A importância do poder feminino na literatura, segundo Tomi Adeyemi
Em conversa com a CH, a autora afirma que deixar meninas negras fora das narrativas literárias fortalece uma "visão de mundo limitada"
Quando esteve em Salvador (BA), em uma passagem pelo Brasil, Tomi Adeyemi sentiu algo diferente. Ao se deparar com imagens tradicionais dos Orixás – divindades negras da umbanda e candomblé – em uma área comercial da cidade, conseguiu ver a si mesma “em uma luz sagrada” e sentiu “fogos de artifício” em sua mente.
Depois desse encontro inesperado, sua inspiração para começar trilogia O Legado de Orïsha floresceu. “Existia uma verdadeira árvore ancestral no centro da minha imaginação e isso deu um sentimento tridimensional para o enredo que nunca tinha acontecido com nenhuma das minhas histórias de antes”, contou em entrevista à CAPRICHO.
Em nova passagem pelo Brasil mas, dessa vez, em São Paulo e para a Bienal do Livro, a autora de 29 anos conversou com a CH sobre representatividade, o futuro de seus livros nas telas e ainda mostrou o quanto gosta de estar entre os fãs brasileiros.
“Eu não planejava ver essas imagens [dos Orixás] e foi apenas incrível. É tão importante e é bonito meio que vir para casa, para a origem de onde os Orixás me encontraram”, declarou Tomi. “Significa tanto para mim estar de volta aqui.”
A importância da representatividade
Começamos nossa entrevista com uma foto de Roberta Gurriti, nossa colunista de Afrofuturismo, como Zélie, personagem de Filhos de Sangue e Osso. Ao ver a imagem, Tomi, que faz muito sucesso exaltando a cultura negra e a ancestralidade, celebrou o fato de sua história estar alcançando tantas pessoas ao redor do mundo.
“Nós nunca conseguimos nos ver assim [mulheres e meninas negras], nunca estamos na capa das histórias, não somos os protagonistas e isso é tão prejudicial. Não só para o psicológico das crianças, mas para o psicológico de todos, das pessoas que se parecem comigo, para as que não se parecem comigo. É uma visão de mundo limitada.”
Após a construção de seus personagens e do mundo mágico de sua história, a autora revelou se sentir aliviada por saber que o público consegue se enxergar em suas palavras.
“Saber que as pessoas podem crescer com Zélie agora me deixa aliviada porque se eu tivesse crescido com isso, não teria passado uma década me deixando de fora da minha própria imaginação“, explicou. “Realmente é uma recuperação da imaginação, é uma recuperação do nosso direito de ser dentro da nossa própria imaginação.”
Inclusive, a autora contou que sua primeira grande inspiração foi Olivia Pope, personagem principal da série Scandal, e que ver essa mulher poderosa fez com ela que quisesse trazer isso para sua protagonista: “Eu olho para Zélie nessa linha de inspiração porque precisamos dessas histórias, precisamos dessas histórias como mulheres negras mas também como mulheres, principalmente, nesses tempos em que precisamos nos lembrar como somos fortes, como somos poderosas.”
O futuro é logo ali
Com todo o sucesso, a história de Filhos de Sangue e Osso está saindo das páginas e indo para as telas também. A notícia foi confirmada pelo Deadline e terá Tomi envolvida na produção do roteiro do longa que será lançado pela Paramount.
“[O livro] teve 40 rascunhos. Então, com o filme, senti que o primeiro rascunho era o rascunho 41, sabe? Eu poderia ter feito mais 10 rascunhos para o livro. Agora vou aplicar o meu perfeccionismo no longa, mas para fazer algo que seja atual, para criar uma história que realmente faça as mulheres se sentirem lindas, poderosas e mágicas, como somos. É tudo uma grande honra e tudo começou com as imagens na Bahia!”, destacou a autora ao revelar mais sobre o andamento do processo.
O último livro da trilogia, chamado Children of Anguish and Anarchy (ainda sem tradução oficial em português) deve ser lançado em até o final do ano e Tomi está muito empolgada com a publicação. A autora chegou a prometer uma surpresa que vai animar bastante os fãs brasileiros.
“É a maior aventura e existem muitas coisas que vão deixar os leitores empolgados, especialmente os leitores brasileiros. É uma grande, grande história. E é muito sobre a luta que temos hoje como mulheres. Eu acho que esse livro é muito simbólico da jornada feminina e do poder feminino. Porque vejo tanto poder, mágica e criação dentro de todas nós, então é sobre isso.”