Antes de ser uma rainha notável, Elizabeth II foi uma mulher histórica
Lilibet cavalgou até os 96 anos, governou em tempos turbulentos de guerras, crises familiares e pandemia, e foi a monarca mulher mais longeva da História
Desde que os primeiros rumores a respeito da morte da Rainha Elizabeth II começaram a circular, na manhã desta quinta-feira (8), pessoas questionando a solidariedade dos brasileiros a respeito do tema surgiram aos montes nas redes sociais. Afinal, por que nós, que não temos nada a ver com a monarquia britânica, ficamos tão abalados com as notícias sobre o estado da saúde da monarca e, posteriormente, enlutados com a confirmação de sua morte?
A resposta é simples: pela relevância histórica da Rainha e pela inúmeras memórias afetivas que temos relacionadas a ela.
Muito além de ter se tornado um ícone do entretenimento, tendo alavancado a fama internacional da família real britânica e feito um regime ultrapassado seguir a passos suficientemente firmes, Elizabeth II foi a monarca mais longeva do Reino Unido. Foram 70 anos ocupando um trono que anteriormente fora dominado por homens – e vai continuar sendo, uma vez que, na linha direta de sucessão direta, temos Charles, William e George.
Por pouco, Lilibet, como era carinhosamente chamada pelos familiares mais próximos, não quebrou o recorde mundial de Luis 14, o Rei Sol, que ocupou o trono francês por 72 anos. Se esperavam, como sempre revoltosamente ainda esperam, fraqueza de uma mulher, receberam uma majestosa firmeza, galochas e uma montaria de amazona.
É preciso ressaltar também o fato de Elizabeth ter assumido a coroa aos 25 anos de idade, tendo seu tio renunciado ao trono e seu pai morrido após ocupá-lo por alguns anos.
Além de assumir um peso que não estava esperando, pelo menos, não até receber a notícia da renúncia do tio, a Rainha se viu cercada de muitos primeiros-ministros homens, sendo que três pediram para sair, por não aguentarem o tranco, e mais recentemente um tendo sido deposto, após polêmicas envolvendo seu nome.
Inclusive, nos dois últimos dias antes de sua morte, a Rainha Elizabeth II cumpriu respeitavelmente sua agenda de compromissos oficiais, tendo oficializado a entrada de Ms. Truss como a nova primeira-ministra do Reino Unido, no Castelo de Balmoral, e se pronunciado sobre o atentado que ocorreu em Saskatchewan, província do Canadá, em que dez pessoas foram esfaqueadas até a morte.
Com seu corpo já mirradinho pela idade, seus cabelos brancos feito algodão e suas mãos roxas, que há muito chamavam a atenção da Imprensa, a Rainha cumpriu seu último simbólico dever: apertar a mão de Mary Truss, nova primeira-ministra, que curiosamente tem Elizabeth como nome do meio, e a terceira mulher a ocupar o cargo.
Talvez o sentimento de luto coletivo seja exatamente por isso: Bethinha, apelido carinhoso que ganhou dos brasileiros, não foi simplesmente – e já grandiosamente – parte da História; ela foi a História!
Há tanto tempo no poder, ela quebrou protocolos reais, como escolher manter seu nome de batismo, mesmo após a coroação, algo desaconselhado pela Coroa; afrontou a elite racista ao dançar, em 1961, com Kwame Nkrumah, o então presidente de Gana, durante compromisso oficial; mandou tocar os sinos da Abadia de Westminster, que só soam quando alguém da família real morre, em solidariedade a outra mulher, Jackie Kennedy, após o assassinato do presidente dos EUA, John F. Kennedy; e participou não só de especiais, como o que teve em 2016 sobre Harry Potter, como serviu de inspiração para músicos como The Smiths, The Beatles, Elton John e Ed Sheeran, que fizeram referência à monarca em composições.
E há sete décadas no poder, é difícil imaginar que um dia a Rainha já tenha sido jovem, como a série The Crown, da Netflix, mostra, e tenha vindo para o Brasil, participado de um evento no Museu do Ipiranga e trocado mimos com o Pelé. Para muita gente, ela sempre foi aquela simpática senhorinha reptiliana que ainda viveria muitos e muitos anos – ou, quem sabe, pelo menos até os cem.
Em qualquer cenário seria triste pensar que a frase “God save the Queen” não seria mais pronunciada pelas três próximas gerações, uma vez que homens voltariam a monopolizar o trono, mas tudo fica ainda mais sofrido por se tratar de Elizabeth Alexandra Mary.
Aos 96 anos, esperamos que a passagem tenha sido realmente tranquila, rodeada de familiares e de seus adorados corgis, e que ela tenha sido recebida no outro plano ao som de Dancing Queen, do Abba, sua música favorita.
“London Bridge is down”, mas para nós, dada sua relevância, competência, seu carisma e humor ácido, a Rainha Elizabeth II sempre será nossa eterna “dancing queen, young and sweet, only seventeen”.
God welcome the Queen!