‘A gente se sente muito sozinha quando é vitimizada’
Em entrevista, Jules de Faria explica como o documentário Chega de Fiu Fiu é importante na conscientização sobre o assédio
Na semana passada, chegou aos cinemas o documentário Chega de Fiu Fiu. Inspirado pela campanha de mesmo nome da ONG Think Olga, o longa acompanha o dia a dia de três mulheres de diferentes cidades brasileiras e levanta a discussão sobre a exclusão das mulheres nos lugares públicos. O doc traz ainda entrevistas com mulheres especialistas de diversas áreas falando justamente sobre isso.
Uma delas é a Juliana de Faria, fundadora da Think Olga e uma das responsáveis por criar a campanha #ChegaDeFiuFiu, em 2013, para denunciar o assédio nas ruas. Em entrevista à CAPRICHO, Jules contou um pouco mais sobre como surgiu a ideia de transformar o projeto num documentário. “Bem cedo, no primeiro ou segundo ano da campanha, a Amanda Kamanchek, uma das diretoras, veio com a proposta e a gente achou excelente, porque nossa ideia era criar uma ferramenta de educação e conscientização sobre o assédio em diversas plataformas“, contou.
O longa foi filmado com dinheiro arrecadado por um financiamento coletivo, que ultrapassou a meta de 20 mil reais em apenas 24 horas de campanha, o que deixou todos os envolvidos bastante surpresos, mas felizes. “A gente viu que existia uma demanda muito oprimida e grande de mulheres e homens que queriam falar sobre esse tema e doaram seu dinheiro. Uma das questões da violência sexual, em geral, é a de que a gente se sente muito sozinha quando é vitimizada. Parece que aconteceu só com a gente porque nós tomamos a decisão errada, porque escolhemos a roupa errada… E não é assim, acontece porque somos mulheres. É uma questão de gênero”, explicou.
Chega de Fiu Fiu – O Filme bate bastante na tecla de que o machismo, para ser combatido, precisa também da ajuda dos homens. Uma das cenas mais impactantes do documentário é quando ele mostra uma roda de homens discutindo a questão do assédio e eles, finalmente, chegam à conclusão de que a maioria dos caras joga cantadas nas ruas como uma forma de “reforçar sua masculinidade”, já que eles têm noção de que praticamente nenhuma mulher vai parar porque foi chamada de “gostosa” por um desconhecido.
“Achei brilhante a ideia das diretoras de trazer esses homens numa roda de discussão justamente porque eu acho que a masculinidade precisa ser debatida entre homens também. Não dá pra jogar a responsabilidade de discutir masculinidade totalmente nas mulheres“, acredita Jules.
O documentário está sendo exibido em diversos lugares de todo o Brasil, mas também está disponível numa plataforma chamada Taturana Mobi. Ela permite que pessoas cadastradas no site possam exibir os vídeos gratuitamente e a ideia é que ele seja passado em lugares como escolas e praças. Para Jules, é importante que essa discussão sobre o assédio comece desde cedo.
“Na adolescência, o assédio se intensifica muito por causa das mudanças do corpo e porque as meninas começam a conquistar mais a rua, a ir para a escola sozinhas, pegar transporte público… Quando uma adolescente é assediada, você tira a menina da zona dela e joga no mundo sexual sem o consentimento dela ou sem ela estar preparada para isso. Às vezes ela até está preparada, mas quer flertar com quem ela quer, um amigo da escola, não com um marmanjo na rua, um desconhecido. Quando a gente incute um trauma desses numa adolescente, como ela vai lidar com a sexualidade mais tarde? É difícil saber, mas pode desenvolver uma relação traumática. Muitas de nós, mulheres mais velhas, temos nossos traumas por causa do assédio que vivenciamos, né?”, completa Jules.
O documentário Chega de Fiu Fiu – O Filme é dirigido por Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão e produzido em parceria com a Brodagem Filmes. Na página da campanha no Facebook, é possível ver onde ele está sendo exibido e ainda ficar por dentro de rodas de conversas e debates sobre o longa.