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Incêndios no Pantanal não são naturais: “O governo está mentindo”

Em entrevista para a CAPRICHO, dois biólogos e uma adolescente retratam o real cenário das queimadas no Pantanal: "É horrível para respirar e enxergar"

Por Isabella Otto Atualizado em 30 out 2024, 23h15 - Publicado em 12 nov 2020, 13h21

Na última segunda-feira, 14, a fumaça das queimadas no Pantanal chegou a Curitiba, segundo dados da Somar Meteorologia, depois de invadir São Paulo e Rio de Janeiro. Não são apenas regiões próximas à savana mato grossense que sofrem as consequências da devastação em massa. As causas, contudo, não são naturais, como o governo insiste em dizer, inclusive das queimadas que ocorrem ao mesmo tempo na Amazônia e batem recordes. Apesar de recursos ilimitados estarem sendo destinados para controlar os incêndios em um dos patrimônios mundiais da Unesco no Brasil, conforme garantiu Jair Bolsonaro, a paralisação da agenda do Ministério do Meio Ambiente e a ironia que o presidente da República e sua equipe demonstraram para com a situação do Pantanal, ao debatê-la em uma reunião ministerial com a presença da YouTuber mirim Esther Castilho na última semana, retrata o pouco caso com a natureza – e, consequentemente, com os seres humanos.

“Historicamente, o fogo faz parte da cultura do Pantanal. Os produtores usam o fogo para manejo das áreas de pastagem ou para retirar madeira, mel… Há uma condição que ocorre chamada combustão espontânea, mas isso representa muito pouco dos incêndios. A maioria é decorrente de focos pequenos por ação humana que saíram do controle“, esclarece a bióloga Dra. Letícia Larcher, Coordenadora Técnica do Instituto Homem Pantaneiro. A especialista explica ainda que a condição do solo, repleto de matéria orgânica, ajuda o fogo a se alastrar mais rapidamente, assim como temporada de seca: “Ela deveria ser em agosto, mas começamos a combater fogo já em março. A chuva que deveria chegar em outubro não deve vir tão cedo. Se não houvesse ação humana, seria muito mais fácil lidar com o fogo“.

 

Daniel Dainezi, biólogo com mestrado em Ecologia e Conservação que trabalha como técnico de laboratório no campus Pantanal da UFMS, salienta que, embora o fogo faça parte da dinâmica do Pantanal, o que está acontecendo hoje não é natural. “O governo está mentindo, tentando esconder a real situação e a culpa que tem. Os incêndios são quase criminosos, colocados por fazendeiros para limpeza e renovação do pasto. Ainda estamos no início do pior período de incêndios florestais do Pantanal e já temos absurdos 13% de bioma queimados. Estamos perdendo vegetação e árvores que são usadas como sítios reprodutivos de aves, por exemplo. Isso vai impactar todo ciclo reprodutivo das comunidades que utilizam esses locais por vários anos”, lamenta.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais apontam que os primeiros sete meses de 2020 foram os que registraram mais queimadas em comparação ao mesmo período desde o fim dos anos 90, quando o Inpe desenvolveu a plataforma que se tornou referência para monitorar focos de calor no Brasil, como explica a bióloga Letícia. Para piorar, o volume de chuvas na Bacia Pantaneira medido durante o período chuvoso, que vai de outubro a março, foi 40% menor que a média de anos anteriores, de acordo com levantamento do Embrapa. Se ações humanas são responsáveis pelos focos de incêndios que saem do controle, elas também são responsáveis pelas mudanças climáticas que agravam tais situações que, como consequência, alteram a temperatura da Terra, interferindo nas estações do ano, antes tão bem delimitadas, e nos períodos de chuva e seca.

