É hora de ‘perder tempo’ com aqueles que realmente importam para você
A gente sempre vai se arrepender de alguma coisa, mas, nessa hora, esses momentos em que não deixamos para lá são justamente nossa arma mais poderosa.
Algumas pessoas são ótimas escrevendo, outras falando em público, tem ainda aquelas que são boas expressando seus sentimentos em forma de arte. Muitas pessoas têm o raciocínio rápido e conseguem organizar suas ideias. Outras tantas se dão melhor com as palavras quando estão com um papel e uma caneta na mão – ou diante de um aparelho eletrônico. Mas é difícil, para não dizer impossível, encontrar alguém que nunca tenha se arrependido de algo que disse ou que tenha deixado de dizer. Até uma criança pode carregar esse arrependimento e ele talvez seja uma das coisas mais doídas da vida.
Costumamos nos fechar por diversas razões: porque já somos mais introspectivos por natureza, porque nos atrapalhamos na hora de dizer coisas pessoalmente para alguém, porque ficamos presos à rotina que nos consome, porque estamos bravos, tristes, estressados, sem tempo, avoados, planejando o futuro. Mas tenho a teoria de que, na maioria dos casos, “deixamos pra lá” porque confiamos demais no depois, no amanhã, no daqui a pouco, no “te vejo mais tarde”. Confiamos que não precisamos falar aquilo naquele instante porque teremos outra oportunidade.
Às vezes, nós também pensamos que aquilo nem é tão importante assim para sair contando pra geral. Guardamos pra gente e só percebemos que gostaríamos de ter dividido aquela coisa quando já é tarde demais. Daí nos arrependemos do que não dissemos.
É claro que também dá para se arrepender de algo que você disse – e muito! E esse algo que você disse também pode se transformar em um arrependimento pelo que você poderia ter dito na sequência, para amenizar as coisas, mas deixou pra lá. De novo. Porque mais tarde você poderia fazer isso. Não deu.
Para mim, esse é o pior sentimento que o ser humano é capaz se sentir. A gente se boicota com ele, principalmente nas horas de maior fragilidade. Um dia eu fui assaltada saindo do metrô. Apontaram uma arma para mim e pediram meu celular. Eu dei. No instante seguinte, ainda durante o mix de revolta com tristeza, comecei a pensar em mil coisas que poderia ter feito para evitar aquilo. E se? Por quê? Se eu tivesse… Aquilo nos consome. E mais uma vez. E de novo.
A mesma coisa acontece quando você perde alguém querido, tanto para a vida quanto para a morte. Você sabe que não é certo, que não deveria estar fazendo isso consigo mesma, que a culpa não é sua, que as coisas acontecem, não tem jeito, é a lei da vida, é a lei da morte. Mas é inevitável. Você começa a se culpar por não ter contado aquela trivialidade do dia a dia, não ter mostrado aquela foto que você nem achava assim tão importante, não ter dito o quanto aquela pessoa significava o mundo para você, não ter abraçado ela com mais força pela última vez, não ter dito um último “eu te amo”. Você se culpa por ter saído muito cedo, por ter saído muito tarde, por não ter saído. Você se culpa por não ter passado mais tempo com ela, não ter feito isso, não ter feito aquilo, não ter memorizado mais os momentos, a feição, o cheiro, o toque.
O maior mistério da nossa existência é justamente não saber quando será a última vez. É clichê demais dizer que você deve viver cada segundo como se fosse o último. É cruel demais. Talvez isso nunca seja possível até que a vida te surpreenda e surja apontando o dedo e repetindo em forma de mantra: “eu te avisei”.
Mas como desacelerar a rotina do dia a dia? Como deixar de fazer as coisas para se dedicar a outras? Como? Quando? Onde? Não existe resposta. Não existe porque tudo precisa ser dosado, e você dosa da melhor maneira que consegue. Talvez a gente sempre possa fazer mais? Talvez. Mas não dá para se culpar. Ao mesmo tempo, não dá para não se culpar. Essa ambiguidade é certa. O ser humano sempre tenta buscar uma explicação, mas, muitas vezes, a coisa simplesmente não tem uma. Acontece e a gente tem que aprender a controlar esse sentimento de culpa, perceber que fizemos o melhor que pudemos, que aproveitamos, que nos doamos, que não deixamos para lá.
O tempo é mesmo muito sábio. Não dá para lutar contra ele. Vivemos momentos de muita tensão nos últimos meses, por mais aéreo ao mundo que você esteja. Não estou dizendo que devemos retomar o contato com todo mundo, inclusive com aqueles que nos fizeram mal de alguma maneira. Eu estou dizendo pra você aproveitar esse espacinho que ficou vago no seu coração e amar duplamente uma mesma pessoa no lugar. Valorize aquele alguém que é importante para você. Não se desgaste demais com pessoas que não merecem a ponto de deixar para lá tantas outras que mereçam. Não perca seu tempo com quem não precisa do seu tempo. Perca seu tempo com quem o que mais deseja é perder um tempo com você. No final, é dessas pessoas e de todos esses momentos que vamos nos lembrar – e não de quem nem daquilo que fez a gente deixar para amanhã o que poderíamos fazer hoje.
Eu queria ter dado dois últimos abraços. Não dei. Mas eu espero que você dê eles por mim hoje. Agora. Enquanto é tempo, esteja você aonde estiver. Talvez não seja o último abraço – e que bom, pois assim vocês vai ter a chance de dar muitos e muitos últimos abraços! Mas talvez seja. É a boa e velha incerteza da vida. A gente sempre vai se arrepender de alguma coisa, mas, nessa hora, esses momentos em que não deixamos para lá são justamente nossa arma mais poderosa.
“Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples(…)
De repente nunca mais esperaremos…”
(Trecho retirado de Poema de Natal, de Vinicius de Moraes)