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Quem tem medo da masculinidade frágil dos homens do BBB19?

A verdade é que todo mundo deveria ter, mas parece que a galera sente-se mais ameaçada com 'a tal da militância'.

Por Isabella Otto Atualizado em 31 out 2024, 02h32 - Publicado em 12 fev 2019, 15h00

Se você acha que é difícil engolir certos comprimidos gigantes, que ficam sambando na garganta antes de desceram por ela ou serem cuspidos, definitivamente não está acompanhando o BBB19. Porque, olha, essa edição do reality show está causando mais engasgos que milho de pipoca! Tudo começou com a clara divisão da casa em dois grupos, já nos primeiros dias de competição. Um grupo é formado por negros, ativistas de causas sociais e simpatizantes, por assim dizer, e outro por pessoas que representam aquela parcela da sociedade brasileira que tem medo da militância e acha que tudo não passa de “mimimi”. Coincidentemente (ou não), o segundo grupo é o que mais faz comentários racistas e intolerantes no jogo.

Reprodução/Reprodução

Por estarem em uma casa vigiada 24h, mesmo que a edição do programa tente “passar o pano” em certos episódios, como acusam alguns internautas, as pessoas têm acesso ao que está rolando e as atitudes dos brothers dentro da casa repercutem aqui fora. No último final de semana, Rozana Santos, mãe do participante Maycon, postou um desabafo nas redes sociais que soa como uma chantagem emocional. A senhora diz que não aguenta mais ver o filho sendo julgado. “Eu tô pedindo encarecidamente(…) Ele não faz nada, ele é um menino humilde, ele é um menino bom, um ser humano. Vocês estão apedrejando meu filho(…) Por que vocês estão fazendo isso com ele?“, pergunta a mulher.

O menino em questão tem 27 anos de idade – por que as pessoas insistem em chamar homens feitos e vacinados de “meninos”? -, é barman, vendedor de queijo e já participou de um concurso de beleza em São Paulo, apesar de ser natural de Minas Gerais. O mineiro é um dos participantes que, ao lado de Paula von Sperling e Diego, mais protagoniza episódios racistas, preconceituosos e machistas no reality.

Assim como não dá para chamar de “menino” um homem de 27 anos, que tem plena consciência de seus atos, não dá para “passar pano” dizendo que “ele é humilde, um ser humano”, como se essas características justificassem todo e qualquer erro cometido. Errou, tem que aprender com os erros. Mas como ensinar alguém que não quer ser ensinado?

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Gustavo, à esquerda, que já foi eliminado, fez declarações bastante machistas no BBB e comentou elas no programa Mais Você: ‘quando saí da casa, vi que fiz dois comentários completamente INFELIZES, falando que as meninas estavam fáceis igual calota de carro. Sou muito BRINCALHÃO. Quando você está numa roda de homens é normal FALAR ALGUMAS BESTEIRAS’. Sério?! Reprodução/Reprodução

No reality, Maycon, que já participou de um concurso de beleza e não tem medo de xavecar mulheres e até mesmo incentivar a competição entre elas, traço que provavelmente foi herdado do comportamento dele fora da casa, já chorou por, segundo ele próprio, ter sido chamado de feio. Não foi exatamente o que aconteceu, mas Maycon, ao descobrir que Paula havia dito que ele “não fazia seu tipo”, não aceitou tal apunhalada, sentiu-se todo ofendido e distorceu as palavras da sister. “Sei que não foi maldade dela, mas realmente não me acho bonito. E tudo bem porque, entre ser bonito ou engraçado, prefiro ser engraçado”, disse entre uma lágrima e outra.

Diego parece se importar tanto com a aparência quanto seu colega de confinamento. Os internautas organizaram, por exemplo, uma lista com as características que Diego já disse não gostar em uma mulher:

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1. nada de mulheres que andam de calcinha pela casa;
2. que falam palavrão;
3. que penduram calcinhas no banheiro;
4. que usam muita maquiagem (ou maquiagem de menos);
5. que choram.

