
Meninas aprendem mais, mas tem protagonismo sequestrado pela desigualdade
Relatório do Fórum Econômico Mundial mostra que as brasileiras estudam mais, mas continuam fora dos espaços de inovação - e precisamos mudar isso.
Global Gender Gap Report 2025, publicado na última semana pelo Fórum Econômico Mundial, confirmou um paradoxo brasileiro: embora as mulheres e meninas tenham conquistado quase plena paridade em educação, o Brasil continua distante da igualdade de gênero.
O país aparece na 72ª colocação entre 148 países, com 71,4% da lacuna total de gênero fechada. A distância para as primeiras posições, ocupadas por Islândia, Finlândia e Noruega, é significativa. E o principal ponto de alerta está na disparidade entre formação educacional e inserção real das mulheres no mercado, na política e na ciência.
O relatório revela que o Brasil atingiu paridade quase total em educação e saúde, mas ainda apresenta desempenho deprimente em empoderamento político e participação econômica. Em outras palavras: as meninas estudam, superam os meninos em desempenho escolar, mas não chegam aos espaços de decisão e poder, mostrando que apenas educar-se não basta.
Os dados ganham ainda mais gravidade quando combinados com os novos gráficos da OCDE (baseados no PISA 2022), que mostram que o fator socioeconômico pesa mais que a capacidade acadêmica na definição das expectativas universitárias.
Estudantes de alta performance, mas de origem pobre, têm menos chances de planejar uma carreira universitária do que colegas de baixa performance vindos de famílias ricas. E estudantes em situação de vulnerabilidade estão mais sujeitos a desalinhamento entre sua formação e suas aspirações profissionais.
As meninas estudam, superam os meninos em desempenho escolar, mas não chegam aos espaços de decisão e poder, mostrando que apenas educar-se não basta.
Essa realidade estatística se confirma no cotidiano de quem trabalha diretamente com meninas de escolas públicas. Em nossos programas na Força Meninas, que já impactaram mais de 75 mil estudantes, é comum encontrarmos alunas premiadas em feiras científicas, líderes de projetos e talentos matemáticos que não se veem como futuras engenheiras, pesquisadoras ou líderes. Elas não duvidam de sua capacidade e desconfiam da possibilidade real de ocupar esses espaços e das oportunidades que encontrarão apesar do esforço.
Sem referências, sem incentivo e sem oportunidades nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM), o abismo se amplia. No Brasil. A desigualdade não se deve à falta de preparo. Ela se enraíza em fatores estruturais, como a ausência de políticas públicas específicas, estereótipos de gênero, ausência de modelos femininos de sucesso e ambientes acadêmicos e profissionais pouco inclusivos.
- Apenas 30% das matrículas em cursos STEM são ocupadas por mulheres;
- Em cursos de Tecnologia da Informação, o número cai para 18%;
- Mulheres em cargos de liderança nas áreas tecnológicas são escassas.
Países com desafios semelhantes ao Brasil, como México e África do Sul, aparecem em posições significativamente melhores no relatório, sendo 23ª e 33ª, respectivamente.
- México: 78,7% de igualdade de gênero, com 50% das cadeiras parlamentares ocupadas por mulheres e 38% de participação feminina em STEM.
- África do Sul: 78,5% de igualdade de género, 41% de mulheres no parlamento e quase metade das formandas em STEM.
Ambos os países têm adotado políticas mais incisivas de inclusão, estímulo à permanência de meninas em carreiras estratégicas e legislação que favorece a representatividade. Enquanto no Brasil, há 71,4% de igualdade de gênero, 17,7% de mulheres no parlamento e cerca de 30% em STEM.
Nosso país não pode depender apenas do mérito individual ou da ação de organizações da sociedade civil para mudar essa realidade. É necessário investir em programas de orientação vocacional com recorte de gênero e classe, estimular o protagonismo de meninas em ciência e inovação desde o ensino fundamental, adotar metas concretas para inclusão feminina em STEM e liderança política, e fortalecer o vínculo entre escola, mercado de trabalho e formação técnica com foco em equidade.
Para que o ciclo de desigualdade se rompa, é preciso garantir que talento e esforço possam, de fato, se transformar em oportunidade.
Deborah de Mari, fundadora do Força Meninas
O Brasil possui mais de 20 milhões de meninas com menos de 18 anos. Se não mudarmos esse cenário agora, continuaremos desperdiçando o potencial de uma geração inteira e, com isso, comprometemos o crescimento do país, a inovação e a justiça social. A educação é só o começo, as meninas estão fazendo a parte delas, mas quando a sociedade brasileira fará sua parte? Para que o ciclo de desigualdade se rompa, é preciso garantir que talento e esforço possam, de fato, se transformar em oportunidade.
*Deborah A. De Mari é fundadora da Força Meninas, plataforma que já impactou mais de 75 mil meninas com educação em STEM, cidadania digital e liderança. Reconhecida pelo MIT Solve e pela Apolitical, tem formações executivas em Yale, MIT e na COP28. É autora do livro Vovô e o Segredo da Força das Meninas e diretora da pesquisa e documentário Meninas Curiosas, Mulheres de Futuro.
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