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Ministra Damares Alves parece não saber (ou ignorar) o que é lugar de fala

O principal destaque de uma reunião para idealizar uma campanha destinada às mulheres foi... Isso mesmo, um homem.

Por Isabella Otto Atualizado em 20 fev 2019, 10h51 - Publicado em 20 fev 2019, 10h49

Não existe outra maneira de começar esta matéria senão pedindo para você observar a publicação abaixo, postada pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, na última terça-feira, 19, no Twitter. A advogada e pastora convidou o maquiador Agustin Fernandez para ajudá-la a estruturar uma campanha de combate à violência contra a mulher. Atente-se:

Sim, você não leu errado. A ministra convidou um homem para opinar sobre uma campanha idealizada para o Dia da Mulher. Damares ainda disse que, com a sabedoria e estratégia de Augustin, “iremos desenvolver políticas de qualidade para capacitação profissional das vítimas”. É claro, pois um homem branco realmente sabe das dores de ser uma mulher. Se formos levar em conta que as mulheres negras e de classe média baixa são as maiores vítimas de feminicídio no Brasil, a “sabedoria” de um homem branco de classe média alta realmente faz toda a diferença.

A reunião da tarde da última terça contou com a presença de outras pessoas, inclusive de mulheres, mas isso seria o mínimo levando em conta a pauta em questão. É complicado eleger um grupo restrito de pessoas para pensar por um todo, e o Brasil é um país muito grande e com muitas vivências, mas o mínimo de representatividade que se espera em uma reunião que se discute um projeto de Dia da Mulher é que haja uma maioria de pessoas do sexo feminino envolvida no debate. Damares, contudo, voltou todos os holofotes para o maquiador, automaticamente tirando o foco das mulheres presentes.

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Alguns dos presentes na reunião para discutir a pauta do Dia da Mulher. Reprodução/Reprodução

Essa somatória de atitudes da ministra mostra que ou ela desconhece discussões sobre lugar de fala e representatividade ou ela simplesmente não se importa com tais questões – o que configura um cenário muito mais terrível. Nos Stories postados por Augustin Fernandez, dá para ver que algumas mulheres participaram da reunião e tiveram espaço para serem ouvidas. Por que então dar biscoito para macho nas redes sociais? O maquiador teria lugar de fala (e ainda com algumas ressalvas, vide discursos que já propagou na internet) se a campanha em questão fosse de combate à homofobia, por exemplo, mas ele não tem lugar de fala em um projeto de combate à violência contra a mulher. Essa é, sim, uma luta que todos podem e devem aderir, mas uma coisa é você tomar atitudes no seu dia a dia que ajudem a combater o feminicídio, outra totalmente diferente é dar voz para um homem em um assunto referente às mulheres.

O pobre Augustin que foi marcado no Twitter pela ministra dos Direitos Humanos. Reprodução/Reprodução

Como se a coisa toda não pudesse ficar mais incoerente, Damares se esqueceu de que o @ do maquiador no Twitter não é o mesmo @ que ele usa no Instagram. Logo, marcou uma pessoal totalmente aleatória na rede social do passarinho para agradecer a parceria “de sucesso”. A ministra, que estava usando um terninho azul no dia da reunião, ainda ironizou toda a polêmica com a qual se envolveu quando disse que meninas devem usar rosa e meninos, azul. “Eu sou menina, menina também veste azul”, falou aos risos para Augustin, ironizando toda uma discussão séria sobre identidade de gênero. Inocência ou descaso?

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No Instagram, Augustin foi uma pouco mais cuidadoso ao se referir à reunião e postou uma foto mostrando que havia mais mulheres envolvidas na discussão além de Damares. Ele também aproveitou para justificar o fato de ter recebido o convite para participar do desenvolvimento da campanha: “como eu disse, embora eu seja homem e a campanha seja para mulheres, o meu público é 80% formado por mulheres, totalizando 4 milhões de mulheres entre Face e Insta. Vocês serão nosso canal de resgate”, escreveu.

Ufa. Agora estamos muito mais tranquilas, né, mulherada? Realmente o contato com pessoas do sexo feminino nas redes sociais substitui a vivência de ser uma mulher na sociedade.

Recebendo os biscoitos… Eu conto ou vocês contam? Reprodução/Reprodução
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