‘Jovens são responsáveis pelo futuro’: Afinal, essa cobrança é justa?
Pessoas com menos de 30 anos são 3% do Congresso e jovens estão cada vez mais distantes da política.
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Ofuturo está na mão dos jovens”. Ou “os jovens são responsáveis pelo futuro do país”. Quantas vezes você já ouviu frases como essas? Ao mesmo tempo, quando olhamos para os maiores espaços de decisão do país, os jovens não estão lá. Quando estão, são minoria.
Na Câmara dos Deputados, por exemplo, a média de idade dos eleitos em 2022 é de quase 50 anos –isso faz com que o Brasil ocupe a 68ª posição entre os 108 países avaliados pela União Interparlamentar, uma organização que organiza informações sobre parlamentos mundo afora.
Por aqui, o deputado federal mais novo eleito é Ícaro Costa, de 21 anos, pernambucano do PL, mesmo partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Além dele, apenas outros 17 parlamentares foram eleitos com menos de 30 anos, o equivalente a pouco mais de 3% dentre todos os deputados desta legislatura.
Fora das casas legislativas, a participação dos jovens na política como eleitores também não é animadora: você provavelmente se lembra que, nas eleições do ano passado, foi preciso uma grande campanha de influenciadores e artistas, como Anitta, para garantir que jovens de 16 a 18 anos –que podem votar, mas não são obrigados a isso– fossem às urnas.
Historicamente a gente imagina uma sala em que pessoas estão atuando na política e decidindo os rumos do país, imaginam homens de terno num espaço formal, porque historicamente política está ligado a isso, cabeças brancas, essa conexão é muito difícil de se fazer.
Se a gente não tem jovens ali, não constrói no nosso imaginário que eles também devem ocupar esse espaço.
Medo da violência afasta a gente da política
Para a cientista política Hannah Maruci Aflalo, dizer que o futuro está na mão dos jovens é, no mínimo, injusto.
“Isso joga sobre eles uma responsabilidade um pouco injusta, principalmente em um presente tão complicado, cheio de problemas –sociais, econômicos, ambientais. A gente não pode entregar tudo isso para os jovens resolverem sozinhos”, fala.
E continua: “Ao mesmo tempo, precisamos que os jovens se interessem por política e almejem ocupar espaços de decisão, porque só assim conseguimos tornar o Congresso mais representativo neste sentido: capacitando esses jovens”.
Isso joga sobre eles uma responsabilidade um pouco injusta, principalmente em um presente tão complicado, cheio de problemas –sociais, econômicos, ambientais.
Hannah Maruci Aflalo, cientista política
Hannah e a advogada Laura Astrolabio, mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos, criaram em 2020 A Tenda das Candidatas, uma organização que promove capacitação política para mulheres, sobretudo negras, indígenas, quilombolas, LGBTQIA+ e com deficiência.
No ano passado, Hannah e Laura notaram que, entre as quase 800 mulheres inscritas para o curso de formação política, apenas 1% tinha entre 18 e 21 anos.
Em um formulário aplicado às alunas do curso, quando perguntadas sobre as principais dificuldades para participar da política, metade delas respondeu que não sabe como atuar e também metade disse ter medo de sofrer violência política –prática que se tornou crime em 2021, mas que segue recorrente, especialmente contra as mulheres mais jovens.
Além disso, 73% das mais jovens responderam não ser incentivadas e 63% não confiam nas instituições políticas.
“Se estamos cobrando a responsabilidade dos jovens com o futuro, precisamos pensar na nossa responsabilidade enquanto pessoas mais velhas, que já estão atuantes na cena pública, de garantir que a política seja um lugar convidativo, confiável, em que os jovens queiram estar”, alerta Hannah.
Além disso, 73% das mais jovens responderam não ser incentivadas e 63% não confiam nas instituições políticas.
Pensando justamente em reduzir esse gargalo, A Tenda organizou em 2023, pela primeira vez, uma formação política específica para essa faixa etária, com o objetivo de capacitar mulheres mais jovens para começar a se aproximar da política institucional como voluntárias em candidaturas femininas já neste ano –para elas, essa é a melhor porta de entrada para jovens na política institucional.
E o resultado parece, aos poucos, dar certo: na formação seguinte, novamente aberta para mulheres de todas as faixas etárias, o percentual de jovens de 18 a 21 anos subiu de 1% para 3%, parte delas egressas da formação específica para jovens.
Meninas e mulheres não se enxergam como lideranças
Embora questões como o medo da violência e a falta de apoio político afastem novas lideranças da atuação política, “não existem dados ou indícios que mostrem que os mais jovens, especialmente as mulheres, não queiram disputar esse espaço”, fala Laura Astrolabio. “Esses obstáculos que se apresentam para jovens precisam ser combatidos –com políticas públicas e também com ajuda das organizações da sociedade civil”, completa.
A advogada acrescenta ao menos outros dois fatores que, em sua percepção, aumentam o abismo entre jovens e a política, especialmente quando esses jovens fazem parte de grupos minorizados, como mulheres, pessoas negras, LGBTQIA+ ou com deficiência: a divisão sexual e racial do trabalho e a falta de capital financeiro e político herdado de familiares.
Esses obstáculos que se apresentam para jovens precisam ser combatidos –com políticas públicas e também com ajuda das organizações da sociedade civil.
Para as duas fundadoras d’A Tenda, a falta de interesse na política institucional não significa necessariamente falta de interesse em questões sociais. Muitas das jovens que participaram da formação Resenha Política no primeiro semestre deste ano, elas contam, já exerciam algum tipo de liderança, seja no movimento estudantil, em coletivos ou em suas comunidades.
“Muitas vezes, jovens homens, brancos, filhos de políticos, acabam se lançando na política eleitoral partidária nas eleições municipais pouco depois que completam 18 anos. Existe apoio para eles”, fala Laura.
As mulheres, em contrapartida, são lideranças políticas naturais e não se enxergam assim, fala Hannah Maruci Aflalo. “Isso torna difícil que elas se vejam como potenciais candidatas”.