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Por que devemos ter cuidado ao discutir sobre a Ilha do Marajó nas redes

A região, que ganhou os olhares do TikTok nos últimos dias, é alvo de disputa política e muita desinformação.

Por Juliana Morales Atualizado em 27 fev 2024, 21h52 - Publicado em 26 fev 2024, 17h49
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ídeos de denúncia contra a exploração sexual de crianças na Ilha de Marajó tomaram conta do TikTok nos últimos dias. A situação na região não era desconhecida, mas voltou a ser mais discutida após a cantora gospel Aymeê Rocha cantar a música “Evangelho dos Fariseus” em um programa de televisão e a apresentação viralizar nas redes sociais.

Após cantar a canção com referências ao tema de exploração sexual infantil na Ilha do Marajó, Aymeê disse aos jurados da competição de música gospel que onde ela mora o tráfico de órgãos é normalizado e existe “pedofilia em nível hard”.  “As criancinhas de 6,7 anos saem numa canoa e se prostituem no barco por R$ 5”, afirmou.

O debate político em torno da Ilha de Marajó

Para além dos vídeos de comoção de muitos artistas e influenciadores, a discussão sobre a Ilha de Marajó nas redes ganhou um cunho político muito forte. Bolsonaristas usaram a repercussão atual para relembrar e defender que, em 2022, a então ministra Damares Alves já havia denunciado a situação. Durante um culto naquela época, ela disse que ouviu relatos de tráfico de crianças que eram submetidas a torturas, como ter os dentes arrancados para exploração sexual.

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No entanto, Damares nunca mostrou provas de suas acusações ao Ministério Público Federal (MPF), justificando que as suas denúncias se baseavam apenas em relatos. Diante da falta de informações, o MPF alegou propagação de fake news e exigiu que a então ministra bolsonarista fizesse uma retratação pública e uma indenização de R$ 5 milhões por danos sociais e morais à população do arquipélago.

Exaltando que Damares estava certa no passado, muitos apoiadores compartilharam nos últimos dias o vídeo de um homem adulto beijando uma criança na boca, que supostamente teria acontecido na Ilha de Marajó, no Pará. Mas, na verdade, a gravação tinha sido feita durante um passeio de barco no rio Paraná, em Mato Grosso do Sul, em novembro de 2021. Outro vídeo falso sobre a Ilha de Marajó que circulou pela internet mostrava dezenas de crianças em um carro – esse havia sido gravado em Uzbequistão, não aqui no Brasil ou no Pará.

Na última sexta-feira (23), o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania publicou uma nota alertando sobre a divulgação e compartilhamento de fake news sobre cancelamento de ações e projetos do governo federal na Ilha do Marajó. O esclarecimento aconteceu após muitos bolsonaristas exaltarem que Lula revogou o programa “Abrace o Marajó”, criado em 2019 pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, de Damares – e assim a região estaria sem apoio.

No entanto, o governo atual esclareceu que, em maio de 2023, foi criado o Programa Cidadania Marajó, com recursos para o combate à violência de crianças e adolescentes e promoção de direitos humanos e acesso a políticas públicas.

Como se informar e promover um debate mais justo sobre Marajó

Entidades e ONGs da Ilha do Marajó se posicionaram contra a narrativa, cheia de mentiras e distorções, acerca da região. Em nota publicada nas redes sociais com o título “Não acredita em tudo o que vês na internet”, o Observatório do Marajó destaca que “a população marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes” e que as redes de tráfico internacional operam em todas as regiões do país – não só em Marajó.

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A Cooperação da Juventude Amazônida também usou as redes para alertar sobre a desinformação que está sendo propagada sobre a região. Em post, a entidade diz que o Marajó tem problemas, sim. “Os baixíssimo IDH dos municípios realmente precisa ganhar a atenção do poder público”, escreveu. Mas esclarece: “o Marajó não é o inferno na terra. Ao contrário, para muitos, é um lugar sagrado, de resistência e de vida! O povo marajoara não é miserável e pedófilo. É um povo cheio de cultura e beleza, que convive com a exploração sistemática de muitos “salvadores da Pátria” há centenas de anos”.

Por isso, eles aconselham que para saber mais sobre a Ilha de Marajó, todos ouçam as vozes do território, sigam e fortaleçam as organizações da região e lutem contra um olhar estigmatizado e cheio de preconceito.

 

 

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