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Justiça nega aborto legal à vítima de estupro de 11 anos. Entenda o caso

CAPRICHO responde 5 perguntas sobre caso que tomou as redes sociais com a hashtag #CriançaNãoÉMãe.

Por Bruna Nunes Atualizado em 30 out 2024, 15h51 - Publicado em 21 jun 2022, 18h02
imagem de Joana Ribeiro, branca, loira e vestindo blusa azul, dando entrevista
Joana Ribeiro está sendo investigada por sua conduta na audiência. Solon Soares/Assembleia Legislativa de Santa Catarina/Reprodução

Uma juíza de Santa Catarina manteve uma menina de 11 anos, grávida após ser vítima de estupro, em um abrigo para evitar que ela tenha acesso ao aborto legal. Talvez você não saiba, mas aqui no Brasil, a interrupção voluntária da gravidez já é permitida por lei caso haja gravidez em caso de estupro, risco à vida das mulheres e meninas e anencefalia do feto – que é quando não há atividade cerebral.

O caso ganhou repercussão após reportagem do site The Intercept Brasil em parceria com o Portal Catarinas. Ambos tiveram acesso à documentos exclusivos do processo, além do vídeo de uma audiência realizada com a presença da mãe da menina sobrevivente à violência. Nele, a Joana Ribeiro Zimmer induz a menina – com 22 semanas de gestação – a desistir de realizar o procedimento. “Suportaria ficar mais um pouquinho?”, pergunta a magistrada na gravação.

 

 

A criança foi conduzida para um abrigo, segundo as autoridades, para protegê-la de seu agressor. Entretanto, de acordo com reportagem a intenção era também impedir que acesso ao aborto legal. Após a divulgação do caso, ativistas, especialistas e autoridades se manifestaram sobre o caso nas redes sociais e a hashtag #CriançaNãoÉMãe ganhou visibilidade.

A gente sabe: o caso parece complexo demais para entender. Mas, neste texto, a CAPRICHO responde 5 dúvidas para que você entenda melhor o caso.

1. Como tudo começou?

Segundo o The Intercept, no início de maio, a mãe da criança a levou ao Hospital Universitário da UFSC, localizado em Florianópolis (SC), para realizar o procedimento. O pedido, contudo, foi negado. A instituição afirmou que o procedimento só é feito sem autorização judicial até a 20ª semana de gestação – na ocasião, a menina já estava de 22 semanas e dois dias de gestação. Importante lembrar que o ciclo completo de uma gravidez chega ao fim perto de 38 a 40 semanas. Ou seja, ela já estava quase na metade do processo de gestação, após sobreviver a uma violência.

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2. O que aconteceu após a negativa do hospital?

A mãe recorreu à Justiça para conseguir a autorização para o procedimento – mas caiu em uma confusão jurídica, que a passou de profissional para profissional e não resolveu o problema. Inicialmente, a autorização para realizar o aborto legal foi concedida pelo juiz Mônani Menine Pereira, do Tribunal do Júri de Florianópolis.

“A negativa de pretensão pelo Judiciário sujeitaria não só a criança, mas toda a família da paciente ao sofrimento psicológico intenso, inclusive diante dos riscos que a gravidez representa à própria vida da infante, conforme anotações médicas juntadas”, justificou Pereira em documento que o Intercept teve acesso.

Porém, no dia seguinte, o próprio magistrado mudou sua decisão. Isso aconteceu após uma petição organizada pelo Ministério Público de Santa Catarina, que alegou que a Vara da Infância e a Vara Criminal da Comarca de Tijucas já estavam conduzindo o caso. Ou seja, duas áreas do sistema não poderiam estar cuidando o mesmo caso.

3. Qual era o estado de saúde da menina?

Ainda segundo a reportagem, o primeiro laudo médico realizado apontava nível baixo de riscos de para a manutenção da gravidez. Na sequência, porém, novos exames foram feitos e um novo laudo apontou que a vida da menina estava em risco.

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Ela poderia sofrer anemia grave, eclâmpsia, ter hemorragias e sequelas emocionais. Com estas informações em mãos, a juíza e promotora do caso, Mirela Dutra Alberton, ao invés de autorizar o procedimento para garantir a integridade física da menina, decidiram seguir com a ideia da adoção.

4. O que as promotoras falam durante a audiência?

Em determinado momento do vídeo que o Intercept teve acesso, as profissionais compartilham informações falsas – como, por exemplo, que o feto saía com vida do útero, para então morrer “agonizando” -, afirmam que a tragédia que está acontecendo com ela pode ser a “felicidade de um casal”.

Ambas ainda afirmaram que o aborto agora seria caso de homicídio e eutanásia, e questionam a vítima se o “pai da criança” autorizaria a adoção. No caso, o “pai” é o agressor que cometeu a violência sexual contra ela. 

Emocionada, a mãe diz que a filha não entende o que está acontecendo com ela. A fala é respaldada pela médica obstetra Emarise Medeiros Paes de Andrade, que participou de uma das audiências com a advogada da família e explicou que a criança “é uma pessoa que tem imaturidade cognitiva, biológica e emocional para tomar uma decisão”.

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4. As profissionais do sistema de justiça serão punidas?

Após vir à tona, o caso tomou grandes proporções e a conduta da juíza, da promotora e da Vara Criminal geraram indignação. As frases “estuprador não é pai” e “criança não é mãe” ficaram entre os assuntos mais comentados do Twitter, e artes foram compartilhadas no Instagram, chamando a atenção o caso.

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Uma publicação compartilhada por @caverbuck

Após a repercussão, a Corregedoria Nacional do Ministério Público – um órgão que investiga a atuação de profissionais do sistema judiciário – anunciou que vai apurar a conduta da promotora Mirela Dutra Alberton, para “averiguar possível infração disciplinar praticada por membro do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, no que concerne à atuação em feito judicial no qual se buscava a interrupção de gravidez de uma menor vítima de estupro”.

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Já Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) se manifestou sobre a conduta da juíza Joana Ribeiro Zimmer e disse que, apesar do processo correr em segredo de justiça, a Corregedoria-Geral de Justiça “já instaurou pedido de providências na esfera administrativa para a devida apuração dos fatos”.

5. Afinal, o procedimento será realizado?

Na última terça-feira (21), a desembargadora Cláudia Lambert autorizou a saída da criança do abrigo onde estava mantida há mais de um mês; assim, ela voltará a morar em sua casa, sob os cuidados de sua família. Em decisão, segundo o G1, ela afirma que “no aconchego do lar, a agravante [criança] terá melhores condições psicológicas para enfrentar este momento tão delicado”, mas reforçou que a realização ou não do aborto é algo que compete apenas ao juízo criminal.

Já nesta quarta-feira (22), o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que o hospital que negou o aborto legal, realize o procedimento na criança “caso venha a procurar o Hospital Universitário e manifeste seu consentimento através de representante legal”.

Documento assinado pela procuradora Daniele Cardoso Escobar recomenda que o hospital, ligado à Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, garanta a pacientes no geral a realização do aborto legal nas hipóteses previstas em lei – em caso de estupro, de risco à vida da gestante e de anencefalia do feto, como já te contamos neste texto.

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Ela enfatiza que, nessas condições, o aborto pode ser realizado por médico “independentemente da idade gestacional e peso fetal, sendo desnecessária qualquer autorização judicial ou comunicação policial”.

 

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