Fim da “Polícia da Moralidade” no Irã: liberdade ou estratégia política?
Após dois meses de protestos contra o assassinato de Mahsa Amini, procurador geral do país disse que o órgão do governo havia sido encerrado. Será?
“Mulher, vida e liberdade” é o principal slogan dos protestos que estão ocorrendo, desencadeados pelo assassinato da jovem Mahsa Amini, de 22 anos, que morreu misteriosamente em um hospital iraniano após ser detida pela “Polícia da Moralidade” em setembro, por usar o hijab de maneira “errada” – na ocasião, uma mecha do cabelo da estudante estava à mostra
As manifestações ocorrem há dois meses no Irã e no mundo, e aconteceram também no Catar, em alguns jogos da Copa do Mundo. Muitas delas, especialmente aquelas que ocorreram em solo iraniano, foram contidas com violência. Mais de 350 pessoas morreram e outras ficaram feridas.
Depois de muita luta social, Hojatolislam Mohammad Jafar Montazari, procurador geral do Irã, informou nesta semana que o órgão responsável por essa fiscalização do código de vestimenta havia sido encerrado. “A polícia da moralidade não tem nada a ver com o Judiciário e foi fechada a partir de onde havia sido instalada”, disse em comunicado divulgado pela agência de notícias estatal ISNA.
Apesar da boa notícia, manifestantes e ativistas acreditam que essa possa ser mais uma manobra do governo iraniano, para baixar a poeira, e que espiões à paisana devem continuar fazendo o serviço que a polícia não mais fará na prática, ou seja, nas ruas.
Como agia a “Polícia da Moralidade”?
Em 1936, a obrigatoriedade do hijab foi abolida no Irã. Por mais de 40 anos, as mulheres não precisaram usar a peça de roupa, caso não quisessem. O país se tornou uma referência no quesito liberdade e era comum ver jovens usando calças jeans justas e, aquelas que queriam, véus coloridos e despojados.
Contudo, a partir de 1979, após a Revolução Islâmica, o véu voltou a ser um item obrigatório. Roupas justas e curtas, aquelas mais ocidentalizadas, passaram a ser proibidas. A regra valia para qualquer mulher em território iraniano, inclusive para estrangeiras.
Apesar de não haver um decreto claro sobre o que são ou não roupas e atitudes que ferem a moralidade e os bons costumes, a interpretação de toda a questão é feita em cima da Sharia, Lei Islâmica conhecida por ser pautada em cima de preceitos machistas e LGBTfóbicos.
Para que essa fiscalização fosse feita nas ruas e se tornasse mais ativa, nos anos 2000, durante o regime do presidente ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad, foi criada a Gasht-e Ershad, popularmente conhecida como “Polícia da Moralidade”.
A patrulha dos códigos de vestimenta era feita majoritariamente por homens, mas algumas mulheres conservadoras também trabalhavam como espiãs para o órgão do governo, que sempre dividiu opiniões no meio político e civil.
Conservadores x progressistas
A discussão sobre a obrigatoriedade do véu é antiga e, como já explicamos na CAPRICHO anteriormente, ela tem dois entendimentos, que acabam se unindo em um só: o político e o religioso.
Acontece que a Sharia é um interpretação do Islamismo, mas não representa a religião em si. Por mais que o uso de véu seja altamente aconselhado pelo Alcorão, como forma das mulheres demonstrarem respeito a Deus, muitas entendem que a imposição desse uso passa a ser uma questão política, não mais religiosa.
“O hijab é um dever da mulher muçulmana, de acordo com a religião Islâmica. É sobre se vestir com modéstia, cobrir as curvas do seu corpo, o cabelo… Só podemos mostrar o rosto e as mãos. E a burca [veste que cobre todo o corpo e tem uma rede diante dos olhos para permitir a visão, muito comum no Afeganistão] é um tipo de hijab”, explicou a estudante Fátima Cheaito para a CH.
A empresária Carima Orra também se maniestou sobre a polêmica: “Dentro da religião é obrigatório, mas a religião também aplica o livre arbítrio, ou seja: a mulher usa se se desejar, se quiser. Aqui na Terra ninguém pode obriga-la a usar ou não. A minha cunhada não usa, a minha sogra não usa, tenho várias tias e primas que não usam… Ninguém pode querer mandar nisso. O julgamento cabe a Deus, não ao homem”, disse.
Essas imposições humanas pregadas pela Sharia são maneiras oficias, ou seja, dentro da lei, de podar o direito de ir, vir e existir das mulheres e pregar a superioridade do sexo masculino. Não à toa, “mulher, vida e liberdade” é o lema dos protestos que aparentemente surtiram efeito – a gente espera que tanto na teoria, quanto na prática – e que não sejam mera estratégia política.
O mundo todo está atento e forte.