Amores impossíveis são superestimados

Será que precisa mesmo ser sempre um contentamento descontente? Ou a gente se convenceu disso?

Por Isabella Otto Atualizado em 31 out 2024, 01h07 - Publicado em 17 nov 2019, 10h00

“Eu sei que você sabe que todo grande amor só é bem grande se for triste“, cantam Tom Jobim e Vinicius de Moraes na composição Eu Não Existo Sem Você. Se você foi uma adolescente nos anos 2000, deve ter se acabado de chorar assistindo com as amigas à Uma Amor Para Recordar. Você também deve ter tido um amor platônico, uma decepção amorosa, um rolo complicado e uma vontade de viver um amor de cinema. Mas isso vale para qualquer adolescente, de qualquer época. É um lance universal sonhar em viver um amor impossível, daqueles que as novelas contam histórias, principalmente quando se é jovem e se conhece pouco das experiências amorosas da vida.

Cena do clássico “Romeu e Julieta”. Essa versão é de 1968, dirigida por Franco Zeffirelli. Reprodução/Reprodução

Veja só, eu passei por isso. Durante anos, ansiava por encontrar meu Jack Dawson e viver um romance proibido. Depois, no melhor estilo do meme da Xuxa que “no Brasil, não há homens para mim”, desejava viver um namoro à distância, talvez com um gringo, daqueles cheios de barreiras. Mais um tempinho passou e eu me peguei lamentando sobre amores que poderia ter vivido, oportunidades perdidas, destinos ainda não cruzados. Eu sofria, mas devo admitir que uma parte de mim gostava. Eu cresci ouvindo músicas de relações sofridas, lendo poetas incompreendidos, vendo romances de casais que demoravam para se acertar ou tiveram finais trágicos. Era como se eu tivesse honrando o amor da maneira mais profunda que se poderia honrar. Eu acreditava que não era fácil. Não podia ser. Tudo que vem fácil, vai fácil, afinal de contas. Li alguma coisa do tipo no Google… Era o amor que eu acreditava, o tal do amor que eu achava que merecia.

A adolescência passou (embora, às vezes, eu ainda me ache com uns 17 anos) e chegou a idade adulta. Na real, não muda muita coisa, mas a gente aprende um bocado e se redescobre uma centena de vezes. Não desmerecendo os problemas da adolescência e a intensidade com a qual vivemos eles, mas a gente vira adulto e descobre que esses problemas nem eram tão terríveis assim. O que é sofrer pelo crush quando se pode sofrer pelos boletos? Qualquer respiro que você dá já custa R$50. Depois vem as obrigações com trabalhos, pepinos e mais pepinos. E filas. E novos tipos de pressões. E a vontade de deitar em posição fetal e esperar que as coisas milagrosamente se resolvam sozinhas. Não vão. Com tanta burocracia, novidade e balbúrdia, você vê um amor impossível passando e pensa: “sem tempo, irmão!”.

Trecho do filme “Across The Universo”, baseado nos músicas dos Beatles. Reprodução/Reprodução
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Esses dias eu estava andando na Avenida Paulista (caso você não faça ideia, é uma da avenidas mais icônicas de São Paulo), logo cedo, a caminho do metrô para chegar aqui na redação da CH, quando me deparei com um adesivo colado no chão, próximo a um ponto de ônibus. “Você já viveu um amor impossível hoje?”, ele perguntava, ao que respondi mentalmente: “amado, não são nem 9h da manhã, eu tenho três textos para entregar, uma reunião, gravação e milhares de consultas médicas acumuladas que vim empurrando com a barriga o ano todo para marcar. Quem tem tempo e disposição para viver um amor impossível a essa altura do campeonato?”.

A verdade é que algumas pessoas têm, e sempre vão ter. E às vezes dá certo. Mas, quanto mais você vive, cresce, se ilude e quebra a cara, mais percebe que esse tipo de amor é superestimado. Amores impossíveis, de qualquer espécie, são bonitos em filmes, quando os protagonistas conseguem se resolver em umas duas horas de duração. Na vida real, exige tempo, disposição e bucinho suado. Nas poesias, eles despertam vontades, fazem refletir, sonhar e sofrer de um jeito bom. Na realidade, tantas vezes, só sofrer mesmo, sem o bom. É legal em uma ou duas canções, mas uma playlist inteira já cansa. Amores impossíveis são romantizados e podem acabar com nossa saúde mental.

Conexão. Alice Moi/Getty Images
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Eu quero mesmo saber dos amores possíveis, daqueles que os obstáculos não são intransponíveis, que, às vezes, a decisão mais difícil é não saber o que escolher na Netflix, que é grande sem ser triste, que é recíproco, que não é um campo minado, mas um porto seguro. Eu quero um amor que desafie tudo o que eu achava certo baseado no que lia, via e ouvia por aí. Eu quero um amor monótono, rotineiro. Eu quero a intimidade. Eu quero poder viver na prática e não apenas na teoria, dentro da minha cabeça. Eu quero desafiar o Tom Jobim, contrariar o Vinicius de Moraes. Eu quero bater de frente com a astrologia. Eu quero mais que paixonites e paixões. Eu quero os amores possíveis.

E você, já viveu um amor subestimado hoje?

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