Diego tem uma lista bastante exigente, que deixa muitas mulheres de fora de seu ~harém~. Azar delas ou pura sorte? A masculinidade frágil de Diego e Maycon é uma das coisas mais preocupantes desta edição do BBB e caminha lado a lado com os comentários racistas de Paula. Mas hoje vamos focar na dupla de “machões” da casa. À primeira vista, algumas das declarações já dadas por Maycon e Diego, e algumas das atitudes tomadas pelos brothers, podem arrancar risos e parecer cômicas. Não são. A masculinidade frágil pode ser bastante vergonhosa e mostrar um traço vulnerável dos homens, mas ela pode ser extremamente tóxica para a sociedade, principalmente para as mulheres.

Não estamos aqui para rir da cara de ninguém nem desvalidar o sentimento alheio. Homens também sofrem com a pressão social colocada em cima deles. “Tem que ser machão”, “tem que pegar meninas”, “tem que ser garanhão”, “tem que ser o provedor”, “tem que sustentar a casa”, “tem que ser viril”. Na sociedade patriarcal em que vivemos, contudo, exigências como essas só reforçam o estereótipo da masculinidade x feminilidade. “Mulher não pode falar palavrão”, “mulher não pode ser vulgar”, “mulher tem que se dar ao respeito”, “mulher tem que ser feminina”. Percebe como todas essas pressões em cima das pessoas do sexo feminino estão implícitas nos comentários de Diego e são reforçadas por eles?

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Outro caso típico que denuncia a masculinidade frágil de certos @s do BBB19 aconteceu também com Diego, de 30 anos, que disse certa vez para a sister Tereza: “nunca lavei roupa na vida(…) Eu moro sozinho e tenho uma mulher que vai lá em casa uma vez por semana pra dar um talento”. Porque, afinal, tarefas domésticas são coisas femininas demais para serem feitas por um homem, “coisas de mulher”. Sem contar os episódios em que Maycon começou a dar em cima da Elana só porque se sentiu dispensado por Isabella, com quem estava ficando, e que disse que ouviu vozes falando de Jesus Cristo quando viu Rodrigo, que segue religiões de matrizes africanas, e Gabi, que é negra e ativista, mentalizando juntos de mãos dadas em uma festa ao som de Jorge Aragão. “Somos herança da memória, temos a cor da memória, temos a cor da noite”, diz trecho da música.

Um homem sente-se ameaçado e sente que sua masculinidade é colocada em cheque quando se depara com qualquer coisa que ele julga ser diferente e que o tira da sua zona de conforto e do lugar de “filhinho de mamãe”. Todos têm a perder com a masculinidade frágil, mas, por vivermos em uma sociedade patriarcal, as mulheres ainda são as mais afetadas. Quantas vítimas de feminicídio já não nasceram dessa forma? Quantos homens já não agrediram e abusaram para provarem uma masculinidade que lhes foram ensinada ao longo das décadas? A masculinidade frágil incentiva a cultura do estupro de diversas formas, reproduz uma série de machismos e mata. Todos os dias. Mas a militância… Ah, essa “coisa de esquerda” parece assustar bem mais!

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Não deveria. Se a masculinidade frágil respinga em todo mundo, o machismo também. Assim como o racismo, a homofobia, a intolerância. E quando um ativista vai lá e coloca o dedo na ferida, as pessoas que geralmente reproduzem comentários que aumentam essa ferida se sentem ameaçadas e incomodadas ao ponto de dizer que “militância é mimimi”, que é preciso parar com os “militantes de sofá”, que isso não passa de “militância barata”.

Em todos os âmbitos da vida há certo e errado, bom e ruim. Há frutos podres até mesmo na mais bela e fértil das árvores, mas não justifica desvalidar todo um movimento e toda uma causa por causa dessas “maçãs envenenadas”. Ao fazer isso, você dá mais moral para um “menino de 30 anos” que acha que mulher deve ser uma dona de casa maquiada ~na medida certa~ e para uma “menina bacharel em Direito” que defende o racismo inverso que para uma mulher negra, ativista, que luta diariamente contra o racismo e tenta desconstruir uma série de padrões intolerantes, preconceituosos e criminosos da sociedade, mas é tratada como radical, afrontosa, “mimizenta”.

Há valores que precisam ser revistos rapidamente, porque, talvez você não tenha reparado, mas já estamos em 2019 – apesar de parecer século XVI em diversos momentos.

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