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O mês de julho de 2020 foi o mês com maior número focos de queimadas no Pantanal, porém a tendência é que chamas continuem aumento durante os meses de agosto e setembro, em uma tragédia sem precedentes. O Instituto Homem Pantaneiro está atuando fortemente no combate ao fogo, muito já foi feito, porém o muito ainda é pouco diante do tamanho do problema. Mais equipamentos, brigadistas e apoio logísticos são necessários. Convidamos todos a fazer desta luta, toda ajuda faz a diferença! Banco do Brasil AG. 0014-0 C/C 50820-9 CNPJ 16.575.853/0001-91 FONTE: INPE FOTOS: @andrezumak #IHP #sustentabilidade #incêndio #pantanal #conexãojaguar #Onçaspintadas #conexõesqueinspiram #serradoamolar #meioambiente #isacteep

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“O fogo afeta flora e fauna em ecossistemas do planeta. Os efeitos dele variam de acordo com o grupo, e para a maioria das espécies ainda não se conhece realmente qual a influência de eventos de fogo. Efeitos diretos como a mortalidade de animais em incêndios são habituais, assim como a fumaça, ao ser inalada pelos animais, também pode causar mortes. Dentre as espécies da fauna consideradas ameaçadas de extinção que ocorrem no Pantanal, o Tamanduá-bandeira é o mais suscetível ao fogo, devido a sua lenta locomoção e densa pelagem. Os primatas também são muito impactados em condições de incêndios florestais, pois as áreas queimadas podem representar uma barreira para a dispersão dessas espécies”, aponta a Dra. Letícia Larcher a visão técnica. A bióloga também alerta para os danos causados aos seres humanos, como problemas respiratórios, o aumento da sensação térmica e o efeito da neblina que cobre as cidades. “Neste ano, como os incêndios estão em proporções fora de escala, é possível sentir seus efeitos em outras regiões do Brasil. Por exemplo, a chuva ácida e escura que caiu no Sul do Brasil no último final de semana, trazendo da atmosfera as partículas que subiram com as queimadas no Pantanal. Para os moradores de áreas remotas do Pantanal é ainda mais perigoso. Algumas comunidades ribeirinhas tiveram que deixar suas casa pela proximidade do fogo. Estruturas como escolas rurais e centros de convivência também foram ameaçadas“, conta.

As perspectivas nada animadoras são sentidas na pele pelo biólogo Daniel Dainezi, que mora em Corumbá, porta de entrada para o Pantanal: “Você sai de casa e o ar cheira queimado. Tem fuligem no ar o tempo todo. Às vezes, parece que estamos vivendo num filme de terror, com neblina e névoa encobrindo tudo, mas tudo isso num calor e secura enormes”. A estudante Carolina Tonelli, de 16 anos, que vive em Cuiabá, também relata como é viver diariamente com as consequência dos incêndios na região pantaneira. “Cuiabá sempre teve um céu lindíssimo, limpinho, mas agora com as queimadas acorda tudo nublado. Parece até que a gente acorda com a casa pegando fogo por causa do cheiro de fumaça. É horrível para respirar e enxergar. Meses de seca são sempre ruins por aqui, mas, este ano, está insuportável. É uma situação bem triste, não só para quem mora aqui, mas para todos os brasileiros”, lamenta.

Equipes de voluntários resgatando animais dos focos de incêndios no Pantanal, em agosto Gustavo Basso/NurPhoto/Getty Images
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A adolescente se entristece ainda mais quando entra nas redes sociais e vê pessoas minimizando as queimadas no Pantanal ou dizendo que elas são totalmente naturais. “Teve uma hashtag que subiram no Twitter falando que esses incêndios são mentiras. Povos indígenas estão tendo suas terras dizimadas por causa do fogo, a fauna e flora estão sendo afetadas, nós estamos sendo afetados. Ver gente falando que tudo isso é mentira é revoltante. Só queria que dessem a devida atenção para os incêndios que estão ocorrendo por aqui, porque eles podem trazer danos irreversíveis“, diz a jovem, que ajuda como pode, principalmente usando sua voz.

