Continua após publicidade

A carne mais barata dos noticiários e bancos de imagem também é a negra

Caso envolvendo o massacre em escolas e a atenção na hora de não reforçar estereótipos nocivos

Por Isabella Otto Atualizado em 28 nov 2022, 14h49 - Publicado em 28 nov 2022, 13h45
Foto de câmera de segurança do atirador branco de 16 anos que cometeu massacre em escolas
Câmera de Segurança/Polícia Civil/Reprodução

Duas escolas do Espírito Santo ganharam o noticiário na última sexta-feira (25). Em ambas, alunas e professoras foram vítimas de ataques violentos. O autor do crime, um adolescente de 16 anos, usou armas do pai, que é Policial Militar, para cometer invadir e cometer o crime. Quatro pessoas morreram e 13 ficaram feridas em invasão à Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Primo Bitti e a uma escola particular na cidade de Aracruz (ES).

Em comunicado oficial, a Polícia Civil do Espírito Santo disse que o caso está sendo investigado e que o atirador vai responder por dez tentativas de homicídio qualificado por motivo fútil, todos com impossibilidade de defesa das vítimas. Ele usava uma suástica presa à roupa no momento do crime e traços de psicopatia foram descartados.

 

Além das armas que foram apreendidas, as autoridades encontraram na casa do adolescente objetos com símbolos nazistas. O pai do menor disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que o filho “cometeu algo terrível”, que ele nunca poderia ao menos imaginar, mas negou que o jovem seja apoie um regime como o nazista.

Desinformação que reforça desigualdade

O Estadão utilizou uma foto de um banco de imagens para ilustrar a seguinte matéria. “Ataque a tiros em escola do ES: Por que casos assim têm se repetido no Brasil”. Na foto, aparece a mão de um homem negro segurando um revólver.

O crime, contudo, foi cometido por um adolescente branco de 16 anos. “O racismo está tão incrustado em nossa sociedade que mesmo quando um branco comete crime atroz, usa-se a pele negra para representar o ato violento”, escreveu a deputada federal Marina Silva nas redes sociais.

A forma como o jornal ilustrou a reportagem repercutiu negativamente e, em seguida, a imagem foi trocada e uma nota explicado o caso foi publicada. “Uma versão anterior deste post usou a imagem inadequada para ilustrar a reportagem. Alertados por nossos leitores, trocamos a foto, corrigindo o erro”, publicou o jornal nas redes sociais.

A questão aqui não é simplesmente a falta de cuidado do jornalista que elaborou a matéria ao procurar uma imagem para ilustrá-la. Ele, provavelmente, não se questionou sobre o fato de usar a foto de uma pessoa negra para explanar sobre um crime cometido por uma pessoa branca – atitude que pode ser explicada usando o racismo estrutural.

“É muito grande o Estadão ter escolhido uma mão negra para ilustrar uma reportagem cujo protagonista é um assassino branco de classe média. É o reforço do preconceito e do racismo estrutural presente na nossa sociedade e reforçado diariamente com atitudes perversas como esse”, manifestou-se o deputado federal Paulo Pimenta.

Continua após a publicidade

Outra questão que precisa ser analisada é o fato de que boa parte das fotos disponíveis nos bancos de imagem sobre crimes com armas de fogo é ilustrada por pessoas negras. Esta é mais uma prova de que o racismo estrutural está presente em todos os detalhes – até naqueles que muitas vezes passam despercebidos por nós. Ou que passavam. Mas há opções.

Quando você escolhe baixar uma foto de um homem negro segurando um revólver para ilustrar uma matéria sobre um crime cometido por uma pessoa branca, tem uma razão, tem um porquê, existe uma escolha, mesmo que inconsciente. E isso, ainda mais nós, profissionais da grande mídia, não pode passar. A culpa também está em nossas mãos.

Continua após a publicidade

A carne mais barata do mercado

No ano de 2002, Elza Soares lançou a música A Carne, em que repete energicamente o refrão “a carne mais barata do mercado é a carne negra”. Na terceira estrofe, ela canta que “e esse país vai deixando todo mundo preto”.

Continua após a publicidade

Em Olho de Tigre, Djonga faz uma crítica parecida, que exemplifica bem toda esta questão que estamos analisando. O som começa assim: “Um boy branco me pediu um high five; confundi com um Heil, Hitler. Quem tem minha cor é ladrão, quem tem a cor de Eric Clapton é cleptomaníaco”.

Não é raro que, quando um crime é cometido por uma pessoa negra, a associação a ladrão ou assassino seja feita; o que não acontece com pessoas brancas, que são comumente retratadas apenas como “jovem” ou “autor do crime”, mostrando um desequilíbrio na construção de uma narrativa.

E, quando não há textos que reforçam o racismo intrínseco em nossa sociedade, há imagens que contam uma história do que é ser negro do Brasil e ter a carne mais barata do mercado – e dos bancos de imagem, dos portais de notícia, das páginas de jornais.

“Sempre há uma pessoa negra que é relacionada à violência”, pontuou a deputada federal Benedita da Silva. “O racismo estrutural vai se manifestando através desse estereótipo do ‘negro que mata’, imposto nessas redações feitas por colunistas brancos. A mão que apertou o gatilho é branca“, indignou-se este usuário no Twitter.

 

Publicidade