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Estas cenas foram gordofóbicas em ‘Wonka’ e te explicamos o porquê

Filme conta a juventude de Willy Wonka com magia e música, mas peca (e muito) ao colocar cenas gordofóbicas como alívio cômico

Por Mavi Faria 15 dez 2023, 15h37

Recentemente, estreou no Brasil um dos filmes mais aguardados do ano: “Wonka”. Com uma equipe de peso, a expectativa sobre o longa era imensa, ainda mais pelos seus antecessores de grande sucesso, as versões de “A Fantástica Fábrica de Chocolates” de 1971 e a de 2005. Embora ambientados no mesmo universo, cada filme e protagonista tem uma personalidade única, e “Wonka” é o que mais se difere deles por ser um musical e por não contar a história da fábrica em si, mas ter como foco a juventude do seu criador, Willy Wonka, interpretado por Timothée Chalamet.

A atualização possui, sim, uma abordagem muito lúdica, encantada e mágica, atraindo o público infantil – e também qualquer um que goste de fugir da realidade e se deixar levar pela magia. Porém, a forma como a trajetória de um dos personagens foi se apresentando é ruim e questionável. Da metade do filme para o final, o Chefe de Polícia, personagem de Keegan-Michael Key, possui diversas cenas gordofóbicas. Não podemos deixar isso passar batido.

Por que estas cenas de ‘Wonka’ são gordofóbicas

Para conseguir explicar e mostrar exatamente o porquê dessas cenas serem ofensivas, é preciso dar alguns pequenos spoilers – não daqueles que atrapalham muito a experiência de quem vê o filme, mas são spoilers de qualquer maneira.

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Antes de entrar especificamente nas cenas ~muito~ problemáticas, vamos ao contexto: Willy quer vender seus doces em uma cidade onde há um cartel dos chocolates, ou seja, três empresas se unem para não deixar existir nenhum outro concorrente para que, assim, elas tenham o domínio da produção e do lucro.  Para manter esse esquema, os três empresários subornam pessoas poderosas com chocolates, entre elas diversos padres, monges e o Chefe da Polícia. 

Ao longo do filme, o cartel pede repetidas vezes para que o Chefe de Polícia organize um esquema para prender ou impossibilitar que Willy venda seus chocolates e o meio para conseguir convencê-lo é o suborno com o doce, que funciona muito bem, uma vez que o Chefe da Polícia é viciado em chocolate

Quanto mais suborno precisa ser feito e mais chocolate o policial vai comendo, mais ele engorda. Em um intervalo de duas semanas, ele aparenta ter engordado o dobro do seu peso – por meio da controvérsia técnica fat suit, ou seja, quando o ator passa por uma série de transformações com enchimento, maquiagem e máscaras de látex para parecer gordo. 

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Os comentários ou cenas sobre o peso do personagem aparecem sempre como uma “piada” ou uma “descontração” em uma cena séria, como quando o Chefe da Polícia é chamado na Igreja porque Wonka e Noodle (Calah Lane) invadiram o cofre do cartel e todos ficam encarando em silêncio o Chefe da Polícia ter dificuldade para sair do carro porque ele é maior que a porta. Ou também quando ele se agacha no chão e não consegue levantar mesmo com muito esforço, e precisa da ajuda de um dos policiais para se levantar, tudo com um toque de ridicularidade.

Por que exatamente essas cenas são engraçadas? Ou melhor, por que, em pleno 2023, um filme de grande alcance e com uma equipe inteira tão famosa precisaria utilizar piadas gordofóbicas para ter descontração ou humor? Como que, nesta altura do campeonato, o corpo gordo continua sendo alvo de chacota e visto como ridículo? 

O Chefe de Polícia, interpretado por Keegan-Michael Key, sentado no meio dos três empresários do cartel do chocolate, enquanto é subornado.
O Chefe de Polícia, interpretado por Keegan-Michael Key, sentado no meio dos três empresários do cartel do chocolate, enquanto é subornado. Imdb/Reprodução

‘Wonka’ não modernizou como deveria

Algumas pessoas podem pensar que é pela ambientação do filme, para seguir a lógica dos anteriores ou por causa do livro de Roald Dahl. Primeiro, em “Wonka” não temos nenhuma data específica ou período, até porque é uma fantasia, em que os chocolates têm o poder de fazer voar. E, mesmo se houvesse uma marcação temporal, isso não necessariamente é uma permissão para a gordofobia – e se fosse, teriam muitas outras formas de abordar essa questão, não como “piada”

Sobre os dois filmes anteriores, não tem muito o que dizer, porque eles possuem cenas gordofóbicas e acredito que todos que já assistiram perceberam. Mas, novamente, será que isso faz com que “Wonka” precise ter esse tipo de cena? Tendo em vista que aparentemente os produtores do filme tiveram muita liberdade em analisar o que dos antigos serviria de inspiração e o que não. A gordofobia realmente precisava ficar?

Há muito, muito tempo, o corpo gordo é alvo de comentários de todos os tipos. Cenas como as descritas acima ou também uma em que um dos empresários, ao subornar o Chefe de Polícia, comenta que ele conhece um alfaiate que pode produzir uniformes que escondam as “gordurinhas”, podem ser vistas como comédia com uma facilidade incrível. Fomos acostumados a entender que esses comentários e insinuações são comuns, assim como acreditar que a pessoa gorda não é uma pessoa saudável, e sim “desleixada que não cuida da alimentação e não pratica exercício físico”. 

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Nas redes, a galera, principalmente na gringa, percebeu isso e manifestou seu descontentamento em relação a esse aspecto no filme. Um usuário chamado Chris Morse questionou, em vídeo do TikTok, por exemplo, se “Wonka” será o filme em que perceberemos que utilizar fat suit é desnecessário e que “piadas” gordofóbicas não tem graça, ou se iremos precisar de mais meia dúzia de filmes. Em outro vídeo, ele também explica como pessoas que fazem piadas gordofóbicas tendem a não enxergar a pessoa gorda como uma pessoa bem e feliz, uma vez que, para eles, uma pessoa gorda necessariamente precisa querer ficar magro.

@profbrainfever

Is the fact they’re unfunny enough to get rid of them? #wonka #filmtok #fatsuit #fat #fatjoke #fatacceptance #fatrepresentation #antifatbias #fatphobia

♬ original sound – Chris Morse

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A dificuldade do Chefe de Polícia, após ter engordado, é um problema real que pessoas gordas enfrentam e que não devemos, nunca, enxergar isso como piada, e sim procurar saber como ajudar. Nenhuma pessoa deveria ficar desconfortável no banco do ônibus, do metrô ou do avião porque podem ser espaços muito apertados para elas. Uma dificuldade de se locomover ou se levantar, por exemplo, como mostra no filme, também não é uma situação engraçada, de forma alguma. 

Infelizmente, essas cenas em um filme que tinha o intuito de ser lúdico, divertido e encantador destruíram grande parte da beleza. O plot twist do Chefe da Polícia ser, exclusivamente, o fato dele ficar gordo não serve de alívio cômico. Na verdade, só nos faz questionar: quando será o fim do fat suit e das “piadas” gordofóbicas?

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