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Cigarros eletrônicos: nova modinha entre jovens é lobo em pele de cordeiro

Os vapes fazem parte da 3ª geração dos Dispositivos Eletrônicos para Fumar e possuem substâncias tóxicas que são potencializadas pelo sistema de vaporização

Por Isabella Otto Atualizado em 30 out 2024, 15h33 - Publicado em 17 set 2022, 10h02
Ilustração de vários mãos segurando modelos diferentes de vapes
Vai uma vaporizada aí? Alina Beketova/Getty Images

Na rodinha de amigos, na porta da balada, na saída da universidade, em festas e até mesmo dentro de casa. Os cigarros eletrônicos estão por toda parte e seu consumo é praticamente dominado por jovens.

Segundo Relatório Covitel deste ano, um em cada cinco brasileiros entre 18 e 24 anos é usuário de DEF (Dispositivo Eletrônico para Fumar). O consumo é mais frequente entre homens, e nas regiões Centro-Oeste e Sul do Brasil – apesar dos índices estarem bem equilibrados, o que mostra que a modinha é mesmo nacional.

Aliás, a febre é mundial! Nos EUA, por exemplo, 75% dos jovens que fumavam cigarros tradicionais migraram para os eletrônicos assim que estes surgiram no mercado. Os dados são da Revista Pediatrics (edição de maio de 2022) e fazem referência os anos de 2017 a 2019.

Na Europa, os vaporizadores são encontrados em lojas oficiais de marcas especializadas, em camelôs, aeroportos, bares… As propagandas também estão por todo lugar! Em estações de trem e metrô, em outdoors, em pontos de ônibus, nas telas de celulares… Até aqueles que nunca fumaram andam se perguntando: “Qual é a do vape?”.

O BEABÁ DOS CIGARROS ELETRÔNICOS

Os Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) foram criados em 2004, sendo que hoje eles estão na 3ª geração. “A primeira é composta por produtos descartáveis não recarregáveis, com formato muito semelhante ao cigarro regular, sendo que uma luz de led simula a brasa do cigarro durante a tragada. São comercializados com ou sem nicotina. Na segunda geração, encontram-se produtos com bateria recarregável, nos quais os cartuchos podem ser substituídos por outros pré-cheios de nicotina líquida. Alguns, semelhantes a canetas, permitem a regulagem da duração e do número de tragadas. A última geração de DEFs não se assemelha ao cigarro regular e também é conhecida por tank, por conter um reservatório ou tanque para ser preenchido com nicotina e também com outras drogas, como a maconha líquida. São recarregáveis e facilmente manipuláveis para a emissão de uma maior quantidade de vapor”, detalha o estudo Cigarros eletrônicos: o que sabemos? (2016), produzido a partir de uma parceria entre a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (Opas/OMS), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA).

O artigo ainda salienta que “os vapers absorvem os vapores gerados a partir de soluções conhecidas como e-liquids ou e-juices, que contêm solventes (chamados e-liquids base), além de várias concentrações de nicotina, água, aromatizantes e inúmeros outros aditivos. Os solventes mais populares usados em e-liquids são a glicerina (geralmente de origem vegetal) e o propilenoglicol”.

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A temperatura de vaporização de um vape pode chegar a 350º C, induzindo reações químicas e mudanças físicas nos compostos dos e-liquids, já produzidos com químicos agressivos, formando outras substâncias potencialmente tóxicas para os seres humanos, classificadas como citotóxicas, carcinogênicas, irritantes, causadoras do enfisema pulmonar e de dermatite, conforme relata o estudo.

Ilustração mostrando vários modelos de vapes que existem no mercado
Alguns modelos de vape que existem no mercado; preços variam de R$70 a R$600 Alina Beketova/Getty Images

PARECE TUDO IGUAL, MAS NÃO É

Rodolfo Bacelar, pneumologista e docente do curso de Medicina do Centro Universitário de João Pessoa (Unipê), explicou para a CAPRICHO que o princípio desses dispositivos eletrônicos é sempre o mesmo: uma bateria aquece a solução líquida a ser consumida (habitualmente com nicotina, mas que pode conter outras substâncias, como THC ou Canabidiol).

Apesar disso, há diferentes tipos de vaporizadores no mercado, divididos em duas categorias: os vapes para ervas (vaporizadores de erva seca e óleo concentrado) e os vapes para líquidos (vaporizadores convencionais e pod systems).

Dentro dessas categorias, encontramos subcategorias de modelos, sendo que os cinco principais são os listados a seguir:

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  • Pen: o nome é autoexplicativo. Ele parece uma caneta e é um dos modelos mais em conta e simples de usar do mercado. É recarregável e funciona com um pressionar de botão.
  • Kit: é um modelo mais bojudão, que permite que o usuário acople uma bateria externa ao sistema, para otimizar a carga do vaporizador.
  • Mod mecânico: indicado para aqueles que já possuem certa experiência com vaporizadores. É montável e possibilita uma vaporização mais potente/forte.
  • Pod systems: apresenta altas dosagens de nicotina e é geralmente utilizado por aquelas pessoas que desejam parar de fumar cigarro convencional.
  • Pod descartável: como o próprio nome diz, ele dura algumas vaporizadas e o e-juicy que vem no tanque não pode ser recarregado, assim como sua bateria.

