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A masculinidade não faz do mundo um lugar mais seguro nem para os homens

Ator global causou polêmica após dizer que a masculinidade deixa o mundo mais seguro, e que a função do homem é prover e proteger. E você, o que acha?

Por Isabella Otto Atualizado em 5 nov 2019, 20h10 - Publicado em 5 nov 2019, 11h00

Se procurarmos a definição de masculinidade no dicionário, como no Michaelis, encontraremos que a palavra é um substantivo feminino que significa “atributo de masculino ou másculo”. Ao continuarmos a busca, descobriremos que “másculo”, por sua vez, é um adjetivo “relativo ao sexo masculino ou a animal macho” e “com características próprias do homem; vigoroso, viril“. Para o ator Juliano Cazarré, famoso por estrelar novelas da Rede Globo, essas características fazem do mundo um lugar mais seguro e não perceber isso é o mesmo que ter sido submetido a uma lavagem cerebral.

Reprodução/Reprodução

No último sábado, 2, o ator compartilhou no Instagram um vídeo que mostra um gorila parado no meio de uma estrada enquanto espera seus filhotes e a mãe deles atravessar com segurança. “O chefe”, diz o locutor da cena. Na legenda da publicação, Cazarré escreveu: “A masculinidade é uma construção social… Só que não! Prover e proteger: a masculinidade faz do mundo um lugar mais seguro (…) Quem tem um pai legal sabe (…) Esse gorila é mais cavalheiro que muito homem por aí”.

O posicionamento gerou uma enorme discussão nas redes. Enquanto algumas pessoas, na maioria homens, parabenizaram o ator pela coragem de ter postado “o que deve ser dito”, outras, na maioria mulheres, se incomodaram com a afirmação e questionaram a publicação, que esbanjou masculinidade tóxica.

Um primeiro ponto que nos leva a interpretar toda a questão dessa forma é que, Juliano Cazarré, ao receber mensagens de seguidoras contra-argumentando, usou lugares comuns para se defender e atacar. Ele deu a entender, por exemplo, que a masculinidade não é o problema, mas sim “a sociedade [que] vem deturpando valores, atacando a família e a masculinidade há tempos”. Além disso, quando questionado por uma mulher sobre como a publicação dele reforça a ideia ultrapassada de que o homem é o centro da família, o patriarca, o poderoso chefão, o ator disse: “Quando qualquer coisa é motivo para a pessoa descarregar seu discurso ideológico (…) Parabéns, a lavagem cerebral que você sofreu foi completada com sucesso”, ironizou.

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Um segundo ponto – e não vamos nem entrar no mérito de termos aqui um homem praticamente caçoando de uma mulher que demonstrou incômodo com a glorificação da masculinidade – é que o ator, ao dizer que a masculinidade não é uma construção social, reforça o estereótipo animalesco da coisa ao compará-la com a atitude de um gorila. Lembra lá em cima quando dissemos que a palavra é relativa a “animal macho”? Ligada a expressões como “prover” e “proteger”, elas reforçam toda uma ideia de que um homem precisa ser viril e ter atitudes de “macho” – o que, vamos combinar, é um cenário pavoroso para as mulheres, que sofrem diariamente com o machismo e o feminicídio, e também para os homens, que precisam lidar com essa pressão. Quer dizer que, se o cara não for viril, ele não vai passar segurança para sua companheira e família? Ou então que uma família sem a presença de um homem másculo se torna mais vulnerável, menos protegida? Por que (ainda) cabe ao homem esse papel? Até onde cabe ao homem essa função de prover e proteger? Não parece um pensamento retrógrado?

Enquanto a masculinidade pode ser tóxica para homens e mulheres, a feminilidade é prejudicial apenas para as mulheres. No primeiro semestre de 2019, os casos de feminicídio no Brasil aumentaram 79%, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A maioria dos crimes contra mulheres, 8 em cada 10, envolve violência doméstica e ocorre dentro de casa, sendo praticados pelos parceiros. Em grande parte dos casos, o homem entende que virilidade está associada a força e que “ser macho” é isso: impor respeito dentro do “lar, doce lar” na base da violência física e/ou psicológica, um comportamento em suma passado de pai para filho.

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PROVER E PROTEGER: a masculinidade faz do mundo um lugar mais seguro. PS1: Quem tem um pai legal sabe. PS2: Esse gorila é mais cavalheiro do que muito homem por aí… dorme com esse barulho.

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Agora, você já viu alguma mulher ser morta por causa da feminilidade? Muito pelo contrário! “Ser feminina” é uma característica há anos romantizada pela sociedade. Em um passado não tão distante, mulheres iam para a escola para aprender a costurar, cozinhar e ser boas esposas. Elas precisavam se preocupar apenas com a aparência e em servir bem o marido. Todo o trabalho de sustentar a família e trazer dinheiro para casa era do homem. Prover e proteger. Até hoje é assim, em muitos lares e lugares. “Ser feminina” é “sentar que nem mocinha”, mas também é ter uma vagina perfeita, não ter pelos corporais (ou a menor quantidade possível deles), estar sempre cheirosa, usar maquiagem, não falar palavrão, viver em função de agradar o homem. É a pressão para ser “perfeita” e se enquadrar em um padrão, qualquer que seja ele. Se a feminilidade faz vítimas, essas vítimas são as próprias pessoas do sexo feminino, diferentemente da masculinidade. 

No Brasil, em uma realidade cujo abandono paterno é considerado uma epidemia, mais de um milhão de famílias são formadas por mães solteiras, segundo o IBGE, e uma mulher é morta a cada duas horas, não dá pra um homem publicar que a masculinidade faz do mundo um local mais seguro sem ao menos aceitar ser contrariado. Até porque não aceitar isso é só mais uma prova clara de que a masculinidade pode ser frágil pra caramba!

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