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Por que corpos gordos ainda ocupam poucos lugares nos desfiles de moda?

Se a discussão sobre representatividade já é tão forte, o que falta para uma mudança efetiva, principalmente nas passarelas internacionais?

Por Sofia Duarte Atualizado em 30 out 2024, 15h29 - Publicado em 8 out 2022, 10h00

Durante o último mês, acompanhamos os principais desfiles internacionais nas semanas de moda de Nova York, Londres, Milão e Paris e, diante do que foi apresentado ao público nas passarelas, novamente surgiu uma pergunta que não é de hoje, mas que continua presente a cada edição: cadê as pessoas gordas? Enquanto nos São Paulo Fashion Weeks anteriores celebramos a diversidade e a inclusão, parece que o mesmo está longe de se repetir nas apresentações mundo afora.

Tente procurar uma modelo que não seja magra no casting de grifes como Chanel, Dior, Coach, Fendi, Tory Burch e tantas outras e falhe miseravelmente. A resposta do porquê parece ser óbvia, mas com tanto avanço em discussões a respeito do assunto, o que falta para ocorrer uma mudança concreta? “As empresas não estão verdadeiramente engajadas com a moda democrática”, analisa Cíntia Felix, estilista à frente da marca brasileira AZ Marias, em entrevista à CAPRICHO. “Para mim, é uma falha do designer, porque ele não está preocupado com outros corpos que não sejam aquele que ele lê como um corpo belo, que é esse corpo longilíneo, com curvas pouco acentuadas, que basicamente é um manequim estático. Só que a vida das pessoas não é assim”, declara.

A mudança ainda é tímida

Algumas marcas contemporâneas estão mostrando uma preocupação com esse tema, como observamos no desfile da Ester Manas, na França, e no da brasileira Karoline Vitto, que colocou mulheres reais em sua estreia na capital da Inglaterra nesta temporada, mas ousamos dizer que foram duas das únicas que pensaram de forma genuína na pluralidade de corpos. Ou seja, ainda trata-se de um movimento muito incipiente e que tem um longo caminho a percorrer.

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“Vejo uma mudança lenta sim [em comparação a anos anteriores]”, afirma Flávia Durante, ativista e fundadora da feira de moda plus size Pop Plus, em entrevista à CAPRICHO. “Uma mudança efetiva só vai acontecer quando a gente tiver mais diversidade no comando das cadeias das direções dos grupos de moda. Pessoas negras, trans, indígenas, gordas. Pessoas que sintam a falta de representatividade na pele e que saibam lidar com isso de uma forma verdadeira e não só pelo marketing”, completa.

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O papel do estilista

No Brasil, por outro lado, depois de muita pressão popular ao longo dos anos, ficou um pouco mais explícita a valorização de corpos plurais e de corpos racializados nas últimas edições da SPFW. É lindo ver o verdadeiro comprometimento de Isaac Silva, Meninos Rei, Dendezeiro e da AZ Marias em trazer representatividade às suas criações. “O meu papel como estilista, além de possibilitar a democratização da moda [em termos financeiros], é fazer com que as pessoas de verdade, que a gente cruza nas ruas, se sintam representadas e se vejam nesse espaço”, explica a designer Cíntia Felix. “E não só se ver, reflete na questão financeira, da compra, e reflete na questão do pertencimento. A moda é política. Se eu não tiver fazendo política com corpos que são lidos como corpos fora do padrão, eu tenho que repensar essa minha política e esse meu lugar de criadora“, acrescenta.

“O meu papel como criadora é de levar essas mulheres com protagonismo, e que as mulheres que não estão nas passarelas, quando acabe o desfile da AZ Marias, me mandem uma mensagem e falem: ‘Eu vi esse desfile e me vi naquela passarela, eu me senti representada, eu me senti pertencente pela primeira vez a toda essa indústria e esse sistema da moda’. Isso é o meu papel como estilista, para além da questão da sustentabilidade, do impacto social, das costureiras, o impacto social com as minhas modelos e com as mulheres que eu visto”, enfatiza Cíntia.

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Esperança no futuro

Segundo Flávia Durante, vivemos um período de transição que foi, inclusive, acelerado pela pandemia de Covid-19, que trouxe à tona discussões sobre o excesso de consumo e de atenção à estética. “Acho que algumas prioridades mudaram. Lógico que também existem extremos, porque para cada mudança há uma onda de contramudança, mas a inclusão e a diversidade são caminhos sem volta.” Ela deposita esperança nas gerações futuras. “Quem está no comando ainda é de uma geração muito antiga, então à medida em que as pessoas de novas gerações com uma nova mentalidade forem assumindo as cabeças do comando da cadeia da moda, provavelmente isso vai mudar cada vez mais.”

A fundadora da feira Pop Plus observa o esforço dos estudantes de moda em ampliar as grades de suas coleções, mesmo que esbarrem em professores conservadores e gordofóbicos, que ainda exaltam uma escola de moda baseada em padrões europeus dos anos 1940 e 50. Ela acredita que vamos viver um misto do ateliê com o prêt-à-porter. “Com a industrialização, que as coisas precisavam ser padronizadas para serem mais rápidas, a gente perdeu aquela coisa do corpo a corpo, da autoralidade, de ver que as pessoas são diferentes e não têm os corpos iguais, principalmente no Brasil. Então, vamos começar a presenciar a busca de um meio termo, de uma volta à artesanalidade. Tanto que a gente vê muitos jovens abrindo marcas de slow fashion, fazendo crochê, tricô, essa busca pelo manual, porque as pessoas não querem mais ser padronizadas e elas querem se ver representadas.”

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“É muito importante essa mudança de paradigmas. É difícil, é lenta, é uma pressão muito forte contra, porque o mais fácil é você manter o padrão, uma vez que o capitalismo favorece isso, a produção em escala, mas eu acho que é um caminho sem volta. As gerações novas já têm essa mentalidade, e eu vejo um futuro um pouco menos árduo. Costumo dizer que eu trabalho bastante agora para que, no futuro, não precise existir mais rótulos plus size e ter eventos especializados em pessoas gordas, e sim que a gente entre em todas as lojas e tenha desde o PP, roupas para pessoas com deficiências até o EGG, e que todo mundo seja atendido com respeito e dignidade”, conclui Flávia.

Por fim, Cíntia Felix ainda passa uma mensagem e pede a modelos gordas e de corpos reais que não desistam dos seus sonhos. “Não desistam do que vocês acreditam, façam os seus cursos, entrem em agências, batalhem pelos trabalhos, porque precisamos que vocês também façam essa pressão nas agências para que a gente também possa pedir um casting de modelos curvy. Às vezes, as agências dizem que não têm as modelos, mas eu conheço inúmeras mulheres, então acho que tem esse lado da persistência, porque do lado de cá tem a gente como marca também da melhor forma insistindo e pedindo nas agências e fazendo esses castings com mulheres reais.”

Quem colaborou nesta matéria: Cíntia Felix, estilista da marca AZ Marias; Flávia Durante, ativista, jornalista e fundadora da feira de moda plus size Pop Plus

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