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É com spray de pimenta e arma de choque que se luta contra o machismo?

PL quer autorizar mulheres a andarem com spray de pimenta e arma de choque para se protegerem dos homens. Será que faz mesmo sentido?

Por Isabella Otto Atualizado em 31 out 2024, 02h30 - Publicado em 17 fev 2019, 10h03

Na última quarta-feira, 13, um projeto de lei proposto pelo deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE) ganhou os noticiários. O texto redigido pelo político prevê que mulheres acima de 18 anos tenham autorização para comprar e usar spray de pimenta e armas de eletrochoque para proteção pessoal. Não seria cobrada nenhuma taxa para a expedição dos produtos, mas caberia à Polícia Civil a supervisão de compra e venda.

mheim3011/Getty Images

No Brasil, a comercialização de equipamentos de choque é legal, diferentemente da comercialização das armas, que disparam corrente elétrica. “O equipamento de choque que não lança eletrodos energizados e não possui formato (aparência) de arma, pela atual legislação, não é produto controlado”, garante a última resolução divulgada pelo Exército Brasileiro. Mas os obstáculos com a legalização de armas de choque talvez seja o menor dos problemas dessa PL – ainda mais se pensarmos que o atual governo está disposto a facilitar o porte de armas.

De início, a proposta do deputado parece tentadora. Estaria ele dando mais autonomia às mulheres? Essa ideia, porém, é falsa. Primeiro, porque o projeto foi redigido por um homem que se posiciona política e tendenciosamente a favor do porte de armas. Segundo, porque a maioria dos casos de violência contra a mulher ocorre dentro de casa. Será que itens como spray de pimenta e armas de choque, que costumam ser mais utilizados para proteção pessoal nas ruas, continuam sendo saídas efetivas?

De acordo com o ISP (Instituto de Segurança Pública), quase 70% dos casos de violência contra a mulher são cometidos por atuais ou ex-companheiros, amigos ou parentes da vítima. É por isso que dizem que dentro de casa é o local mais perigoso para uma pessoa do sexo feminino. É claro, que, em casos de estupro, segundo o último Atlas da Violência, 53% dos casos são cometidos por desconhecidos, quando a vítima é adulta – que, teoricamente, seria quem teria acesso ao spray e à arma. Contudo, vários estudiosos em segurança pessoal garantem que, apesar de eficazes em alguns casos, esses itens de defesa têm uma série de restrições. O spray de pimenta, por exemplo, tem que ser usado a uma distância “x” do alvo, assim como a arma de choque. O tempo que a vítima leva para pegar esses pertences da bolsa também pode ser usado contra ela, deixando-a mais vulnerável. “Pode ocorrer um incomodo na região atingida, no máximo dormência momentânea, mas que não vai impedir nova investida do agressor, se assim ele desejar(…) Não vejo nenhum utilidade na aquisição desse equipamento, muito pelo contrário. Pode ser perigoso seu porte, porque promove falsa sensação de segurança e incentiva reação, aumentando o risco de a mulher ser ferida gravemente ou morta pelo oponente”, defendeu Jorge Lordello, especialista em segurança pública e privada, no seu site pessoal.

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Em 2015, no Piauí, uma jovem de 21 anos usou spray de pimenta para se defender de uma tentativa de assalto. Apesar de perturbado pela ardência, o homem conseguiu disparar a arma duas vezes em direção à mulher. Em ambas as tentativas, o revólver falhou. “Foi arriscado”, comentou a moça na época em entrevista ao Fantástico. A discussão envolvendo defesa pessoal é realmente extensa e engloba prós e contras. Uma mulher munida de sua arma de eletrochoque ou de suas técnicas de Krav Maga está realmente mais protegida para lutar contra o machismo e a violência contra o mulher ou essas táticas são paliativas, já que não combatem a origem do mal? Dar uma arma de eletrochoque para uma mulher se defender é empoderador ou passa apenas uma falsa sensação de segurança? E se o spray de pimenta falhar? Mas e se ele não falhar e a mulher conseguir escapar de um trauma que a acompanharia pelo resto da vida? Do que vale ter um spray de pimenta em casa quando o marido é o agressor?

Eduardo da Fonte: homem, a favor do porte de armas, contra o aborto. Teria ele imaginado que munir uma mulher com spray de pimenta e arma de choque seria suficiente para que casos de estupro diminuíssem? Essa é realmente uma maneira eficaz de lutar contra o machismo ou tal proposta só reforça a cultura do estupro, uma vez que não condena realmente o homem pelo seu ato, mas só o imobiliza momentaneamente (levando em conta que a vítima consiga escapar e a polícia não seja envolvida no caso)? A PL é uma ilusão. Infelizmente, e é uma droga ter consciência disso, cada vez mais mulheres estão procurando técnicas de defesa pessoal por sentirem medo de serem mulheres, vulneráveis tanto na rua quanto dentro de casa. O projeto de lei que prevê dar uma arma para a vítima se defender de um criminoso, que talvez não aprenda nada com o “choque de realidade”, dá uma sensação de que continuamos estancadas no mesmo lugar, com mais um homem dando uma resolução por nós. Isso é lutar contra a cultura do estupro, afinal? Isso é lutar contra o machismo? Contra o feminicídio? Ou isso é como criar um vagão só para garotas no metrô de São Paulo para que elas evitem que o pior aconteça e se “protejam”, sendo que inúmeros casos de violência contra a mulher continuam sendo arquivados e/ou minimizados pela Justiça?

Pimenta nos olhos deles é refresco. Nós queremos mais.

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