Por que ainda seguimos dando palco para “Monarks”?
Nem tudo é "opinião"! Afinal, a liberdade de expressão é mesmo garantida pela Constituição, mas limitada por crimes; entenda!
O Flow é um dos podcasts mais populares do país e certamente você que é leitora de CAPRICHO já deve ter ouvido falar dele. Começou em 2018 e tem, só no YouTube, quase 3,7 milhões de inscritos. Até ontem, terça (8), este produto de comunicação que atinge tanta gente tinha como apresentador Bruno Aiub e Igor Coelho, conhecido como Igor 3K.
E é isso mesmo: até ontem. Isso porque Aiub, conhecido como Monark, foi demitido após defender a existência de um “partido nazista reconhecido pela lei” e que “se um cara quisesse ser antijudeu, eu acho que ele tinha o direito de ser”. A afirmação foi feita durante entrevista com os deputados federais Kim Kataguiri (Podemos) e Tabata Amaral (PSB).
Ontem a fala repercutiu nas redes sociais, o que provocou reação de famosos, patrocínios foram retirados; comunidade judaica e até da Procuradoria Geral da República, um órgão acima do Ministério Público, abriu uma investigação para apurar o caso e também questionar a participação de Kim Kataguiri. Monark vai responder na Justiça.
A percepção de que ainda hoje o conceito de liberdade de expressão ainda não está claro para as pessoas e que as consequências disso são graves. Monark não ocupa um espaço pessoal nas redes – assim como muitos outros influenciadores. Mesmo amador, ele ocupa um lugar de prestígio – não à toa estava com dois deputados ao seu redor – e pauta a opinião pública. Mas parece desconhecer a enorme responsabilidade adquirida com sua visibilidade.
Falas, pensamentos e posicionamentos como estes são criminosos e existe uma lei para puni-las. A Lei 7.716/89 afirma que “a veiculação de símbolos, ornamentos, emblemas, distintivos ou propaganda relacionados ao nazismo é crime, assim como praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.
A pena para este crime pode variar de dois a cinco anos de prisão. A Lei também prevê aplicação de multa, caso o crime tenha sido cometido por intermédio de meios de comunicação social, podendo ainda em alguns casos ser inafiançável e imprescritível.
Ainda segundo a Constituição, a liberdade de expressão é garantida, mas limitada por crimes como injúria, calúnia, difamação, assédio moral, homofobia, apologia ao crime e racismo. Justamente por isso, sua liberdade de se expressar e falar o que bem entender termina onde começa a liberdade do outro de existir, como afirmou Tabata Amaral, ao rebater, ao vivo, os comentários de Monark.
O gamer disse achar que “a esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical” no Brasil. Quando questionado por Tabata, ele se justificou dizendo que era uma opinião e ainda questionou: “As pessoas não têm o direito de ser idiotas?”. A deputada respondeu, afirmando que a “liberdade de expressão termina onde a sua expressão coloca em risco coloca a vida do outro. O nazismo é contra a população judaica e isso coloca uma população inteira em risco”.
“Deveria existir um partido Nazista legalizado no Brasil”
“Se o cara for anti-judeu ele tem direito de ser Anti-judeu”
Eu tinha achado que ele tinha superado todos os limites no último papo de racismo, mas ele conseguiu se superar de um jeito… pic.twitter.com/h9Tf7g8TYg
— Levi Kaique Ferreira (@LeviKaique) February 8, 2022
Após a repercussão nas redes, Monark se pronunciou no Instagram usando alguns velhos lugares comuns. Em vídeo, ele diz que algumas falas foram tiradas de contexto e que, na verdade, queria mostrar a hipocrisia de um regime como o comunismo ainda existir e do nazismo ser proibido, sendo que ambos mataram milhões de pessoas. Em seguida, pediu desculpas e justificou dizendo que estava muito bêbado.
Na teoria, a proposta do Flow é realmente interessante e justifica a grande audiência que ele tem. Ou tinha. Mas na prática, as coisas podem sair do controle. Não é de hoje que Monark usa a liberdade de expressão para falar atrocidades por aí – e é isto que também devemos questionar. Em outubro do ano passado, ele havia perguntado no Twitter se “ter uma opinião racista é crime?”. O tweet foi o que fez o iFood, na época um dos patrocinadores do projeto, interromper o vínculo comercial.
Este debate não pode morrer aqui. Afinal, quantos outros Monarks seguem por aí sendo ovacionados por suas falas que, sim, são criminosas? Um número grande de pessoas que concordam com você pode significar apenas um número grande de pessoas que estão pensando muito errado – e que tantas vezes só precisam de um líder que valide essas “opiniões”. Quem está sob os holofotes no palco que você anda seguindo por aí?