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Endometriose: o que é, sintomas, causas e como tratar

Entenda o que é a doença inflamatória crônica que acomete a cantora Anitta e cerca de 10% da população feminina brasileira, segundo a Anvisa

Por Isabella Otto Atualizado em 18 jul 2022, 08h37 - Publicado em 16 jul 2022, 10h01
Jovem sentada em uma banheira branca coloca as duas mãos sobre a barriga, como se ela estivesse sentindo cólicas. Ela veste um pijama quadriculado rosa e branco.
Peter Dazeley/Getty Images

Mais uma vez, Anitta atestou seu poder de influência ao dar voz à uma pauta importantíssima, que logo viralizou e foi parar nos principais veículos de comunicação.

A cantora contou no Twitter que havia sido diagnosticada tardiamente com endometriose, após muitos anos de sofrimento físico e psicológico. “Uma vez falei num podcast ou em alguma entrevista que eu sofria de uma cistite de lua de mel terrível(…) Acreditem: a dor é tão ruim que você quer fazer de tudo para que passe. Então, obviamente, nesses meus nove anos de luta, eu passei por gente me dizendo as mesmas coisas… e nada de resolver(…) Pois bem, galera. Fui ficar com meu pai no hospital aquela vez. Comentei com minha querida amiga-anja-doutora, que comanda tudo lá, que eu estava em tempo de morrer de dor(…) A doutora – enviada pelo meu anjo da guarda, só pode – fez na mesma hora uma ressonância em mim e estava lá: endometriose“, relatou.

O importante desafabo gerou muita discussão, com pessoas compartilhando vivências e outras opinando sobre a doença. Para que informações desencontradas não dificultem ainda mais o diagnóstico, conversamos com quatro especialistas no assunto para tirar as principais dúvidas sobre a doença: a Dra. Fernanda Vianna é ginecologista e obstetra, especializada em videoendoscopia ginecológica; a Dra. Mara Mendes é ginecologista e médica acupunturista do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura; a Dra. Paula Fettback é especialista em infertilidade com ênfase em alta complexidade e trabalha com reprodução assistida desde 2006; e a Dra. Bel Saide é médica ginecologista especialista em ginecologia natural..

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1. O que é a endometriose?

É uma doença inflamatória crônica provocada pelo refluxo do sangue menstrual com migração de tecido endometrial para outras partes do corpo, principalmente para os ovários, as trompas, a bexiga e o intestino.

Esse tecido, chamado endométrio, é parte fundamental do sistema reprodutor feminino. “Todo mês essa camada interna sofre mudanças através dos hormônios do nosso ciclo menstrual. Inicialmente, essa camada cresce, preparando nosso útero para uma possível gestação. Quando não engravidamos, ela descama junto com a menstruação. O normal é termos essa camada apenas dentro do útero, mas em até 15% das mulheres em idade reprodutiva também podemos ter esse tecido fora do útero, tendo assim o diagnóstico de endometriose“, esclarece a Dra. Fernanda.

2. Quais são os principais sintomas?

Cólicas menstruais intensas, e dores abdominais e pélvicas fora do período menstrual são alguns dos sintomas mais frequentes e aqueles que fazem justamente a pessoa procurar ajuda médica.

A Dra. Paula também lista outras manifestações que merecem atenção: “Alterações intestinais, como diarreia e/ou dor para evacuar durante a menstruação; dor para urinar durante o ciclo menstrual e/ou infecções urinárias de repetição; e dores durante a relação sexual. Ainda podem ocorrer sangramentos intensos e irregulares durante o período menstrual, fadiga, cansaço e até mesmo infertilidade ou dificuldade para engravidar”, aponta.

Ilustração de um útero com e sem endometriose
À esquerda, partes do endométrio que migraram para outras partes do corpo, como para a trompa e o ovário Ok Sotnykova/Getty Images

3. Quais são as causas?

As possibilidades são muitas, mas a Ciência ainda não descobriu uma resposta exata para essa pergunta.

