BBB21: Tratar negros de forma não individualizada também é racismo

"Se eu cometo um erro, como uma figura pública, quem está sendo tachado é a população negra. Isso volta lá na escravidão", diz pesquisadora

Por Isabella Otto Atualizado em 30 out 2024, 17h58 - Publicado em 23 fev 2021, 11h01
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CAPRICHO/Sestini/Divulgação

A “militância” de Lumena e Karol Conká dentro do BBB21 têm rendido pano pra manga. Recentemente, até Camilla de Lucas se demonstrou incomodada com ela dentro da casa, dizendo que a rapper estaria usando o ativismo para justificar questões de afinidade – como se mulheres pretas tivessem sempre que ser amigas. Nos últimos dias, talvez por ter sentido alguma movimentação contrária do público por causa dos resultados dos paredões, a psicológica Lumena até deu uma maneiradas nas suas falas, e a mudança de comportamento foi notada pelo público. Mas além de estar havendo uma banalização do verbo militar (que tem a ver mais com agendas, menos com pitacos em redes sociais), a pesquisadora Daniela Gomes, doutora pela Universidade do Texas e professora na Trinity College, em Connecticut, chama a atenção para outro fenômeno que está sendo evidenciado pela edição atual do reality show: o não individualismo das pessoas negras. “Se eu cometo um erro, como uma figura pública, quem está sendo tachado é a população negra. Isso volta lá na escravidão, a gente não entra na sociedade moderna como ser humano, entra como bicho. A gente não é individualizado, os nossos erros são sempre coletivos”, alerta em entrevista para a repórter Letícia Mori, da BBC News Brasil.

Gilberto, Lumena, Lucas, Nego Di, Karol Conká, Pocah, Projota, Camilla de Lucas, João Luiz
Nunca antes uma edição do Big Brother Brasil teve tantos participantes negros BBB21/TV Globo/Instagram

Muita gente estava usando a “militância” de Lumena, por exemplo, para cancelar pautas importantíssimas e até todo um movimento baseado em lutas sociais. Para a pesquisadora, se o reality dá visibilidade para algumas questões, ele, ao mesmo tempo, pode contribuir para o esvaziamento delas. “Você tem um assunto muito importante que precisa desvendar várias camadas, que tem vários fatores que influenciam, e você trata aquilo como se fosse a novela das 8. Existe uma banalização de certos temas”, disse Daniela, que complementou sua fala evidenciando os interesses da TV Globo com as polêmicas: “O interesse é a audiência, então é óbvio que ela vai trazer essas pautas porque elas são interessantes para a audiência que ela quer atingir, porque o público está falando sobre isso, as pessoas jovens estão cada vez mais abordando isso com naturalidade. O problema não é nem colocar no entretenimento, mas é como traduzir essas pautas depois para a própria realidade da emissora – vai ter diversidade nos programas, nas novelas, no próprio jornalismo? Se eles fizerem esse exercício, aí sim é superválido”.

 

Ainda em entrevista para a BBC News Brasil, a professora da Trinity College se mostrou preocupada com o fato de o cancelamento de pessoas negras ser levado muito mais a sério. “Para nós não existe segunda chance. Principalmente para mulheres negras, e principalmente mulheres negras como Karol e Lumena, que têm pele escura. Uma vez que você erra, não tem oportunidade novamente”, disse. Exemplos disso são comentários de pessoas dizendo que gostariam de cassar o registro de psicóloga da baiana e até o fato de representantes do poder demonstrarem interesse em processar Lumena por racismo reverso, como é o caso do vereador eleito por São Paulo, Thammy Miranda. Vale recordar que, em 2019, a campeã do BBB foi Paula Sperling, uma mulher branca que teve falas racistas durante toda a edição, saiu de lá milionária e com uma legião de fãs que a acompanham até hoje.

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Daniela Gomes ainda comentou sobre o episódio em que alguns participantes pretos da casa questionaram a negritude de Gilberto, dizendo inclusive que era só ele esfregar mais um pouquinho a bucha na pele no banho que ficava branco. “No Brasil, a gente vive essa ideia de democracia racial [que não há racismo porque somos todos miscigenados], que é um mito, que não existe, mas a aparência fala muito mais do que a genética(…) O racismo sabe quem é negro, a polícia sabe quem é negro, a pessoa que vai discriminar sabe quem é negro. Para quem detém poder estrutural no Brasil, não tem confusão nenhuma”, esclareceu a professora, que ainda pontuou dizendo que, por exemplo, nos EUA, as pessoas não duvidariam da negritude de Gil nem da de Sarah, cuja mãe é negra, mas é lida socialmente como branca: “Se a Sarah voltar pros EUA e disser ‘Eu sou negra’, ninguém vai questionar isso”.

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