Ministra Damares Alves parece não saber (ou ignorar) o que é lugar de fala
O principal destaque de uma reunião para idealizar uma campanha destinada às mulheres foi... Isso mesmo, um homem.
Não existe outra maneira de começar esta matéria senão pedindo para você observar a publicação abaixo, postada pela ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, na última terça-feira, 19, no Twitter. A advogada e pastora convidou o maquiador Agustin Fernandez para ajudá-la a estruturar uma campanha de combate à violência contra a mulher. Atente-se:
Sim, você não leu errado. A ministra convidou um homem para opinar sobre uma campanha idealizada para o Dia da Mulher. Damares ainda disse que, com a sabedoria e estratégia de Augustin, “iremos desenvolver políticas de qualidade para capacitação profissional das vítimas”. É claro, pois um homem branco realmente sabe das dores de ser uma mulher. Se formos levar em conta que as mulheres negras e de classe média baixa são as maiores vítimas de feminicídio no Brasil, a “sabedoria” de um homem branco de classe média alta realmente faz toda a diferença.
A reunião da tarde da última terça contou com a presença de outras pessoas, inclusive de mulheres, mas isso seria o mínimo levando em conta a pauta em questão. É complicado eleger um grupo restrito de pessoas para pensar por um todo, e o Brasil é um país muito grande e com muitas vivências, mas o mínimo de representatividade que se espera em uma reunião que se discute um projeto de Dia da Mulher é que haja uma maioria de pessoas do sexo feminino envolvida no debate. Damares, contudo, voltou todos os holofotes para o maquiador, automaticamente tirando o foco das mulheres presentes.
Essa somatória de atitudes da ministra mostra que ou ela desconhece discussões sobre lugar de fala e representatividade ou ela simplesmente não se importa com tais questões – o que configura um cenário muito mais terrível. Nos Stories postados por Augustin Fernandez, dá para ver que algumas mulheres participaram da reunião e tiveram espaço para serem ouvidas. Por que então dar biscoito para macho nas redes sociais? O maquiador teria lugar de fala (e ainda com algumas ressalvas, vide discursos que já propagou na internet) se a campanha em questão fosse de combate à homofobia, por exemplo, mas ele não tem lugar de fala em um projeto de combate à violência contra a mulher. Essa é, sim, uma luta que todos podem e devem aderir, mas uma coisa é você tomar atitudes no seu dia a dia que ajudem a combater o feminicídio, outra totalmente diferente é dar voz para um homem em um assunto referente às mulheres.
Como se a coisa toda não pudesse ficar mais incoerente, Damares se esqueceu de que o @ do maquiador no Twitter não é o mesmo @ que ele usa no Instagram. Logo, marcou uma pessoal totalmente aleatória na rede social do passarinho para agradecer a parceria “de sucesso”. A ministra, que estava usando um terninho azul no dia da reunião, ainda ironizou toda a polêmica com a qual se envolveu quando disse que meninas devem usar rosa e meninos, azul. “Eu sou menina, menina também veste azul”, falou aos risos para Augustin, ironizando toda uma discussão séria sobre identidade de gênero. Inocência ou descaso?
No Instagram, Augustin foi uma pouco mais cuidadoso ao se referir à reunião e postou uma foto mostrando que havia mais mulheres envolvidas na discussão além de Damares. Ele também aproveitou para justificar o fato de ter recebido o convite para participar do desenvolvimento da campanha: “como eu disse, embora eu seja homem e a campanha seja para mulheres, o meu público é 80% formado por mulheres, totalizando 4 milhões de mulheres entre Face e Insta. Vocês serão nosso canal de resgate”, escreveu.
Ufa. Agora estamos muito mais tranquilas, né, mulherada? Realmente o contato com pessoas do sexo feminino nas redes sociais substitui a vivência de ser uma mulher na sociedade.