Não existe privilégio em ser homossexual
'A verdade é que hoje muitos gays usam o termo homofobia para que tenham privilégios', eles disseram...
Como é se deparar com a frase “a verdade é que hoje muitos gays usam o termo homofobia como habeas corpus para que tenham privilégios” no Dia Internacional Contra a Homofobia? Triste, desencorajador, revoltante, esperado. Neste 17 de maio, é importante que tenhamos uma conversa séria e que continue nos outros dias do ano: não existe privilégio em ser homossexual. Consequentemente, não existe nenhum tipo de privilégio em ser vítima de homofobia.
Talvez essa pessoa que reproduza a frase acima seja a mesma que diga que os homossexuais não sofrem preconceito ou que eles são vitimistas. Vale ressaltar que essa pessoa não necessariamente precisa ser hétero. Comentários do tipo podem ser feitos por pessoas da comunidade LGBTQ+. Sim, homossexuais podem ser homofóbicos.
É difícil compreender como uma pessoa pode realmente achar que outra que sofra preconceito possa ser privilegiada de alguma forma. Em 2017, Itaberli Lozano, de 17 anos, foi assassinado pela própria mãe que preferiu ter um filho morto a um filho viado. Itaberli foi privilegiado? Em 2015, Rafael Melo, de 14 anos, foi morto a pauladas no Espírito Santo. Em 2013, Eduardo Alves de Souza, de 17 anos, foi morto a tijoladas em Pernambuco. Exatamente de que maneira eles podem ter sido privilegiados?
A homofobia é um problema estrutural e muita gente acha que as iniciativas e os programas de proteção do movimento LGBTQ+ são uma espécie de privilégio. Em um panorama bastante generalizado, podemos dizer que é semelhante ao que acontece com as cotas. Há quem diga que os negros, pardos e indígenas são privilegiados por elas e até mesmo tirem o lugar de um aluno branco no vestibular. Isso não é verdade, porque, estatisticamente, os negros, pardos e indígenas ainda têm menos acesso à educação, principalmente a uma de qualidade. As cotas são políticas afirmativas temporárias, assim como muitos programas contra a homofobia. Ambas políticas existem para que um dia elas justamente não sejam mais necessárias. Para que um dia, mais pessoas possam postar a imagem abaixo com a legenda “minha mãe que tirou a foto”, como aconteceu com o Federico Devito recentemente.
https://www.instagram.com/p/Bispeq6nU0i/?hl=pt-br&taken-by=federicodevito
De acordo com o Grupo Gay da Bahia, a cada 25h, um homossexual é assassinado no Brasil – o país que mais mata homossexuais, travestis e transexuais no mundo. Não existe privilégio nisso nem em ouvir comentários do tipo: “anda que nem homem”, “isso é falta de porrada”, “pura sem-vergonhice”. Muitos comentários homofóbicos, que contribuem para esse problema estrutural da sociedade, são disfarçados de “minha opinião”, e isso é muito perigoso! De minha opinião em minha opinião, acabamos reproduzindo tudo aquilo que o movimento LGBTQ+ luta diariamente para que não seja mais reproduzido. A própria data do Dia Internacional Contra a Homofobia tem a ver com isso. No dia 17 de maio de 1990, a homossexualidade foi excluída da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da OMS (Organização Mundial da Saúde). Até então, ela era vista como doença. Isso só mudou nos anos 90. Faz apenas 28 anos que isso aconteceu. Alguém disse privilégio?
Quando a gente fala que um problema é estrutural significa que ele é cultural e está intrínseco em nossa sociedade desde muuuuito tempo. A homossexualidade, como vimos acima, já foi vista como doença. Durante a 2ª Guerra Mundial, ela era tratada como uma anormalidade e homossexuais eram vítimas de experimentos médicos e torturas nos campos de concentração. De acordo com o historiador John Boswell, na Idade Média, a união entre pessoas do mesmo sexo era oficializada religiosamente, mas, no século XIII, a Igreja reformulou a ideia do casamento, que passaria a ser para fins de reprodução. Consequentemente, a união homoafetiva foi condenada. Esses são somente alguns exemplos de como a cultura é moldada ao longo dos anos. De pai para filho, essas ideias eram e são passadas até hoje. Mas as coisas estão, sim, mudando. Em dezembro de 2017, a jornalista Fernanda Gentil participou do programa Saia Justa, da GNT, e disse que se surpreendeu com a reação do filho mais velho quando contou para ele que estava namorando uma mulher. “É só isso?”, perguntou a criança. Para a repórter esportiva, o garoto lhe deu a certeza de que a homofobia e qualquer outro tipo de preconceito é mesmo estrutural, construído ao longo dos anos e pelo meio em que as pessoas vivem.
O privilégio está em amar quem você quiser, mas poucos ainda têm essa sorte. Ou, melhor dizendo, esse direito. Que todos possamos ser privilegiados!