Continua após publicidade

Larissa Nunes, de Coisa Mais Linda, fala sobre a liberdade da mulher negra

Em entrevista para a CAPRICHO, a atriz fala sobre o racismo ser o crime perfeito e questiona: "Por que a gente precisar lidar só com uma Beyoncé no mundo?"

Por Isabella Otto Atualizado em 20 nov 2020, 16h56 - Publicado em 20 nov 2020, 14h11
colecao capricho sestini mochila bolsas
CAPRICHO/Sestini/Reprodução

Dentre as muitas estreias de sucesso da Netflix neste 2020, tivemos a 2ª temporada de Coisa Mais Linda, em junho. A personagem Ivone, vivida por Larissa Nunes, chegou para integrar o time de mulheres maravilhosas formado por Malu (Maria Casadevall), Thereza (Mel Lisboa), Adélia (Pathy Desejus) e Ligia (Fernanda Vasconcellos). E a atriz, na vida real, carrega muito da Ivone, viu? Assim como a personagem, Lari também é cantora, além de atriz e compositora, e uma mulher forte e determinada, que não abaixa a cabeça para a sociedade que insiste em rotulá-la pela cor da pele.

Instagram/Netflix/Reprodução

Em entrevista exclusiva, Larissa Nunes fala sobre ser uma mulher negra no Brasil, explica por que considera o racismo o crime perfeito, debate sobre liberdade e privilégios, e dá um recado para as adolescentes negras que acompanham a CAPRICHO

CH: Vivemos no país mais racista do globo e um dos mais misóginos. Como é ser uma mulher negra no Brasil?

Larissa Nunes: É lidar com dificuldade e com o fato de que você nunca é o bastante para muita gente. Mas ao mesmo tempo é um processo de cura, de amor próprio, é aquilo que faz com que sua vida faça mais sentido. A gente está sempre furando bolhas no nosso trabalho, na nossa vida amorosa, com nossos amigos. É um trabalho muito árduo todos os dias e nem sempre a gente precisa dar conta de tudo. Então, cada vez mais eu tenho olhado para mim, respirado e percebido que não preciso ser forte o tempo todo.

Continua após a publicidade

CH: Uma das pautas do feminismo negro é que mulheres negras precisam ocupar espaços já dominados por mulheres brancas. Quais são esses espaços?

Larissa Nunes: Eu acredito que existe uma diferença principalmente nas esferas de poder. A gente consegue ver mais diretoras, mentoras e chefes brancas em relação a mulheres negras, e a gente precisa se questionar por que isso acontece. Eu acho que uma das correntes mais fortes do feminismo, quando a gente lê Audre Lorde, por exemplo, e ela diz que não existe hierarquia de opressão, é também olhar para todas nós vendo nossas diversidades e dificuldades, e sabendo entender que existe um lugar que eu consigo chegar e as outras não conseguem. Por que a gente precisar lidar só com uma Beyoncé no mundo? Porque é difícil ver mulheres pretas ocupando grandes lugares, grandes escalas de influência. Precisamos observar isso nos próximos anos para o feminismo fazer tanto sentido.

CH: Você acredita que o feminismo negro é necessário para a libertação da mulher negra?

Larissa Nunes: Esse processo aconteceu comigo. O feminismo me libertou de muitas coisas e conhecer as feministas pretas, como Audre Lorde e Bell Hooks, me ajudou a me colocar como mulher negra na sociedade. Isso é muito importante! Acredito que esse processo de autonomia, contudo, deve nos dar escolhas, e já existem outras correntes filosóficas e políticas que já estão sendo seguidas por outras mulheres pretas. Então, hoje, a gente está caminhando para um lugar onde cada uma entende, a partir de sua diversidade, como ocupar politicamente a sociedade. Porque foi tirado isso da gente, o poder de escolha, e isso é imprescindível para qualquer passo de emancipação para todas as mulheres pretas.

CH: Hoje, você se considera uma mulher livre?

Larissa Nunes: Nossa, essa pergunta é bem difícil! (risos nervosos) A sociedade não permite que a gente elabore isso ao longe de nossas vidas. A gente não foi criada para pensar o que é liberdade. Para mim, liberdade tem a ver com transformação, se eu consigo transformar meu corpo, minha cabeça, se eu tenho um processo de autoconhecimento firme e forte. Dentro do meu trabalho, se eu posso dizer aquilo que eu gosto e não gosto, aquilo que aceito e não aceito, ter autonomia com meu bolso… São pequenas pílulas de liberdade que a gente toma ao logo da vida e podemos entender que os nossos desejos têm a ver com a liberdade, e que eles podem transformar e serem transformados. É muito cíclico. Cada momento em que a gente lida com a liberdade, vai ser uma outra pessoa, outra mulher lidando com aquilo. Liberdade é se permitir ser cíclica.

Ivone, a única em pé, com seu grupo de mulheres superpoderosas em cena de “Coisa Mais Linda” Netlfix/Divulgação

CH: Pra você, porque “o racismo é o crime perfeito”?

Larissa Nunes: Eu gosto bastante de dizer essa frase, porque o racismo faz com que a gente reproduza o auto-ódio e construa uma autoestima muito baixa. Então, faz com que ele seja cada vez mais sedimentado na sociedade e a gente não consegue encontrar um culpado ou culpada, mas todo mundo sabe que ele existe. Então, pra mim, tem essa facilidade de se reproduzir mais [o racismo] e a gente tem que estar sempre se observando e vendo como as pessoas estão lindando com nossa negritude. É uma manutenção muito importante que precisamos fazer como pessoas pretas.

CH: Você acredita em privilégios? Você se considera de alguma forma privilegiada por ser atriz e cantora, e ter participado de uma série da Netflix?

Larissa Nunes: Eu acho muito interessante essa pergunta, porque a gente sempre tem que estar vendo, não somente quando a gente é oprimido, mas quando a gente está também em um lugar de vantagem. Eu não acredito que haja privilégios para pessoas pretas ou outros corpos dissidentes no Brasil. Eu, como artista, eu tive a vantagem de poder viver como atriz e seguir o meu caminho, mas isso não significa que eu não tenha minhas dificuldades ou que não sofra em muitos lugares da minha vida. Pessoas pretas têm muitas histórias diversas e a gente tem que acreditar nelas.

CH: Quais conselhos você daria para as adolescentes negras que acompanham a CAPRICHO?

Larissa Nunes: Ah, mulheres maravilhosas! Nossa, a CAPRICHO fez parte da minha história, da minha adolescência, e eu quero dizer para todas as mulheres, principalmente as mulheres negras, para seguirem seus sonhos, não importa quem, como ou sei lá o que tentem impedir vocês de realizarem eles. A gente está no mundo para transformar. As mulheres que vieram antes fizeram todo o corre para que hoje a gente se coloque no mundo com autonomia, com fortaleza. Eu acredito que a arte me transformou e existe alguma coisa que vai te transformar e fazer com que você crave seu nome na história. A força está em você! Acredite muito nisso.

Continua após a publicidade

View this post on Instagram

A post shared by CAPRICHO (@capricho)

Publicidade