O programa Mais Você, da Rede Globo, mostrou uma matéria sobre cabelos afro na última quarta-feira, 23, mas a Ana Maria Braga e o Louro José, definitivamente, prestaram um desserviço ao aparecerem de peruca black power durante a abertura com a tradicional frase: “acorda, menina!”. Na sequência, a apresentadora falou que achava lindo o penteado e que não entendia o porquê de “as moças e os rapazes negros alisarem o cabelo”. Em seguida, o programa colocou no ar uma matéria explicando a história de luta, resistência e identidade que o black representa para nós, negros.
Na década de 20, o ativista jamaicano Marcus Garvey falava aos negros sobre a importância da nossa conexão com as raízes africanas e da quebra do padrão de beleza europeu ao usarmos nosso cabelo natural. Os ideais de Marcus foram essenciais para que ainda mais cabelos afro começassem a circular por aí, mas não dá pra fechar os olhos e desconsiderar a pressão que os negros já sofreram (e ainda sofrem) por conta disso. Mesmo com uma aceitação cada vez maior dos cabelos crespos e cacheados, sabemos que não vai ser do dia para a noite que todos vão se libertar dos padrões que já nos foram tanto impostos.
Podemos e usamos o cabelo da maneira que achamos mais confortável, e isso não quer dizer que você é mais ou menos negro ao alisar o cabelo, por exemplo. É claro que é essencial entender a maneira como isso impacta na sua vida e, principalmente na sua autoestima. Lembre-se, porém, que essa é e sempre será uma decisão apenas sua.
Conversei com a estudante Sophia Mattos, que usa o cabelo black power, para saber o que ela achou da polêmica. “Eu não vejo problema de ter matérias desse tipo e trazer negros para falar sobre a vivência, mas me incomoda uma apresentadora branca usando uma peruca black power. O cabelo loiro e liso nunca foi visto como algo pejorativo como o cabelo afro”, diz Sophia.
Ver um tema como esse na televisão é superimportante! O fato de usar um acessório para tentar reforçar que “acha bonito o cabelo afro”, entretanto, não funciona. Pelo contrário! A peruca só reforça estereótipos da nossa raça que foram ridicularizados ao longo da história. Se a ideia era valorizar o cabelo afro, a melhor opção seria levar uma pessoa negra ao programa para mostrar as técnicas de penteado, por exemplo.
A representatividade negra na mídia é um assunto que está sempre presente aqui na coluna O Nosso Lado da História. Além de reforçar que a cultura negra e as questões raciais devem ser mais discutidas, espero que esses temas sejam abordados com respeito. Perguntar por que não existe um funcionário com cabelo afro na produção e dar risada, como a apresentadora fez no programa, não é um bom jeito de lidar com o assunto.
Vale lembrar que estamos em um processo, que já era para ter começado há muito tempo, de desconstrução e quebras de alguns estereótipos. Por isso, a busca por informação e opinião de um grupo de pessoas que vai ser retratado em uma matéria é tão importante! E podemos levar isso para várias situações, como no trabalho da escola ou até durante uma conversa com os amigos. É o tal lugar de fala, sabe?
Aliás, você tem alguma dúvida sobre lugar de fala, conceito que busca dar espaço e visibilidade às pessoas que sofrem preconceito? Se sim, envia um e-mail para anacarolipa16@gmail.com ou deixa sua pergunta nos comentários para eu responder aqui na coluna, combinado?
Beijos
@anacarolipa