Agora temos mais 300 anos para chegar à total igualdade de gênero
Nós, meninas e mulheres jovens, estamos posicionadas para construir um futuro mais justo. Mas precisamos ser tratadas como protagonistas
u acompanhei pela primeira vez, neste mês de março, a maior conferência de direitos para as meninas e mulheres da ONU (Organização das Nações Unidas) junto com a Girl Up Brasil + CAPRICHO. Realizada em Nova York, o evento trouxe pontos positivos, reafirmou compromissos entre os países participantes mas, ao mesmo tempo, trouxe uma dose de realidade.
Foi lá que a ONU jogou um balde de água fria em nós: a estimativa para alcançar a igualdade de gênero subiu de 200 para 300 anos. E isso vale para o mundo todo, ok? As razões para colocar 100 anos a mais nessa conta são muitas. Desde os efeitos desastrosos da pandemia, toda a crise econômica e financeira gerada por ela; os conflitos armados, e retrocessos em políticas públicas para meninas e mulheres como nós em todo o mundo.
Mas nem tudo é tão ruim assim. As soluções também são diversas em um momento da história com maior desenvolvimento de tecnologia e inovação. Ainda assim, acredito que atores centrais para o avanço em direção à igualdade continuam sendo deixados no banco de reserva: nós, a juventude.
Assim como dezenas de jovens que vieram para a sede da ONU em Nova York, também precisei conseguir financiamentos, uma credencial, rearranjar compromissos, perder aulas, reajustar agenda de trabalho, tudo para que eu pudesse estar aqui e representar o lugar de onde vim. Nesse caminho, muitos outros jovens ficaram para trás por conta de restrições de mobilidade, vistos negados, falta de recursos e financiamento.
A Comissão da ONU sobre a Situação da Mulheres (CSW67) é “só” o evento mais importante sobre direitos das meninas e mulheres e promoção da igualdade de gênero – tem gente até que chama ele de “COP de gênero”, pois é – e acontece anualmente na sede da ONU em Nova York. E isso rola desde 1946, um ano após a criação da própria entidade. A cada edição, duas temáticas principais são discutidas, sendo uma delas prioritária e outra secundária, que analisa se acordos de uma edição anterior específica estão em andamento.
Imagina só: a CSW é formada por 45 países do mundo inteiro que negociam até chegar a um em consenso do que é preciso fazer a nível mundial para garantir a autonomia de meninas e mulheres. Após as discussões, é gerado um documento apelidado de “conclusões acordadas”, que irá nortear o avanço das ações globais nesse sentido.
Eu fui uma parcela muito pequena e privilegiada de quem conseguiu chegar nesse espaço. Ainda que ocupar este lugar seja uma vitória importante, conversando com outras jovens ao longo da CSW, chegamos no consenso de que a juventude foi em diversas ocasiões tratada como “cidadãos de segunda classe” durante a conferência.
Para nós, isso ficou escancarado no Fórum Jovem da CSW que aconteceu no sábado, 11 de março. A vista da janela da sala para a sede da ONU se tornou uma lembrança constante de que não estávamos no espaço oficial da ONU. Por mais que tenhamos sido a parcela ínfima de quem chegou, de certo modo continuávamos fora da discussão central. Aquele foi o único espaço de conexão voltado à juventude no evento e não foi realizado dentro da ONU. A sala era pequena, muitas pessoas ficaram de fora. Mas se por um lado eu lamento a (falta de) organização (e priorização) da ONU, eu me solidarizo com as jovens que pude conhecer e que sei que se esforçaram ao máximo nos bastidores para garantir a existência daquele espaço, ainda que ele não tenha sido suficiente.
Chegamos no consenso de que a juventude foi em diversas ocasiões tratada como “cidadãos de segunda classe” durante a conferência
Helena Branco, especial para CAPRICHO
Outro momento foi o primeiro diálogo interativo jovem da história da CSW, desta vez dentro da ONU, porém no mesmo horário do evento com o Secretário-geral da Comissão. Ambos eram espaços essenciais para a juventude estar presente, mas o conflito de agendas nos fez parecer atores “café com leite”, como se nos dissessem: brinquem ali de fazer política enquanto os adultos trabalham.
Além disso, ao chegar na ONU e prestar atenção na juventude presente, me deparei com um conflito no peito de cada um: a felicidade por estar ocupando um espaço que geralmente nos é negado, mas também o custo que veio com estar lá. A impotência e a síndrome de impostora são mais aparentes, em especial para pessoas racializadas. Porém, pouco se falou da solidão e falta de estrutura de quem não está no evento com uma delegação. Dentro da CSW não existia uma experiência jovem única, mas diversas experiências dependendo de onde você vem. Ficava clara a diferença entre delegações nórdicas e jovens ativistas da América Latina que vieram por conta própria com suas organizações.
Uma amiga que fiz na Conferência, Ruby, 26, é da Síria e me lembrou, por exemplo, do papel das pessoas refugiadas nessas construções. Se aqui tanto se fala que mulheres e meninas são as mais impactadas por situações de conflito armado e desastres ambientais, onde estão as vozes delas na discussão?
Ela me relatou que sentiu que as experiências de cerca de 32.5 milhões de refugiados estavam ausentes das conversas. Ruby também destacou que a maioria das soluções propostas eram para pressionar as delegações de governos para a inclusão da juventude nas políticas públicas. Apesar dessas propostas terem boas intenções e se fazerem verdadeiras em alguns casos, eram muitas vezes insensíveis aos refugiados e milhares de outros jovens cujas experiências são marginalizadas por governos autoritários e corruptos.
No mais, nosso desejo como juventude mobilizada era termos mais oportunidades para nos engajarmos antes, durante e depois da CSW. Isso quer dizer não apenas ter um espaço de fala em que nos escutam por 15 minutos e depois vão embora. Queremos ter um lugar na construção de um espaço que possa ser menos hostil para a juventude. Afinal, a CSW já acontece há 67 edições, o que deveria ter sido tempo hábil para tal elaboração.
Se aqui tanto se fala que mulheres e meninas são as mais impactadas por situações de conflito armado e desastres ambientais, onde estão as vozes delas na discussão?
Sentimos que o esforço que muitas de nós fizemos para estar aqui, não foi recíproco conosco. Tem muito trabalho a ser feito e sabemos que esses processos demoram. Porém, se estamos lá para cobrar de governos inclusão, por que não engajar pelo exemplo? Se a CSW afirma ser um espaço que promove o engajamento jovem, deveria ser garantido que jovens estivessem seguros, bem informados e que tivessem espaço lá dentro.
Quanto mais demoramos para investir na juventude e nas gerações que estão por vir, levando em conta o peso das consequências da pandemia para essas gerações, perdemos a oportunidade de ver esse abismo de desigualdades se estreitar. Nós, jovens, estamos unicamente posicionados para reverter processos desiguais e só com colaboração entre as gerações no presente que teremos um futuro mais justo.