“Eu tenho dois pais e eles são tudo para mim!”
Karol Lannes: "Não entendo como existem pessoas que pensam que um casal homossexual tem menos aptidão de educar uma criança que um casal hétero"
Todo mundo acha que eu sou carioca por conta das gravações das novelas, que aconteciam no Rio de Janeiro, mas, na verdade, eu nasci em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul, chamada Sapucaia do Sul, que tem mais ou menos 138 mil habitantes. Boa parte da minha infância morei nesse lugar com minha mãe e minhas irmãs. Era uma uma casinha laranja, perto de uma loja de materiais para construção. São memórias distantes nos dias de hoje, mas tenho certeza que foram felizes os tempos passados lá.
Em dezembro de 2004, minha mãe teve um AVC. Eu tinha cinco anos, estava sozinha em casa com ela e pedi a ajuda que pude. No dia seguinte, ela faleceu. Minhas irmãs já eram maiores de idade, uma já estava casada e a outra ficou com o pai biológico dela. Meu pai biológico não faz nem nunca fez parte da minha vida. Eu tinha alguns familiares, é verdade, mas cada um já tinha sua vida e uma criança não se encaixava nelas.
É justamente aí que surge um dos dois homens mais importantes da minha vida: Fabio Lopes, 41 anos (mas corpinho de 25), geminiano dramático, dançarino de axé nas horas vagas, o cara que me ensinou a comer rúcula com manga e mostarda dijon, que sempre me deu os melhores conselhos, com a seriedade e carinho necessários. Meu pai. Por ser gay, ele sempre soube que adotaria uma criança, e aí veio essa praguinha que sou eu. Ele não conseguiu resistir! (risos)
Ele me levou para São Paulo e, pouco tempo depois, conheceu o outro homem da minha vida: João Paulo Junqueira Magalhães Afonso ~DE ORLEANS E BRAGANÇA~ (mentira, eu tiro sarro porque é muito sobrenome pra uma só pessoa! Hahaha). 35 anos (mas carinha de bebê Johnson), me ensinou o gosto pela leitura desde cedo, também me viciou em jogos de RPG e no Xbox, um leonino bem leonino, entre tapas e muitos beijos. Foi assim que nos encontramos.
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Foi com essas duas figuras que eu passei os últimos quatorze anos da minha vida. Muitos me perguntam sobre a minha criação: “nossa, você tem dois pais!” Sempre respondo que ela não foi igual a de outras famílias, porque simplesmente isso não existe. Cada família fornece uma criação única para seus filhos, baseada nos valores que ela defende. Só não entendo como existem pessoas que pensam que um casal homossexual tem menos aptidão de educar uma criança que um casal hétero. Desde quando a sexualidade de alguém muda o carácter e os valores que a mesma defende? A sociedade precisa parar de segregar as coisas. “Ai, só mulher pode isso”, “só homem pode aquilo”, “ela é gorda demais para ser atriz”, “não é a mesma coisa sem uma figura materna” e blábláblá. Precisamos entender que nossas únicas limitações são aquelas que nós mesmos nos colocamos, por medo, na maioria das vezes.
Minha vida com dois pais teve altos e baixos, assim como a vida de alguém com duas mães, um pai e uma mãe, só uma mãe, só um pai, avós, tios, etc. Eu ouvi a vida toda frases do tipo: “já passou o fio dental?”, “já fez a lição de casa?”, “põe o casaco, vai passar frio!” – e, como a maioria de nós, eu não levei o casaco e passei frio quietinha para não levar um xingão. (risos nervosos)
Depois do ensino médio, acabei me mudando para Campo Grande, no Mato Grosso do Sul. Atualmente, estou na faculdade, no segundo semestre de Artes Cênicas. No início, a separação com meus pais foi bem difícil. Eu sou muito apegada àqueles homens! Com o tempo, parei de chorar sozinha no quarto ouvindo “hello, It’s me” enquanto escorregava pela parede (um draminha, porque sou bem taurina mesmo) e passei a me ocupar: ganhei uma bolsa de pesquisa científica na faculdade, estou tocando como DJ em algumas festas… Enfim, estou me virando até que bem.
Eu escolhi essa graduação porque sei o quanto a carreira de ator é instável e o quanto amo trabalhar com arte. Nesse sentido e em tantos outros, sempre contei com o apoio dos meus papais. Por que não estou mais na TV? Bem, quem me segue nas redes sociais sabe o quanto eu milito pela comunidade LGBTQ+ (#somostodospocs), o quanto falo sobre aceitação e o quanto me sinto bem “fora dos padrões”. Infelizmente, a indústria que escolhi para trabalhar ainda venera muito esse corpo padronizado, mas eu tive uma base familiar muito forte, que me fez uma mulher empoderada e ciente de que minha arte vai ser vista e ouvida independente de quantos quilos eu peso.
Eu tenho dois pais. Dois pais que sabem me ensinar valores, falam sobre moral e princípios. Eles são tudo para mim! Obrigada, Fabio e João, pelos choros e risadas, e um Feliz Dia dos Pais para vocês!
Beijos,
@karollannes_
(PS: pelo amor de Deus, você que está lendo isso, não compre cintos nem gravatas de presente! Meus pais têm um armário só disso e eu não aguento mais! Hahaha)