Kathlen Romeu: mulher, mãe, negra e mais uma vítima do Estado Policial
A designer e modelo de 24 anos foi morta em confronto armado na comunidade do Lins, no RJ; ela estava grávida de seu primeiro filho
Mais uma vida negra foi interrompida em uma comunidade do Rio de Janeiro durante um confronto armado. Kathlen Romeu, de 24 anos, designer de interiores, vendedora da FARM e modelo, foi morta na comunidade do Lins, na zona norte da cidade. A jovem, que estava grávida de quatro meses, foi, segundo a PM, vítima de uma bala perdida.
As autoridades ainda disseram que tudo se deu porque policiais da UPP (Unidade da Polícia Pacificadora) foram encurralados por membros de uma facção conhecida como “Beco da 14”. Durante a troca de tiros, Kathlen acabou sendo atingida. A vítima chegou a ser encaminhada para o Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, mas não resistiu.
Marcelo Ramos, namorado da jovem, se pronunciou nas redes sociais sobre o ocorrido. Ele disse estar completamente sem chão e que nem ela nem o bebê, que se chamaria Maya, se fosse menina, ou Zayon, se fosse menino, serão esquecidos. “Às vezes, é difícil entender a vontade de Deus, mas sei que você está melhor que nós. Aqui só vai ficar saudades e as lembranças de você, a pessoa mais radiante e animada que eu conheci na minha vida. Vou vencer por você! Que Deus me dê forças. Eu te amo eternamente”, publicou no Instagram.
Luciano Gonçalves, pai da modelo, também se pronunciou em um apelo emocionante ao Bom Dia Rio, da TV Globo “Noventa e nove por cento da comunidade são pessoas de bem. A mesma operação que tem constantemente na nossa área, na Zona Sul não tem. Minha filha era a coisa mais especial da minha vida. Uma pessoa do bem, inteligente”, desabafou. Após a reportagem, o jornalista a apresentador, Flávio Fachel, culpou os criminosos pelo ocorrido. “A bandidagem domina essas áreas onde o Estado não está presente” , falou. A PM garante que o tiro que matou a jovem não partiu de uma arma pertencente à polícia e que nenhuma ação policial estava ocorrendo no local.
A Polícia Civil informou que “testemunhas serão ouvidas e diligências realizadas para esclarecer todos os fatos e identificar de onde partiu o tiro que atingiu a vítima”. Um protesto na Autoestrada Grajaú-Jacarepaguá aconteceu logo após a jovem e seu filho virem à óbito. Nas redes, a revolta por mais uma vida negra perdida em uma comunidade carioca é grande – e necessária. “Não é possível que pra gente só sobra dor. E só dói, porque a gente chora a morte do filho, do pai, do tio, e não temos a oportunidade de sonhar. Essa dor que o Estado nos joga no colo sempre, a gente coloca onde? Onde nosso ódio vai nos mover? Estado genocida”, escreveu a ativista dos Direitos Humanos e colunista da Revista Autismo, Luciana Viegas, no Twitter.
Essa dor que o Estado nos joga no colo sempre, a gente coloca onde? Onde nosso odio vai nos mover?
ESTADO GENOCIDA. E para nós sobra o que alem desse nó na garganta e o medo de saber que qualquer dia desses pode ser eu ou os meus.Que os guias protejam e consolem a família.
— luciana viegas ♿ (@luu_viegas) June 8, 2021
Diego Tbt, professor de História e membro do coletivo Gazela Negra, também se manifestou: “É revoltante, mas dá nada. O Estado mete sigilo de cinco anos na investigação e os assassinos continuam aí. Não há salvação em Estado Policial. É morte pra nós”, disse.
Acabei de saber do caso da Kethlen Romeu e infelizmente não tenho nada a dizer que já não tenha dito dezenas de vezes.
É revoltante, mas dá nada. O Estado mete sigilo de 5 anos na investigação e os assassinos continuam aí.
Não há salvação em Estado Policial. É morte pra nós.
— Diego Tbt (@ReTintaPreta) June 8, 2021
Famosos também começaram a se indignar nas redes. Nanda Costa compartilhou no Instagram o print de um tweet questionando quantas vidas pretas serão necessárias para que as pessoas comecem a se importar.
O escritor e colunista Atila Roque, cuja postagem foi compartilhada pela atriz, usou as redes para mandar um recado para os colegas jornalistas: “Não aceitem a versão oficial, não repitam que foi uma troca de tiros nem bala perdida. Não chamem esse desastre de operação policial. Não sejam parte da ocultação desse genocídio”, escreveu.
Nessa quinta-feira, 10, completaria uma semana desde que Kathlen Romeu compartilhou a notícia de que estava grávida no Instagram. “Hoje estou escrevendo este texto me sentindo muito feliz e preenchida. Sinto que agora eu tenho um motivo maior para ser a pessoas mais foda de todos os tempos! Sabe aquela menina-mulher que as pessoas admiram e tem orgulho?! Hoje ela quer ser mais e mais!!! Tudo por esse serzinho que eu carrego aqui dentro!”, celebrou a jovem mamãe de 24 anos a vida, que na última terça foi interrompida. “Uma notícia que se repete com tanta frequência que dá náusea. Inocentes. Pretos. Mortos. Operação policial. O Estado brasileiro não está em guerra contra as drogas. Está, desde sua formação, servindo ao extermínio da população preta e periférica. Não dá mais pra fingir que não“, pontuou o ator Icaro Silva no Instagram.