Lorena Eltz: da descoberta de uma deficiência invisível à da sexualidade

"Nem sempre uma deficiência é visível ou de nascença, e a sexualidade ainda é muito negada para alguém PCD", conta a influenciadora, diagnosticada com Chron

Por Isabella Otto Atualizado em 30 out 2024, 23h09 - Publicado em 3 dez 2020, 13h01
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CAPRICHO/Sestini/Divulgação

Aos 20 anos e com mais de 360 mil seguidores nas redes sociais, Lorena Eltz criou a hashtag #felizcomcrohn com alguns propósitos, entre eles, dar visibilidade para uma deficiência invisível, a Doença de Crohn, uma inflamação intestinal crônica que afeta o revestimento do trato digestivo, causando dor abdominal, diarreia ou obstrução intestinal, crescimento lento, perda de peso e até anemia. Por ser uma doença sem cura e, em alguns casos, a pessoa precisar ser ostomizada, ou seja, passar por uma ostomia na parede abdominal e carregar consigo uma bolsa de colostomia, ela pode acabar desenvolvendo algum tipo de distúrbio mental, como a depressão. “Uma pessoa com Crohn precisa tratar sua mente com a mesma importância que trata seu intestino, porque a saúde mental afeta diretamente nossa saúde física. Foram vários os momentos em que eu estava nervosa ou estressada e isso me causava sintomas inflamatórios intestinais. Além disso, tem todo o tabu criado em volta de doenças intestinais que reforça a falta de diálogo, pois, depois que recebe o diagnóstico, muitas vezes a pessoa sente vergonha de contar para os amigos e a família o que tem. Daí cria-se uma doença invisível. Uma doença sem cura pode nos tornar pessoas muito solitárias, assim como eu me sentia na adolescência. Por isso, comecei a criar os conteúdos para que eu e mais pessoas encontrassem histórias parecidas na internet“, conta Lorena.

Lorena Eltz
Barbara Marcantonio/CAPRICHO

A jovem do Rio Grande do Sul recebe muitas perguntas sobre sua bolsa de colostomia e se preocupa com a quantidade de pacientes que, mesmo usando o item, mandam mensagem falando que não sabem como cuidar dele ou que não entendem direito o que têm. “A falta de informação ainda é gigantesca. Precisa-se criar uma conscientização não só dos problemas intestinais, mas de como eles podem afetar a vida de alguém. A sociedade ainda é muito capacitista e, quando ela encontra alguém que é PCD, tende a procurar sua deficiência na aparência para visualizar o que é. É importante lembrar que nem sempre uma deficiência é algo visível ou de nascença. Existem inúmeras pessoas com diversas deficiências que precisam de inclusão e não são vistas na sociedade“, explica Lorena, que é a diretora jovem do DII Brasil, um radar de notícias e informações feito por profissionais sobre Crohn e Retocolite.

É bastante comum que Eltz seja questionada quando usa um banheiro para pessoas com deficiência ou então receba olhares duvidosos de gente que acha que ela não precisa usufruir daquele direito. Mais uma vez, ela reforça a importância de se discutir todos os tipos de deficiência, inclusive os invisíveis. Até pouco tempo atrás, por exemplo, a Doença de Crohn era considerada rara, apesar de hoje ser classificada como comum no Brasil e afetar mais de 150 mil pessoas. “Acredito que algo que contribui para esse esquecimento é nosso hábito de não cuidar de nossa saúde e não dar atenção para exames e médicos de rotina. Às vezes, uma pessoa passa anos com a doença sem saber que tem porque não trata os sintomas como algo importante”, pontua a criadora de conteúdo, que é #felizcomcrohn, mas admite que conviver com uma doença sem cura é lutar diariamente contra tabus e estereótipos: “As crises ocorrem de uma hora para outra, e estar aberta para se adaptar àquela situação e mudar os planos é algo que muita gente não consegue. Apesar disso, não podemos deixar a doença comandar nossa vida. Por isso, é importante que tudo esteja alinhado”.

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Ser PCD também foi um fator que afetou diretamente o processo de descoberta da sexualidade de Lorena, que é uma mulher lésbica. Para ela, a maior explicação é que “a sexualidade ainda é muito negada para uma pessoa com deficiência e a doença crônica também acaba contribuindo com aquela sensação de solidão”. As mudanças físicas causadas pelo uso de remédios contínuos, que atrasaram o crescimento da jovem e já a deixaram bem inchada, também a fizeram lidar com preconceitos. “Isso sempre foi motivo para as pessoas me estranharem na rua e nos locais que tentei frequentar. Os preconceitos com minha sexualidade vêm de toda forma também, desde comentários de pessoas me induzindo a deixar de gostar de mulheres até discursos de ódio sobre meus antigos relacionamentos”, relata.

Lorena Eltz
Isabella Otto/CAPRICHO

Se criar conteúdo na internet e conhecer outros pacientes com Chron a ajudou a aliviar a solidão causada pela doença invisível, as mudanças capilares também tiveram grande papel nisso, principalmente o cabelo curto, uma das marcas registradas de Eltz, esteja ele loiro ou colorido. “Ele surgiu de um momento com minha doença crônica que, devido a tratamentos mais fortes, precisei raspar a cabeça. Depois disso, me senti mais livre, e finalmente me encontrei como mulher forte e segura!”, afirma. “São anos de tratamento médico intenso que me fizeram desde muito nova ter descobertas sobre a vida e responsabilidades diferentes das de outras meninas. Apesar disso, o que mais me empodera é minha própria luta diária”, celebra Lorena sua existência como mulher, lésbica, PCD e ostomizada.

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