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Do lixo ao luxo: a figura da mulher no teatro e o empoderamento pela arte

Por anos, as mulheres do teatro tinham má fama. Hoje, muitas ainda são julgadas, mas usam a arte para lutar contra a objetificação feminina e empoderar.

Por Isabella Otto Atualizado em 1 jul 2019, 10h47 - Publicado em 30 jun 2019, 10h00

A Grécia é o berço do teatro, essa arte que nos proporciona viver tantos personagens e sentir diversos sentimentos em um espaço de tempo, às vezes, até bastante curto. As máscaras gregas existiam exatamente para dar vida à essas emoções. Na Grécia do século VI a.C., o teatro estava diretamente ligado às festas relacionadas à fecundidade. É por isso que, na mitologia grega, temos Dionísio como o Deus do Teatro. Na romana, fala-se em Baco. Ambos são relacionados a essas comemorações regadas à luxúria. Logo, não era bem visto que mulheres participassem desses festejos. Além disso, na Grécia, por não serem consideradas cidadãs da pólis, ou seja, da cidade-estado, a participação das mulheres em espetáculos teatrais era estritamente proibida.

Parte do elenco composto majoritariamente por mulheres da Trupe À Grega. Reprodução/Reprodução

O tempo foi passando e o teatro ganhando novas expressões artísticas, em sua maioria ainda interpretadas por homens, que usavam máscaras e se fantasiavam para dar vida a personagens femininas. A mulher continuava excluída e aquelas que quisessem se arriscar nesse mundo rapidamente adquiriam má fama. Teatro não era lugar de mulher, que devia ser dona de casa, cuidar e honrar a família; não ficar representando no meio de um monte de homem. O cenário só foi mudar mesmo no século XVII, na França, com a origem na Commedia Dell’Arte, a primeira grande manifestação artística que formalmente permitia mulheres em cena. Na sequência, foi a vez de as atrizes conquistarem espaço na Inglaterra. No Brasil, a coisa só mudou mais tarde, já que, enquanto países europeus universalizavam a arte do teatro, no país tropical, a rainha Maria I de Portugal proibia inclusive que papéis femininos fossem representados, com exceção dos religiosos, como da Virgem Maria.

“A figura da mulher dentro do teatro, como atriz, já passou por muitas fases e identidades, e a má fama ainda recai mais sobre nós. Antigamente, as atrizes eram associadas à prostituição. Hoje, vivemos um período, graças à televisão e à internet, de glamourização da profissão. Passamos do lixo ao luxo, mas isso não é necessariamente favorável, pois trata-se também de uma objetificação“, afirma Paula Ambar, formada pela Escola Célia Helena e que faz parte d’A Trupe À Grega.

 

O grupo do qual Paula participa está trabalhando em uma adaptação do famoso conto do Barba Azul, original de Charles Perrault. A adaptação trará à tona questões sobre relacionamento abusivo, feminismo e violência doméstica. “É urgente pensar sobre essas questões, mostrar a doença social que subsidia esse comportamento covarde e cruel. As mulheres que assistirem à peça poderão enxergar suas possibilidades e entender que é uma luta pessoal e conjunta, que não estamos sozinhas. A arte funciona para alertar e empoderar!” diz a atriz.

Reprodução/Reprodução

A figura da mulher no teatro representa a figura dela em tantos outros espaços da sociedade, que lhes foram negados durante séculos. Hoje, apesar de muitas artistas ainda serem sexualizadas e julgadas pela profissão que escolheram seguir, as mulheres transformaram um espaço que um dia o patriarcado disse que não era para elas em um lugar empoderador. É no palco que muitas, assim como Paula, se encontraram e recuperaram a autoestima. “O teatro é uma belíssima forma de expressão. A gente se empodera quando se expressa, quando fazemos parte de um todo, quando conhecemos nossas potências. A arte tem o dever de levantar questões, seja incomodando, provocando ou expondo. Para os jovens, principalmente, por se encontrarem em fases de começos, aprendizados, multiplicidade de possibilidades e sensações, o teatro pode ser estruturador e ajudar a organizar as ideias. É benéfico também para a saúde mental“, garante.

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A Trupe À Grega conta com nove atores, sendo que seis são mulheres. A atualização do conto e a direção da peça também ficam por conta de três profissionais: Dea Loher, Luciana Schwinden e Yonara Dantas. “Nosso desejo é o de alcançar questões que interessam a nós, mulheres, como sujeitos de pesquisa, não apenas como objetos de investigação. Olhar sujeito, não olhar objeto”, explica Paula, posicionando-se sobre a atual figura da mulher na sociedade, no teatro e na arte.

+ Para compreender melhor a figura da mulher na Grécia Antiga e complementar a discussão, escute a música “Mulheres de Atenas”, do Chico Buarque:

E você também pode ajudar a trama Barba Azul: A Esperança Das Mulheres! O grupo está realizando um financiamento coletivo para arcar com os custos que tem para levantar a peça, já que a equipe é toda formada por voluntários. Para saber mais sobre o projeto e ajudar, acesse benfeitoria.com/barbaazul.

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