No Brasil da escova de bambu, metade da população sequer escova os dentes
Seu ativismo socioambiental se lembra disso no dia a dia e ao produzir conteúdo?
- Para a postagem de hoje, uma música bem clichê e melosa, mas que eu amo: “Smile”, cantada pelo Nat King Cole.
Ufa. Cá estou eu novamente, após um período sem postagens na coluna. Desculpe minha ausência, mas muita coisa aconteceu. Teve bastante trabalho, que foi a parte boa, mas também teve furto durante o trabalho, o que não foi tão legal assim. Baita preju!
Passei também por um período ruim de saúde mental por questões amorosas – de novo. 2022 foi definitivamente o ano da Temperança, como o Tarot me alertou no início dele. Mas cá estou eu! Talvez um pouco menos esperançosa com relação à humanidade? Talvez… Mas bem menos do que eu estaria, se não tivesse conhecido de perto o trabalho da ONG Por1Sorriso, que propaga saúde e bem-estar promovendo atendimentos dentários gratuitos em regiões carentes do Brasil e do mundo.
Em outubro, a Ecos da Terra foi convidada para acompanhar uma ação solidária em Marmelópolis, no interior de Minas Gerais, um lugar pacato, cuja principal iguaria é o marmelo. A iniciativa foi a maior da história da organização não-governamental e contou com o apoio de marcas como a Oral B, que ajudou os quase 70 voluntários nos 370 atendimentos realizados e mais de 3 mil procedimentos feitos em seis dias.
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Tudo aconteceu em uma escola no centro da cidade. Para participar da ação, os moradores precisaram antes fazer um pré-cadastro, passar por uma curadoria e então ser encaminhados para seus respectivos setores. Os procedimentos oferecidos iam desde os mais simples, como limpezas e tratamento de cáries, até os mais complexos, como cirurgias, obturações, próteses e colocação de aparelho. “Nós trabalhamos diariamente para conscientizar a população sobre a importância de ter uma boa higiene e como isso impacta em suas vidas, e nos desafiamos a ir além e apoiar uma instituição que compartilha desta visão e realiza esse incrível trabalho”, disse Luis Siqueira, diretor-sênior de Marketing de Oral-B para P&G Brasil.
Durante o evento, conversei com a Lucilene de Castro, de 33 anos, que timidamente falou comigo o tempo todo com uma das mãos sobre a boca. “Eu tenho vergonha de sorrir e mostrar os dentes”, disse para mim. Lucilene sempre morou em Marmelópolis, cidade que hoje conta com dois ou três dentistas fixos. “Quando eu era criança, minha mãe não tinha o hábito de me levar ao dentista, porque o acesso era difícil e também porque era caro”, explicou.
Em comparação, o sorriso do filho adolescente, Lucas Miguel, era impecável! A mãe deixou claro que sempre se preocupou com a saúde bucal do filho, justamente por a dela ter sido tão precária, e que ações voluntárias mudam vidas: “A gente volta a sorrir”, emocionou-se.
No mundo da escova de bambu, tem gente que não tem nenhuma escova para usar
Conversando com outros moradores locais, entendi que muitos compreendiam a importância da saúde bucal e não poupavam esforços financeiros para comprar escova, pasta e fio dental – mas que escolher não era sempre uma possibilidade.
Em 2015, o IBGE revelou que somente metade da população brasileira higieniza corretamente os dentes e a boca (gengiva, língua, etc). Os anos se passaram e o índice se manteve estável. Além da razão cultural, existe a financeira, que impossibilita o acesso de pessoas a itens de higiene bucal, por mais básicos que sejam. E olha que a Oral B, por exemplo, tem linhas profissionais e outras mais acessíveis, justamente pensando na realidade da população. Mas, entre comprar uma pasta e uma escova de dente ou um litro de leite, o segundo item é mais urgente.
Tudo isso faz a gente refletir sobre o que eu costumo chamar de “sustentabilidade de branco de classe média”. Aquela que prega o uso de escovas de bambu, xampús em barra, ecobags e canudinhos de inox como se isso fosse resolver todos os broblemas ambientais do planeta – e sem levar minimamente em conta duas questões essenciais para se ter um debate climático justo: o racismo estrutural e a desigualdade social.
Em 1981, o químico, reverendo e ativista afro-americano Benjamin Franklin Chavis Jr., hoje com 74 anos, trouxe ao mundo o conceito de racismo ambiental, depois de observar como a população negra dos Estados Unidos era a mais afetada pela degradação da Terra e a menos lembrada por políticas públicas ambientais.
Com o passar do tempo, o termo se tornou popular e foi usado para explicar como a colonização se faz presente também em pautas da agenda climática, em questões macro e micro: desde como o garimpo ilegal em territórios indígenas destrói e poluí rios até como nosso discurso diário sobre sustentabilidade é segregatório e nichado, e não contribui realmente para uma mudança efetiva e em larga escala.
É óbvio que, se você conseguir comprar uma escova de bambu ao invés de uma de plástico e puder investir em xampús em barra ao invés dos mais tradicionais e baratilhos do mercado, que vêm em embalagens plásticas, aproveite esse privilégio e usufrua dele! Porém, mais relevante do que querer impor essas substituições, é estimular ações como a da ONG Por1Sorriso, que promovem um Brasil um pouco mais igualitário, solidário e real. Porque a justiça social é o ponto de partida de tudo. Caso contrário, os debates tendem a ficar sempre restritos e no campo das ideias.