É o fim do orgulho nacional? Entenda o que está acontecendo com a Amazônia
Desmatamento, mineração, rixas governamentais, manipulação: o "pulmão do mundo" está mesmo morrendo?
Na última segunda-feira, 19, o dia virou noite em muitas regiões do Brasil. Cidades como São Paulo e Curitiba ficaram encobertas por uma nuvem cinzenta que escureceu o céu. Além de ser resultado de um encontro de correntes de ar frio, ela foi resultado de uma série de queimadas que está acontecendo na Amazônia desde a última semana. A fumaça está descendo pela América do Sul e atingiu inclusive países vizinhos, como Argentina e Bolívia.
Entre agosto e setembro, queimadas costumam ocorrer na floresta, decorrentes do período de secas. Então, por que as pessoas estão tão assustadas e falando sobre “o fim da Amazônia” nas redes sociais? Uma série de fatores anda contribuindo para isso, que listamos abaixo.
1. Desmatamento da Floresta Amazônica cresceu no último ano
De acordo com o mapeamento por satélite que o Sistema de Alerta de Desmatamento fez, o desmatamento da Amazônia foi 66% maior em julho deste ano com relação a julho de 2018. Um estudo realizado pela Universidade de Oklahoma e publicado na revista científica Nature Sustainability acredita, porém, que o número seja ainda maior. Baseados em dados de satélite, mapeamento de áreas e fenômenos naturais estimulados pela interferência humana, como as queimadas que se tornam mais intensas por causa do desmatamento, na maioria das vezes, consequência da pecuária, 20 mil quilômetros quadrados de floresta foram perdidas entre 2000 e 2017. Isso equivale a quase quatro Brasílias. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais também alertam que as queimadas no Brasil aumentaram 82% em comparação ao período de janeiro e agosto de 2018.
2. Brasil perdeu apoio do Fundo Amazônia
“O Fundo Amazônia tem por finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Também apoia o desenvolvimento de sistemas de monitoramento e controle do desmatamento no restante do Brasil e em outros países tropicais”, informa o site oficial do projeto governamental. Noruega e Alemanha eram dois dos principais países estrangeiros que acreditavam no Fundo e na importância da Amazônia, e por isso contribuíam para a sua preservação. Na última semana, contudo, ambos cancelaram o repasse de quase R$ 300 milhões anuais. Os países alegaram estar preocupados com o aumento desenfreado do desmatamento na floresta. Afinal, para onde está indo todo o dinheiro que mandam? Ele está servindo para alguma coisa? Para que está sendo usado?
Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, concedeu uma entrevista BBC News Brasil e explicou que esses repasses estrangeiros são importantes, mas que não chegam nem perto do necessário para administrar a floresta: “A Amazônia tem cinco milhões de quilômetros quadrados(…) os recursos têm que ser proporcionais ao tamanho da Amazônia(…) nós estamos falando de mais de 50 bilhões de dólares por ano”, disse.
Já que falta dinheiro, mesmo com todos esses repasses, a lógica seria preservar as alianças internacionais para continuar obtendo o mínimo fundo necessário para a administração do nosso bem mais preciso. Não é o que está acontecendo. O Governo falou que não se pronunciaria oficialmente sobre o fim da parceria entre Noruega, Alemanha e Brasil. Recentemente, porém, Jair Bolsonaro deu uma declaração que soou como pouco caso por muitos, inclusive por antigos aliados políticos: “Eu queria até mandar recado para a senhora querida [chanceler federal da Alemanha] Angela Merkel, que suspendeu 80 milhões de dólares para a Amazônia. Pegue essa grana e refloreste a Alemanha, tá ok? Lá tá precisando muito mais do que aqui”, declarou.
3. O Governo está em falta com as políticas ambientais
Desde o início do mandato de Bolsonaro, os ambientalistas vêm se mostrando preocupados com a natureza brasileira. A princípio, veio a polêmica de acabar com o Ministério do Meio Ambiente. Depois de voltar atrás, o presidente elegeu Ricardo Salles para o ministério. Ele é advogado, foi Secretário do Meio Ambiente se São Paulo no governo de Geraldo Alckimin, fundou o Movimento Endireita Brasil, em prol da privatização e da redução da burocracia nos trâmites políticos, atuou como diretor jurídico da Sociedade Rural Brasileira e disse que o Ibama tem mais carácter ideológico que jurídico.
“Somos contra todo e qualquer desmatamento ilegal(…) O ministério tem procurado fazer as coisas de maneira equilibrada(…) Tem que cumprir essa legislação ambiental”, disse Salles também em entrevista para a BBC News Brasil. Quando questionado pelo jornalista sobre as pesquisas científicas que foram publicadas recentemente sobre o desmatamento na Amazônia, citadas aqui anteriormente, o ministro disse que não dá para levá-las a sério: “Não há verdade absoluta”.
Ricardo Salles ainda deixou claro que acredita que as ONGs ambientais que existem no Brasil usam os índios para tirar proveito próprio e manipular. Neste semana, Bolsonaro ainda disse que não demarcará terras indígenas porque isso é ser “xiita na questão ambiental”. Para ele, “o meio ambiente pode e vai casar com o desenvolvimento”. Seu ministro também garantiu em entrevista à BBC que apenas “soluções capitalistas” podem e devem salvar a Amazônia. Se não for possível lucrar com ela, para o Governo, não faz sentido que ela exista. A floresta pela floresta em si, no mundo capitalista em que vivemos, não serve para nada.
4. Mineração na Amazônia em larga escala deve ser retomada
O Pará é o maior estado pecuarista do Brasil, sendo responsável por 80% da produção nacional. O Pará faz parte da Amazônia Legal, área composta por nove estados pertencentes à bacia e às regiões de vegetação amazônica responsáveis por administrar a floresta – e que lamentaram profundamente o corte de repasses de dinheiro da Noruega e Alemanha.
Desde 2011, a pecuária é a maior causa do desmatamento da Amazônia, segundo dados do Inpe. As iniciativas privadas de mineração, no entanto, também preocupam os ambientalistas desde 2017.
A RENCA (Reserva Nacional do Cobre e Associados) foi criada em 1984 e corresponde a uma área de 46.450 quilômetros quadrados bloqueada para investidores privados para a exploração da floresta. Em 2017, o então presidente Michel Temer extinguiu a reserva, após pressão popular, já que a RENCA acabou virando uma espécie de área de preservação, ajudando a proteger a Calha Norte do Rio Amazonas.
Em abril deste ano, Jair Bolsonaro voltou a falar sobre a reserva. “Vamos conversar sobre a RENCA? A RENCA é nossa. Vamos usar as riquezas que Deus nos deu para o bem-estar da nossa população”, disse. O presidente falou ainda que a área se transformou numa “indústria da demarcação indígena”, que deve ser voltada novamente para a mineração para lucro do país.
Quem ficou feliz com essa história toda – e com a possível nomeação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada americana, que está sendo repensada pelo pai Jair – foi Donald Trump, que se interessa financeiramente pela exploração da nossa floresta. “Quando eu conheci Trump, eu disse a ele, entre outras coisas, que eu quero abrir para eles explorarem a Amazônia em uma parceria”, informou Bolsonaro em evento oficial em Washington, nos EUA, em março.