Na última terça-feira, 14, o indígena Neimar Kiga, que já foi entrevistado pela CAPRICHO anteriormente, usou o Instagram para pedir ajuda para combater o fogo que chegou no Posto Indígena Gomes Carneiro. “Os bororo idosos estão sendo removidos(…) Já são oito dias de fogo e continua sem controle, embora grupos estejam trabalhando para a contenção dele(…) A situação é emergencial”, foi informado na publicação. O jovem vive na aldeia Meruri, no Mato Grosso, e pertence ao povo Boe Bororo. Assim como na Amazônia, nas proximidades do Pantanal mato grossense comunidades indígenas sofrem com os incêndios descontrolados provenientes de ações humanas, principalmente por representantes do agronegócio, e com a falta de apoio governamental, especialmente no combate também ao coronavírus.

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EMERGÊNCIA! O FOGO CONTINUA NO POSTO INDÍGENA GOMES CARNEIRO. OS Bororo IDOSOS ESTÃO SENDO REMOVIDOS PARA RONDONÓPOLIS. Já são 8 dias e o fogo continua sem controle, embora grupos de bombeiros e outros estejam trabalhando na região. A Funai, a pedido da Saúde índígena, articulou junto à Rota do Oeste o transporte dos idosos e Um ônibus já está a caminho. Os idosos chegarão esta madrugada, por volta das 2 horas da manhã e, serão alojados na Chácara da CASAI Rondonópolis; localizada a Rua 3 s/n. Lote 21 quadra 07 – Chacaras Paraiso (na rua do Clube dos Bancários) bairro Jardim Atlântico. CEP 78735_480. Fone: 3422 7700 A situação é emergencial e precisam inicialmente de colchões e lençóis. Quem tiver doações (devidamente higienizadas para evitar contágios), por favor entre em contato com a Enfermeira, sra. Suleide (65) 99919-0390 e Dora Koge (66) 99930-1774 GRATIDÃO. Profa. Jocenaide

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O Pantanal precisa de ajuda, principalmente de doações para arcar custos com transporte, alimentação e hospedagem dos brigadistas que atuam no combate aos incêndios. Na última terça-feira, 15, a campanha Brigada Alto Pantanal foi lançada a fim de conseguir recursos para renovar equipamentos e mantê-los em dia para os voluntários. “Nossa próxima meta é estruturar uma brigada que deve ficar permanente na Serra do Amolar, visto que as previsões de chuva são menores do que o esperado pela média histórica. Quando temos os equipamentos já em campo e pessoal treinado, conseguimos agir rapidamente e o fogo não se alastra”, conta a Coordenadora Técnica do Instituto Homem Pantaneiro, que explica direitinho o trabalho que tem sido feito no Pantanal para conter o fogo: “Primeiro, fazemos um monitoramento por dados de satélites e identificamos áreas com focos de calor. Aí então direcionamos as equipes de campo para fazer o combate, atuando localmente quando o fogo acontece. Além do combate em campo, realizamos treinamentos para que novos brigadistas estejam disponíveis e capacitados. Normalmente, os incêndios acontecem em áreas remotas, então ter os equipamentos corretos, que fazem longo alcance, é fundamental para trabalharmos no combate rápido. Ainda como a maioria das áreas não tem acesso por terra, é um desafio ter barcos e combustível para transportar as equipes. Em julho e agosto, quando ficamos 23 dias em campo combatendo o fogo, tivemos apoio dos aviões do Corpo de Bombeiros do Mato Grosso e helicóptero do Ibama. Foi fundamental para levar os brigadistas e combater o fogo em áreas remotas”, pontua.

Entretanto, na última segunda-feira, 14, Jair Bolsonaro aprovou o corte de orçamento destinado a órgãos ambientais em 2021, entre eles, o próprio Ibama, tão importante na fiscalização e preservação do meio ambiente. A redução de 4% já aprovada pelo Congresso e ambientalistas alertam para os perigosos dessa decisão, que, segundo eles, é mais uma das técnicas usadas pelo governo para paralisar a agendar ambiental brasileira. “É uma tragédia! Mas o tamanho do impacto disso ainda não sei mesurar”, lamenta o biólogo Daniel Dainezi, já que estamos registrando números de devastação e desmatamento nunca antes registrados na história do Brasil. 

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