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A endometriose pode estar relacionada à menstruação retrógrada, que é quando o sangue não é totalmente eliminado durante o período menstrual e acaba migrando para outros órgãos pélvicos.

Mas a doença também pode ter relação com fatores genéticos e imunológicos. Histórico familiar, má formação uterina, e menstruação prolongada e de fluxo intenso são alguns fatores de risco.

A Dra. Bel aproveita para dizer que a endometriose tem um fator inflamatório muito forte. Por isso, a alimentação é muito importante, assim como identificar os pontos de estresse e os traumas. “A gente considera que todo um contexto levou aquela pessoa a desenvolver aquela doença, que ela possivelmente já tinha uma pré-disposição também. A ginecologia natural é uma medicina integrativa que olha o ser de uma maneira mais integral. A gente compreende muito a relação do corpo como um campo de mensagens, então a endometriose tem uma história. Tem um olhar pra ancestralidade e tudo está relacionado”, explica a especialista, que conta que costuma encaminhar suas pacientes para uma nutricionista: “O reequilíbrio pode ser buscado e encontrado. É preciso desinflamar esse corpo, por isso a questão alimentar é de extrema importância. É muito profundo quando uma pessoa se porpõe a fazer uma mudança alimentar”.

4. Por que as cólicas são tão intensas?

A Dra. Mara explica que as fortes cólicas menstruais resultam de uma reação inflamatória desencadeada pelos focos de endometriose – e qualquer dor intensa durante o período menstrual precisa ser investigada.

“Nos primeiros anos após a primeira menstruação, nosso corpo ainda está aprendendo e se adaptando aos ciclos menstruais, sendo mais comum termos um fluxo menstrual intenso e cólicas. Também sabemos que cada corpo funciona de um jeito. Logo, algumas mulheres poderão ter mais cólicas que outras e não haver endometriose”, relata a Dra. Fernanda.

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Então, quando desconfiamos da doença?

  • ao sentir cólicas menstruais intensas, que atrapalham seu dia a dia, impedindo que você vá à escola ou ao trabalho;
  • quando há a necessidade de usar muitas medicações para sentir alívio;
  • quando há dor associada à vômitos e fraqueza;
  • quando há dor constante e que piora com o passar do tempo.

5. A endometriose tem cura?

As ginecologistas explicam que a medicina não fala em cura, mas em controle da doença, uma vez que não existe nenhum medicamento capaz de destruir a lesão. “Uma opção é remover todos os focos da doença através de cirurgia, porém, ao longo dos anos, novas lesões podem surgir e a doença retornar”, alerta a Dra. Fernanda.

A Dra. Bel garante que a ginecologia natural não é contra a cirurgia, mas explica que muitas indicações vêm sem necessidade e sem que antes se olhe a causa da questão. “E se você não olha para a causa, ela volta. Ou seja, o problema é resolvido temporariamente”, clarifica o porquê de alguns casos de endometriose voltarem mesmo após a operação.

Na maioria dos casos envolvendo intervenção cirúrgica, ela é feita por via laparoscópica ou robótica, e indicada apenas em casos em que a paciente não está respondendo ao tratamento clínico e/ou quando a doença está avançada, fazendo com que a paciente tenha dificuldade para engravidar, por exemplo.

Para se ter uma ideia, a endometriose é a principal causa de infertilidade feminina: de 30% a 40% das mulheres inférteis são diagnosticadas com a doença. Mas nem todas as pacientes com endometriose são ou podem vir a se tornar inférteis, ok? “A doença pode causar infertilidade porque as células do endométrio causam um processo inflamatório crônico na pelve. Com isso, há uma alteração na anatomia e funcionamento do aparelho reprodutor feminino, o que pode causar até mesmo obstrução das tubas uterinas e deslocamento do útero, fazendo com que o espermatozoide não chegue ao destino correto”, exemplifica a Dra. Paula.

6. Quais são os tratamentos?

Analgésicos e contraceptivos orais [visando a suspensão da menstruação] podem ser indicados para bloquear o crescimento do endométrio dentro e fora do útero, controlando assim a doença. Uma dieta anti-inflamatória também pode contribuir com o alívio dos sintomas, assim como a prática regular de atividades físicas. Em casos mais extremos, a cirurgia para retirada das lesões fora do útero é indicada.

