianças com esse olhar mais nostálgico, querendo recriar esse momento. A Geração Z, precursora disso, também tenta se diferenciar da geração anterior usando essas referências e se apropriando dela, ao contrário dos Millennials que ainda têm muito fresco na memórias o que foi os anos 2000 e não veem tanto sentido em recriá-los”, completa.

No entanto, embora na teoria a “nova cintura baixa” pareça mais inclusiva, na realidade não é o que vemos nas passarelas e nem mesmo no street style. Já é rara a presença de corpos gordos nos desfiles das grifes e, quando ocorre, normalmente estão cobertos, e não com a barriga em evidência.

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Bella Hadid usando calça de cintura baixa
Bella Hadid usando calça de cintura baixa Gotham/GC Images/Getty Images

A volta da calça de cintura baixa levanta discussões a respeito da exaltação da magreza extrema, uma vez que o padrão de beleza inacessível e gordofóbico impõe que, para usar um look que mostra a barriga, é preciso ser magra. O culto à magreza nunca esteve em baixa, mas especialistas alertam para a ascensão de roupas que evidenciam ainda mais o corpo magro e podem gerar insatisfação corporal e, por conseguinte, problemas de autoestima. A nutricionista Fernanda Imamura, por exemplo, traz essa reflexão à tona em suas redes sociais. “Esse cenário é um gatilho imenso para desenvolver um transtorno alimentar. Em um momento em que discutimos tanto sobre feminismo, diversidade corporal e liberdade, será que faz sentido esse retrocesso?”, indaga.

Hanne Lima enriquece esse argumento dizendo que, embora estejamos mais preparados para falar sobre pressões estéticas do que nos anos 2000, a cintura baixa realmente está mais associada ao corpo magro. “O movimento body positive, e ainda mais o movimento sobre neutralidade corporal que vimos acelerar recentemente, ganham muita força, e as discussões sobre padrões estéticos estão cada vez mais acessíveis e mais recorrentes nas redes sociais. Mesmo assim, vejo a cintura baixa ainda estar no mainstream associada ao corpo magro e a barriga chapada, principalmente nas principais referências desse retorno do movimento Y2K para a geração Z: Bella Haddid, Dua Lipa e Olivia Rodrigo.”

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E parece que o revival da cintura baixa não é tão passageiro quanto parece. “O auge dessa estética é esperado para o inverno 2023, em que vemos muitas referências da época nos desfiles e nas previsões de varejo mais comerciais, e elas continuam por pelo menos mais um ano, ainda com itens chave, como a calça flare de cintura baixa, no inverno 2024″, analisa Hanne Lima. 

Quem colaborou nesta matéria: Fernanda Binotti, professora do curso de moda do Centro Universitário FAAP; Hanne Lima, especialista em tendências na WGSN

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