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Ser lésbica garantiu a essas mulheres prisão, exílio e o pior do mundo

De uma família que deixou a Rússia após ameaças de morte a uma mulher presa por um crime que não cometeu: qual é ainda o preço pago por ser lésbica?

Por Isabella Otto 11 ago 2021, 14h57
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CAPRICHO/Divulgação

Recentemente, uma família russa precisou deixar o país de origem após participar de uma propaganda para uma rede de supermercados chamada VkusVill. O casal lésbico e suas duas filhas começaram a receber ameaças de morte e terem seus perfis pessoais divulgados em grupos criminosos, e precisaram buscar exílio em Barcelona, na Espanha. O motivo? O preconceito latente que faz da Rússia um dos países mais perigosos do mundo para ser homossexual.

Em 2013, foi aprovada na Rússia a “lei de propaganda gay”, que proíbe conteúdos que o país acredita que possam estimular pessoas a “virarem” membros da comunidade LGBTQIA+, provando total desconhecimento de questões envolvendo identidade de gênero e orientação sexual. O anúncio do supermercado trazia as duas mãe e suas filhas sentadas na cozinha, com o slogan “receitas para uma família feliz”.

Drag protesta contra as leis anti_gays russa, segurando uma plava vermelha com a foto de Putin. Ela usa uma peruca vermelha e um casaco bege
Protestante em manifestação em Londres contra a “lei de propaganda gay” da Rússia Dominic Lipinski/PA Images/Getty Images

Após perseguição nas redes sociais, a empresa, ao invés de sair em defesa da família e sustentar sua campanha, pediu desculpas públicas e disse que a propaganda foi um erro. Contudo, é complicado também julgar o mercado, uma vez que as leis russas são severas contra aqueles que pertencem e defendem a comunidade LGBRQIA+. Talvez essa nem fosse a opinião que a companhia gostaria de emitir, mas, uma vez estando na Rússia, não viu saída.

A filha mais nova da família disse ao El País que não há leis anti-discriminação na Rússia e, por isso, não há nenhuma proteção. “Não sabemos como vai ser o nosso futuro, mas sentimo-nos seguras em Barcelona. Aqui podemos ser nós mesmas e viver como uma família normal”, revelou a caçula.

A Rússia é logo ali

Ao pesquisar sobre a notícia em veículos de comunicação, fica evidente que, apesar de alguns países garantirem um pouco mais de segurança para os LGBTQIA+, com enormes ressalvas, as pessoas continuam fazendo questão de alimentar a LGBTfobia estrutural que existe no mundo. “Família?”, questionou um homem em matéria publicada pelo jornal português JN. “Ainda existem países sérios”, disse outro.

Print de comentários dizendo que famílias homossexuais não são normais
JN/Reprodução

Em postagem no Facebook feita pelo veículo brasileiro PlayGround BR, comentários do tipo “A Rússia tem seus defeitos, mas também tem cada qualidade” aparecem. Outros culpam o supermercado por querer “lacrar”, como se propagandas do tipo fossem feitas apenas em troca de lucro e militância, não como uma reparação história de séculos de injustiças, falta de representatividade e mortes.

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Há também aqueles que tentam justificar o caso colocando a culpa em cima das leis russas, que, segundo essas pessoas, precisam ser respeitadas, pois é algo cultural. Mas será que não é justamente tendo atitudes e opiniões como essas que compactuamos com um cenário em que um em cada três países do globo condenam a homossexualidade, sendo que em 70 países ser homossexual é crime com pena de morte? Só porque está na lei temos que aceitar? Não é preciso pressionar? Ainda mais aqueles que estão em países mais seguros? Não temos que fazer barulho por aqueles que são obrigados a ficar em silêncio se querem continuar vivos? Que tipo de vida é essa?

Rússia tem abrigo e campo de concentração para pessoas LGBTQIA+

A LGBTfobia na Rússia sempre foi latente e só piorou em 2013, com a aprovação da “lei de propaganda gay”. O nível de violência chegou a ficar tão elevado que, em 2016, foi aberto o primeiro abrigo para membros da comunidade LGBTQIA+ no país. O complexo tem segurança reforçada, fica em Moscou e consegue acolher até 14 pessoas por vez.

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A diretora do refúgio é a professora e ativista Olga Baranova, que participa do documentário Welcome to Chechnya, da HBO, que conta a saga de refugiados homossexuais dentro do próprio país, que vivem em campos de concentração para gays na Chechênia. “Esse filme mostra os níveis que a homofobia pode atingir. Querem destruir pessoas simplesmente porque elas não são de determinada orientação sexual ou identidade de gênero. Como isso pode acontecer num mundo moderno?“, questionou Olga ao site Meduza. Não é raro na Rússia (e em outras partes do globo) casos de pais que mandam matar os próprios filhos por estes não estarem dentro do padrão heteronormativo.

Mulher é presa sem provas; ser lésbica pesou na decisão da Justiça

Um documentário chamado Homicídio na Costa do Sol, disponível na Netflix conta a história do assassinato da jovem espanhola Rocío Wanninkhof, que ocorreu em 1999.

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Em determinado momento, o público descobre que a mãe da vítima tinha se relacionado com outra mulher, Dolores Vazquez, que foi presa sem provas, pois a Justiça ainda não tinha encontrado um culpado para o crime.

A mulher ficou 17 meses detida, sendo que considerável parte da pena foi cumprida na solitária. Vazquez conta que foi praticamente chutada para fora da prisão, sem nenhuma satisfação.

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Foto em preto e branco de uma mulher algemada sendo levada por polícias para o carro. Ela é Dolores Vazquez
Dolores Vazquez sendo presa por crime que não cometeu; julgamento foi extremamente LGBTfóbico Netflix/Reprodução

É evidente que a polícia usou de uma estratégia homofóbica para “achar” um culpado para o assassinato de Rocío, que foi reforçada pela Imprensa, que fazia sempre questão de deixar destacado que Dolores era lésbica e tinha uma personalidade “violenta” e “dominante”, relacionando tais características à orientação sexual dela.

Hoje, Dolores vive no Reino Unido e trabalha em uma companhia de transportes. Ela já disse em diversas ocasiões que ainda não recebeu nenhum pedido de desculpas. Até agora, mais de 20 anos após a prisão injusta, a indenização prometida a ela pelo ministro da Justiça espanhol não foi paga.

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