Continua após publicidade

Complexo de Gaston explica a masculinidade frágil de muito homem por aí

"Não há igual a Gaston nem melhor que Gaston"? ATÁ.

Por Isabella Otto Atualizado em 31 out 2024, 00h13 - Publicado em 19 abr 2020, 10h01

A animação da Disney A Bela e A Fera, de 1991, é uma das mais queridas pelo público. E não estamos falando isso baseado na fontes “vozes da cabeça”. Os números falam por si só! Para se ter uma ideia, a expectativa para o live-action do desenho, lançado em 2017, estava tão alta que já o trailer do filme bateu recordes. Ele se tornou o mais visto da história da internet em 24h, com 127,6 milhões de visualizações em seu primeiro dia no ar. A estreia nos Estados Unidos também foi recordista: o longa arrecadou de cara US$ 170 milhões! E nada melhor que uma história popular para falar de um assunto que ainda não é dominado por tanta gente. Nós estamos falando da masculinidade frágil dos homens, que é tóxica e pode ser explicada no que chamamos de Complexo de Gaston.

A autoestima do homem hétero branco em uma imagem. Reprodução/Reprodução

Para expor essa teoria, vamos usar frases da música tema do personagem e também traços característicos da sua personalidade. Gaston é tratado como o herói da vila francesa em que Bela e seu pai Maurice moram. Ele é alto, forte, corajoso, másculo e musculoso, um caçador de primeira e bastante galanteador. Ele é vaidoso, mas não ao extremo. Ele gosta de agradar as mulheres, mas não se envolve com todas. Ele adora ser o ícone dos homens, mas sem chegar muito perto deles. As moças suspiram por Gaston, mas ele só tem olhos para a Bela, justamente aquela que não quer nada com ele e abomina seu comportamento machista. Enquanto o antagonista é a personificação do machismo, podemos dizer que a Princesa da Disney é a personificação do feminismo: Bela não suporta que as mulheres sejam tratadas como objetos, não acha que nasceram apenas para serem donas de casa e reprodutoras, acredita no poder do conhecimento em prol da libertação feminina e da igualdade de gênero.

A primeira estrofe da música do personagem diz assim: “não há igual a Gaston, nem melhor que Gaston, nem pescoço mais grosso que o do Gaston. Nessa aldeia ninguém é tão homem”. Outras partes dizem ainda que “não há queixo mais másculo que o de Gaston” e “mais que machão é o Gaston”. Assim como os homens de masculinidade frágil, o vilão da Disney se preocupa muito com sua aparência e com que os outros vão pensar, muitas vezes por inseguranças que tem medo de demonstrar. Geralmente, elas são fruto do machismo estrutural proveniente da cultura patriarcal a qual homens e mulheres estão expostos. Homem tem que pegar geral, do contrário deve ser gay. Mulher gosta de homem bruto, másculo, que exala testosterona. Do contrário, ela procura suas amigas. Ou o amigo gay. Existe esse entendimento machista e homofóbico que é transmitido de pai para filho. O machismo enraizado diz que homem que é homem tem que ser como o Gaston, o que contribui para moldar a masculinidade frágil deles.

“Thing”, palavra também conhecida como “coisa”.  GIPHY/Reprodução
Continua após a publicidade

Em outra parte da canção, o personagem diz: “verdade, sou todo peludo, não vou esconder”. Aqui temos mais um claro exemplo de como os homens “de verdade” são vistos em nossa sociedade pela cultura patriarcal. Eles podem e devem ser vaidosos, mas na medida certa. Do contrário… Bem, vocês já devem imaginar. Além disso, ser peludo representa ter um excesso de testosterona, o principal hormônio sexual masculino. Quer dizer que o cara é viril, fértil, provedor. Na cabeça dos homens com Complexo de Gaston, só mulheres não têm pelos – ou não deveriam ter. Mulheres precisam ser lisinhas, terem a pele de bebê, porque isso é ser feminina, isso é exalar feminilidade. Ter pelo é coisa de homem. Gaston se sente dono das mulheres e de seus corpos, se acha dono da razão e não está aberto a dialogar. Esse controle é também muito motivado por inseguranças. “O quê?! Uma mulher tomando o meu lugar?!”. Não é cuidado, não é amor. É medo. A masculinidade frágil causa isso nos homens. Se nem um cara pode “roubar” o lugar deles, imagina uma mulher?! A Bela não precisa ler. Conhecimento não é coisa de mulher. A Bela precisa cuidar da sua aparência para agradar o marido, pensar nos filhos, cuidar da casa. A Bela não precisa sonhar. Ela não vai ter tempo para realizar esses sonhos, afinal. Ela vai ter muita roupa para lavar, até porque o Gaston não pode ir para a taverna todo descuidado. A Bela é um troféu. O Gaston, com sua masculinidade frágil, tem horror ao feminismo. Para ele, homens são superiores, porque, bem, são homens.

Primitivo, bruto, rústico, selvagem ou machista mesmo. Fecbook/Disney Moments/Reprodução

Há outra característica muito clara do Complexo de Gaston: o cara não admite ser recusado. Na cabeça dele, não há nada que explique isso. Ele não tem defeitos, afinal de contas! Como pode uma mulher falar não para ele? Como pode a Bela o rejeitar enquanto todas as outras moças da vila o querem? Como pode ele não ter aquela a quem deseja? Como pode aquela a quem deseja (veja que em nenhum momento falamos ama) desejar outro? Outro que, mesmo chamado Fera, se mostra mais sensível, polido, menos bruto e com uma biblioteca enorme em casa? Gaston se acha esperto, e pode até ser, mas é uma pena que essa esperteza seja aproveitada para perpetuar tanta maldade e machismo.

Continua após a publicidade

É claro que esta é uma análise pontual e a masculinidade frágil afeta os homens de diversas maneiras, assim como também afeta a nós, mulheres, de diferentes formas. Contudo, as principais características sobre o assunto foram aqui abordadas para que você saiba identificar de longe um garoto com Complexo de Gaston e fique ligada! Todo mundo pode aprender e se desconstruir, mas nem todos estão dispostos a isso, porque, bem, “ninguém vence o Gaston, ninguém enche o Gaston”.

Publicidade