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Até quando vamos continuar desumanizando o debate climático e ambiental?

Conhecer a Amazônia me fez ter certeza de que é sobre o ar que respiramos, sobre fauna e flora, mas, acima de tudo, que é sobre gente e vida justa

Por Isabella Otto Atualizado em 3 ago 2022, 21h18 - Publicado em 3 ago 2022, 16h45
  • Fui para a Amazônia. A primeira viagem da coluna! Indico a música Amazônia, do Roberto Carlos, de 1989. Sim, minha senhorinha interior de 70 anos ama o Rei. #MeuJeitinho

Poderia começar este texto de diversas formas. Afinal, essa é uma das belezas da escrita e da oralidade. Poderia, por exemplo, contar o quão transformadora foi a minha primeira vez na Amazônia. Um sonho realizado! Poderia meter um papo místico sobre a floresta, a conexão com a natureza, sobre trascender. Não estaria mentindo, mas não estaria fazendo jus ao que vivi.

Fotos da Isa Otto no meio da Amazônia. Ela posa sobre uma árvore e nada no Rio Negro
Sentindo e ouvindo a natureza no meio da floresta e no Rio Negro Isabella Otto/Reprodução

No dia 5 de julho, recebi por e-mail um convite para cobrir uma experiência imersiva na Amaônia entre os dias 25 e 30 de julho. Promovida pela Creators Academy Brasil, iniciativa idealizada pela ativista e empreendedora social Kamila Camilo e pelo ativista e influenciador Raull Santiago, a ideia é promover a conscientização sobre os biomas brasileiros através da conexão, da troca, da vivência, da oportunidade.

Na hora em que li a mensagem, confesso que fiz a good vibes, olhei para o céu e agradeci o Universo. Isso porque eu tinha dois grandes desejos na vida: conhecer o Pantanal (que visitei em janeiro de 2021) e a Amazônia (que estava me planejando para conhecer em 2023). Doideira, né?!

Fotos da comunidade de Tumbira, no coração da Amazônia
A chegada na comunidade de Tumbira é assim: com as escadinhas do Paraíso Isabella Otto/Reprodução

Foi assim que, no dia 25, embarquei para Manaus e, no dia seguinte, parti rumo a Tumbira, comunidade referência em turismo sustentável no coração da Amazônia, idealizada pelo Seu Roberto, um ex-madeireiro. A seguir, consigo listar uma série de primeiras experiências marcantes:

  • dormir em um redário
  • mergulhar no Rio Negro
  • avistar um boto cor-de-rosa
  • comer formiga saúva
  • caminhar no meio da mata
  • assistir a uma dança circular indígena
  • descobrir que não é “O” Curupira”, mas “A” Curupira

Legal, né? Ou melhor, MUITO legal! Mas e se eu te contar que nem de longe essas foram as experiências mais marcantes da viagem?

Fotos de um redário em um barco típico do Amazonas
Um redário no barco, durante a travessia Manaus-Tumbira; na comunidade, também dormi em um redário Isabella Otto/Reprodução

A conexão com a natureza aconteceu, as experiências vão ficar para a vida toda, mas o que mais me transformou foi a escuta. Mais do que ouvir os sons da floresta, eu ouvi os sons daqueles que nela vivem. Palavras de quem faz a Amazônia acontecer no dia a dia, de quem a chama de casa, de quem dorme e acorda em um cantinho deste Brasilzão que faz parte da Amazônia Legal [área que corresponde a 59% do território brasileiro e engloba em totalidade Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, e uma parte do Maranhão].

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Acho que nunca falei tão pouco e ouvi tanto em um curto espaço de tempo. Rapidamente compreendi que estava em um pedacinho da imensidão que é a Amazônia, um dos mais incríveis conjuntos de ecossistemas do planeta, que têm muitas vozes: indígenas, ribeirinhos, povos da cidade e do campo, pessoas com RG e outras apagadas da sociedade, ex-madeireiros que redescobriram a vida no turismo ecológico, comunidades exploradas pela mineração… A Amazônia é muitas coisas, mas, hoje, para mim, três palavras a definem: humanidade, oralidade e maternidade.

Fotos de um grupo de pessoas conversando no pé de uma árvore, no meio da Floresta Amazônica
À esquerda, de óculos, Odenilze Ramos, ativista amazônida. Ao centro, de vermelho, Seu Roberto Brito, o paizão de Tumbira Isabella Otto/Reprodução

A humanidade representa a pluralidade de gente que nela vive. Pessoas que, muitas vezes, têm suas vivências apagadas e existem em um país que não mais é pensado para elas. E estamos falando de povos originários, que são o Brasil!

Não dá para querer salvar a floresta sem ouvir essas pessoas, sem ouvir as vozes que nela existem, sem entender que a Amazônia é formada por diversas falas e que devemos ecoar cada um desses gritos. Só assim a luta faz sentido e anda pra frente. É sobre meio ambiente, sobre fauna, flora e mudanças climáticas, mas, acima de tudo, é sobre seres humanos.

Fotos na Amazônia. À esquerda, do nascer do Sol. À direita, da ativista Val Munduruku
Curtindo o nascer do Sol e tietando a maravilhosa Val Munduruku Isabella Otto/Reprodução

A oralidade faz conexão direta com a humanização da floresta e com a ancestralidade dos povos que nela habitam. Apagamentos, na maioria das vezes, se dão de maneira estrutural. Quem polui a Amazônia não são os amazônidas. Falar que temos até 2030 para limitar o aquecimento global é distópico, uma vez que hoje, agora, no instante em que você lê este texto, pessoas já sofrem com a falta de água, com ondas extremas de calor e frio, com enchentes e secas, com a escassez de comida, com o desmatamento, e com todas essas questões de agendas climáticas que abordam muito um futuro, mesmo que um próximo, quando, na realidade, o futuro é hoje.

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+: Nós sabemos que o mundo é complexo de entender, ainda mais em ano eleitoral. Vem com a gente no CH na Eleição.

E assim como a Curupira, protetora das florestas, é uma figura feminina, a Amazônia também é. Ela é mãe, força, potência, geradora, luta. Para mim, nada disso é coincidência.

Foto na Amazônia, do Rio Negro
A Amazônia no período de cheia é completamente diferente da Amazônia no periodo de seca Isabella Otto/Reprodução

A escuta também se fez importante durante as palestras que tivemos. Criadores de conteúdo das periferias do Brasil me fizeram ter a certeza de que a agenda climática caminha lado a lado com as agendas sociais, culturais e econômicas.

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A estudante de Direito e porta-voz da PerifaConnection, Thuane Nascimento, disse o seguinte: “Qual é a mudança climática que nós temos no Brasil? O mais urgente é o aqui e o agora. Dizem que vai faltar água daqui 50 anos, mas e para quem já está faltando? O ser humano é o centro do debate. A gente consegue sentir a natureza através das pessoas. Justiça climática tem a ver com mudancas socioeconomicas“, alertou.

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Marcelo Rocha, diretor executivo do Instituto Ayíka, organização de juventude que acredita na intersecção entre raça, clima, gênero e território, levantou outros pontos que eu anotei no meu caderninho mental, para levar comigo por onde eu for: “A natureza se resolve sozinha. Mudanças climáticas são sobre exploração de terra e de gente. O futuro que é criado é criado em cima da exploração. Estão destruindo pessoas”.

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E se é nesse espaço de troca que geramos conhecimento, encerro meu relato fazendo um pedido: troque, escute, humanize e ecoe vozes, porque elas também são os Ecos da Terra.

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