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Não, nós nunca tivemos um governo feminista

É importante explicar que ter uma mulher no poder não significa, necessariamente, que um 'governo feminista' está em atuação, como muita gente acredita.

Por Isabella Otto Atualizado em 6 out 2018, 10h03 - Publicado em 6 out 2018, 10h02

Algumas pessoas acham que, para se ter um governo feminista, basta colocar uma mulher no poder. Por exemplo, em 2010, Dilma Rousseff foi eleita a primeira presidente do Brasil. Ideologias políticas à parte, para muita gente, isso era o bastante para dizer que, pela primeira vez, o país estava tendo um governo feminista. Não é bem assim.

Sufragistas americanas lutando pelo direito do voto feminino. Hulton Deutsch/Getty Images

Selecionamos abaixo alguns dados que desmistificam essa ideia de que a política é igualitária para homens e mulheres, e que ter apenas uma mulher no poder, mesmo que em um cargo de liderança, não é o bastante – apesar de muito significativo.

1. Até 2016, só existiam banheiros masculinos no Palácio do Congresso Nacional, em Brasília
Projetado por Oscar Niemeyer e inaugurado em 1960, o Congresso Nacional representa o símbolo máximo do Poder Legislativo no país. O edifício foi ganhar seu primeiro banheiro feminino 55 anos depois de sua criação. Em 2016, dos 81 parlamentares que integravam o Plenário, apenas 12 eram mulheres. Todas tinham que sair do Congresso quando precisavam usar o banheiro. Em 2018, com as eleições para senadores e deputados, a perspectiva é de que esse cenário mude e mais mulheres sejam eleitas e ocupem o Congresso.

2. O Brasil é um dos países com menos mulheres ativas na política
Um levantamento realizado pelo Projeto Mulheres Inspiradoras mostra que, em um ranking de 186 países, o Brasil ocupa a 161ª posição quando o assunto são mulheres na política. Vale ainda destacar que 92% da população mundial é governada por homens, segundo relatório elaborado pelo TSE, Banco Mundial e pela ONU.

3. A taxa de mulheres no Ministério é de 4%
O mesmo levantamento realizado pelo Projeto Mulheres Inspiradoras mostra que da totalidade, ou seja, do 100% do Ministério Público do Brasil, apenas 4% é ocupado por cargos femininos. Não tem espaço não porque as mulheres não se esforçam, não vão atrás e não são capacitadas. Não tem espaço porque a política ainda é monopolizada por homens, resquício da cultura patriarcal brasileira que baniu mulheres de tantos locais durante tantos séculos. Para os que gostam de comparar, na Islândia, o número de mulheres no Ministério é de 40% e na Nova Zelândia, de 37%. Esses são os dois países com maior participação feminina na política.

Mulheres se registrando para votar em Santiago, no Chile, em 1973, última eleição livre antes da acensão do general Pinochet, falecido em 2006. Owen Franken - Corbis/Getty Images

4. Faz pouco mais de 50 anos que os direitos de eleitores homens e mulheres se igualaram 
Historicamente falando, isso não é nada. Em 1891, os homens receberam o direito de votar e serem votados no Brasil. O direito do voto só foi conquistado pelas mulheres em 1932, 41 anos após muita luta. Contudo, foi só em 1964 que a obrigatoriedade de voto foi instaurada para as mulheres da mesma maneira que já era instaurada para os homens. Até então, tinha um monte de entrelinhas na Constituição que previa que as mulheres nem sempre podiam e/ou deveriam votar.

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5. A política brasileira tem 1% de mulheres negras
Segundo dados no IBGE, dos 513 parlamentares, 52 são mulheres. Dessas 52, 7 são negras. Se a representatividade feminina ainda é escassa, a representatividade feminina de mulheres negras é ainda mais preocupante. A política continua tendo o mesmo rosto que tinha em 1800: o rosto do homem branco rico, engravatado, de meia idade. É esse rosto que ainda passa credibilidade, mesmo que todos estejam insatisfeitos com a atual política brasileira.

6. Foi necessário uma presidente para que leis de proteção à mulher fossem aprovadas
Em texto publicado na Carta Capital, em 2017, Dilma Rousseff escreveu sobre as políticas feitas por mulheres e para mulheres. “As leis Maria da Penha e do Feminicídio botaram o dedo nesta ferida. No Brasil, registram-se quinze feminicídios ao dia, e mais de 130 mil estupros ao ano. Foi necessário responder à altura com novas leis para tipificação da violência doméstica como crime, do feminicídio como crime hediondo, da obrigatoriedade de atender vítimas de estupros”, disse. Mais uma vez, não estamos entrando em questões de ideologias políticas nem defendendo nomes ou partidos. O intuito aqui é mostrar como a representatividade feminina faz diferença.

Pense a política brasileira como um bolo. Quando Dilma estava no poder, ela era a cereja, aquele item mais alto, no topo do doce. Contudo, a cereja não é nem de longe a parte mais importante, certo? Inclusive, se não fosse a massa, o recheio e a cobertura, a cereja nem se faria necessária. Não adianta ter uma mulher fazendo as vezes da cereja quando todo o resto do bolo é formado por homens – e, como pudermos checar acima, é isso o que acontece.

Por mais cerejas, mas também por mais massa, recheio e cobertura!

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