LOBO EM PELE DE CORDEIRO

Por mais que a concentração das substâncias nocivas dos cigarros eletrônicos possa ser menos que a dos cigarros tradicionais, as formas de consumo, a frequência de utilização e a quantidade consumida tornam os dois produtos similares quando falamos nos malefícios que eles podem causar. “O fato dele ser mais socialmente aceito e a presença de essências, com seus cheiros, sabores e cores, faz com que as pessoas consumam ainda mais os vapes”, alerta o Dr. Rodolfo.

O vilão da história é o e-liquid base, que é aquecido pelo sistema e inalado pelo consumidor. Ele apresenta substâncias nocivas à saúde, como a nicotina, o propilenoglicol, o formaldeído e o acetaldeído, que são cancerígenos, e o chumbo, um metal pesado que também é altamente prejudicial.

Ilustração mostrando um cigarro convencional vs um cigarro eletrônico
Dois lados de uma mesma moeda? Andrey Sokolov/Getty Images

“Os consumidores estão expostos ao risco de desenvolverem doenças cardiovasculares, como infarto e arritmias, doenças pulmonares, como o enfisema, e outras inflamações. Pode haver a piora de doenças respiratórias prévias, como a asma, além do desenvolvimento de um câncer. É comum apresentar dificuldades de memória e irritabilidade. O cigarro eletrônico diminui as defesas pulmonares facilitando infecções. Além disso, existe a própria doença pulmonar causada por substâncias presentes no cigarro eletrônico, a EVALI, em que uma importante inflamação impede a passagem do oxigênio dos pulmões para o sangue, levando à necessidade de suporte ventilatório. Em surto recente, jovens precisaram ir para UTI e utilizar ventiladores mecânicos, existindo até aqueles que precisaram de transplante de pulmão”, conta o especialista, que se preocupa com o apelo jovem que os dispositivos têm.

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Por mais que algumas pessoas digam que os vaporizadores são utilizados para diminuir o uso do cigarro convencional – e que eles tenham sido criados justamente para isso -, algumas falácias de discurso provam justamente o contrário.

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A indústria dos cigarros eletrônicos é baseada na aquisição de novos consumidores. “Pelo apelo ao público jovem em suas propagandas, pela inovação, tecnologia, cores e sabores, o cigarro eletrônico hoje é a porta de entrada no vício da nicotina. Dados do governo norte-americano mostram que até um terço dos jovens que iniciam no cigarro eletrônico vão começar a usar o cigarro tradicional em até seis meses”, revela Rodolfo Bacelar.

O pneumologista também conta que, como produto terapêutico, ele se mostra inferior a outras abordagens para parar de fumar. Afinal, o carro-chefe dos vaporizadores é a nicotina, que causa dependência. Só que existe também na jogada e-liquid que é colocado dentro do tanque do aparelho, que é cheio de substâncias nocivas para a saúde, como vimos anteriormente. “Existe uma ideia de redução de danos, o que não é ausência dos mesmos. Existem formas muito mais eficazes de parar de consumir a nicotina”, garante o professor.

Bacelar ainda traz à tona a reflexão de que as grandes empresas de cigarro tradicional são justamente as donas das marcas de cigarros eletrônicos. “Nossa geração está caindo no mesmo papo que a indústria do cigarro tradicional utilizou para criar uma geração de fumantes. A ideia de ser saudável, de uma cultura de consumo, também existiu antes. O marketing dos vapes se utiliza de uma geração que não foi exposta aos males do tabagismo para adquirir novos consumidores, de estudos pagos para trazer uma falsa segurança, baseados em uma pseudociência, e das redes sociais para disseminar fake news defendendo o consumo”, faz o alerta.

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POR SUA CONTA E RISCO

No Brasil, a comercialização, importação e propaganda de todos os tipos de Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs) são proibidas. Entram nessa lista cigarros eletrônicos, vaper, pod, e-cigarette, e-ciggy, e-pipe, e-cigar, heat not burn (tabaco aquecido), entre outros.

Segundo Resolução de Diretoria Colegiada da Anvisa, de 28 de agosto de 2009, “essa decisão se baseou no princípio da precaução, devido à inexistência de dados científicos que comprovassem as alegações atribuídas a esses produtos”.

Há aqueles que defendam que a proibição da venda de DEFs no país prejudica a economia e aumenta os danos com relação aos dispositivos, estimulando o comércio ilegal deles, da mesma maneira que contribui para a falta de informações a respeito dos aparelhos, colocando os usuários em maior risco. “Regulamentar vapes e cigarros eletrônicos no Brasil é fundamental para implementar uma política efetiva de redução de danos para fumantes, uma medida que respeitaria o perfil, o tempo e o grau de adicção de cada indivíduo”, opina a advogada Vanessa Viana, que acredita que “é melhor controlar e gerenciar os danos do hábito de fumar do que sucumbir de vez aos seus malefícios, evitando mais mortes causadas pelo tabaco e protegendo famílias da perda de um ente querido, muitas vezes o seu principal provedor” .

A Anvisa, em contrapartida, bate na tecla de que não pode autorizar a regulamentação dos dispositivos pela ausência de dados científicos a respeito deles e de seus malefícios, uma vez que o debate continua sendo dominado por pesquisas tendênciosas.

Médicos alertam sobre o consumo de cigarros eletrônicos, assim como sobre “truques” que andam sendo ensinados nas redes sociais, que prometem transformaram um vaporizador descartável em um recarregável, por exemplo. O barato pode sair muito caro.

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