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A Dra. Bel ainda pontua que as plantas podem entrar como grandes aliadas, mas se posiciona contra o bloqueio hormonal: “Não existe uma comprovação científica de que ele seja benéfico para as mulheres. Ele pode fazer com que a mulher fique sem dor, mas não significa que o problema está sendo tratado. Ele está sendo silenciado, porém a causa ainda está lá“.

A especialista ainda explica que a ginecologia natural enxerga a menstruação como algo muito necessário na vida da mulher: “Muitas delas têm questões envolvendo sofrimento durante o ciclo, como dores e incômodos, e isso deve ser tratado com muita responsabilidade. Mas deve ser tratado com o objetivo de que a mulher recupere o equilíbrio e atinja uma menstruação sem dor e saudável. Não existe exceção. Assim como todos os seres precisam respirar, fazer suas necessidades fisiológicas, comer e dormir, as mulheres precisam menstruar. Ao meu ver, essa supressão dos ciclos menstruais de forma tão compulsória e em massa é uma violência“, opina.

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Uma publicação compartilhada por Bel Saide Ginecologista Natural (@ginecologianatural)

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Apesar disso, é interessante saber que existe uma nova medicação tida como promissora sendo desenvolvida pela farmacêutica Forendo, que consiste em um inibidor da enzima 17beta-hidroxisteróide. “Esta enzima normalmente trabalha aumentando o nível de estrogênio, um hormônio que estimula o crescimento do endométrio. Logo, esta nova medicação age inibindo a 17beta-hidroxisteróide e, consequentemente, bloqueando o crescimento do endométrio, mas de forma direcionada para a área doente. Temos uma grande expectativa de controlar a doença com essa nova opção e, quem sabe, diminuir a necessidade de cirurgias”, conta a Dra. Fernanda.

Cabe a você analisar sua relação com seu corpo, seu ciclo menstrual e suas crenças para entender qual vertente ginecológica gostaria de conhecer mais a fundo e seguir. O importante é sempre fazer acompanhamento médico e nunca se automedicar.

+ Porque votar em 2022, se para mim não é obrigatório? A gente te explica no CH na Eleição.

7. Toda mulher pode ter endometriose?

O diagnóstico tende a ser mais frequente em mulheres entre 20 e 30 anos, mas qualquer pessoa que tenha um aparelho reprodutor feminino pode ser acometida pela doença – inclusive, na adolescência.

“O problema é que a maioria das adolescentes pensa que as dores abdominais são simplesmente cólicas. Isso dificulta um pouco o diagnostico”, alerta a Dra. Paula. Por isso, o acompanhamento ginecológico desde a menarca e os exames de rotina são essenciais.

“Para avaliar se está tudo normal, geralmente é solicitada a ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal para as pacientes que já tiveram relações sexuais. Já as que não tiveram relações, o mais indicado é a ressonância magnética. Analisadas por profissionais experientes e especialistas em imagem para endometriose, o diagnóstico é muito preciso”, garante a médica.

8. Por que o diagnóstico pode ser tão complicado?

A Dra. Fernanda conta que alguns diagnósticos podem ser feitos com até oito anos de atraso, e tudo porque a dor ainda é uma queixa normalizada na nossa sociedade, sendo pouco valorizada por amigos, familiares e até mesmo profissionais da área da saúde.

“Quem nunca ouviu a frase: ‘Ah, mas ter cólica é normal’? Com isso, a própria mulher posterga sua consulta de rotina com o ginecologista e também evita dar importância a sua própria dor”, alerta a especialista, que completa dizendo: “Ter dor não é normal! Se sua cólica menstrual é intensa e limita suas atividades diárias, ou se existe dor durante a relação sexual, procure um especialista. Além disso, caso você esteja tendo dificuldade para engravidar, fique atenta, pois mesmo não sentindo dor, podemos ter um quadro de endometriose”.

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