Continua após publicidade

A 2ª temporada de Coisa Mais Linda veio e, mais uma vez, a série fez TUDO

O último episódio da 2ª temporada do original Netflix foi tão representativo quanto o final da primeira; entenda!

Por Isabella Otto Atualizado em 30 out 2024, 23h55 - Publicado em 27 jun 2020, 10h05
perfume ch o boticario fragrancia capricho mood
CAPRICHO/Divulgação

Na 1ª temporada de Coisa Mais Linda, original Netflix lançado em 2019, conhecemos a história de quatro mulheres incríveis: Maria Luíza Carone (Maria Casadevall), Lígia Soares (Fernanda Vasconcellos), Adélia Araújo (Pathy Dejesus) e Thereza Soares (Mel Lisboa). O último episódio da temporada foi bastante significativo e abordou um tema relevante e assustador: o feminicídio. Na última semana, a 2ª temporada da série estreou e, mais uma vez, o último episódio fez absolutamente tudo – assim como os outros cinco.

Thereza e Malu na Rádio Brasileira denunciando o crime de feminicídio Netflix/Reprodução

Engana-se quem pensa que a produção é pautada apenas em cima da Bossa Nova. Coisa Mais Linda tem como plano de fundo principal a representação das mulheres nos anos 50 e 60, e a importância do feminismo na vida de cada uma delas. O movimento, que prega a igualdade de gênero entre homens e mulheres, tem papéis diferentes na luta das amigas Maria Luiza e Adélia, por exemplo. Enquanto a primeira, mulher branca, rica e da Zona Sul, combate o machismo com seu trabalho e sua independência, Adélia, mulher preta, pobre e periférica, precisa combater também o racismo. Os espaços ocupados por Maria Luiza ainda não podem ser ocupados por Adélia. A praia e o edifício localizados no bairro nobre da cidade são só o começo. O direito de ir e vir de Adélia não é o mesmo que o de Malu, e ela precisa lutar contra o machismo e o racismo que vem da Zona Sul e do morro.

É interessante também notar como a 2ª temporada aborda outro tema ligado ao feminismo: sororidade. Thereza, aquela que pode ser considerada a primeira feminista do grupo, enfrenta um impasse quando seu marido pede o desquite (como o divórcio era chamado antigamente) para ficar com Adélia. Precisa uma feminista ser amiga e amar todas as mulheres? Definitivamente não. Mas e quando sua amiga se torna sua inimiga? Como fazer para lidar com isso sem compactuar com a cultura que promove a rivalidade feminina? São respostas que encontraremos na 3ª temporada, que ainda não foi confirmada pela Netflix, mas que ela nos deve após o final desta segunda. E que final!

Continua após a publicidade

A vivência de Adélia como mulher preta e periférica mostra a importância do feminismo negro Netflix/Reprodução

Você já ouviu falar que o machismo mata, certo? Ele fez uma vítima na 1ª temporada do seriado e fez possivelmente uma segunda nesta atual. Se você assistiu aos episódios recentes e não ficou enjoada e com ódio de Augusto Soares (Gustavo Vaz), ex-marido de Lígia, que a assassinou com um tiro no peito, ainda deve acreditar em algumas mentiras contadas pela sociedade patriarcal. E isso acontece com frequência, visto que elas são passadas de pais para filhos, uma herança cada vez mais difícil de aceitar.

Se toda a 2ª temporada de Coisa Mais Linda fala sobre feminismo, sororidade, racismo e autoaceitação, o último episódio é um aulão sobre como a Justiça é falha com vítimas de crimes contra a mulher. Antes de listarmos alguns pontos que devem ser analisados mais a fundo, vamos de dados: o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio, de acordo com a ONU. Em 2019, o número de mortes de mulheres por razão de gênero aumentou. A cada 7h, uma mulher é vítima de feminicídio no país. No seriado, Guto representa todos esses assassinos e a Corte que julga seu caso, a Justiça brasileira.

Continua após a publicidade

Quantos casos de feminicídio já não foram abordados como “crimes passionais” pela mídia? Quantos assassinos não tiveram suas penas suavizadas por “amarem demais”? Netflix/Reprodução

Por ser réu primário, ter um “passado invejável” e sem antecedentes criminais, o político que assassinou sua esposa foi condenado por homicídio, mas teve a pena reduzida para quatro anos a serem cumpridos em regime aberto. Augusto Soares: homem branco, rico, influente. A falta de provas foi a justificativa usada pelo juiz para suavizar a pena do criminoso. Não bastaram os depoimentos de Malu, Thereza e Adélia. Augusto agredia sua esposa, controlava o que ela falava e o que vestia, abusava dela psicologicamente e a estuprava (porque, sim, há estupro dentro do casamento), mas o que é tudo isso quando, do outro lado da balança, temos a moral e a masculinidade frágil de um homem que diz que seu único crime foi amar demais? A imprensa [o ficcional “Diário da Guanabara”] que relata na primeira página um crime de feminicídio com a manchete “Seu único crime foi amá-la demais”? Os promotores, que chamam clubes de música de boates, insinuam que noites exclusivas para mulheres são imorais e julgam um crime de feminicídio levando em conta as leis invisíveis criadas pelo patriarcado? Lembrando que o crime apresentado por Coisa Mais Linda ocorreu e foi julgado nos anos 60, década em que ser mulher era ainda mais difícil. Elas deviam viver em função dos maridos, mulheres desquitadas caíam em desgraça e ser livre era sinônimo de não se dar ao respeito. A Justiça era feita pelo e para os homens, e qualquer semelhança com os dias atuais, por mais que o ano seja 2020, não é mera coincidência. O corpo, as escolhas e o estado civil das mulheres ainda são julgados pela sociedade e, em muitos casos, levados ao tribunal na tentativa de justificar crimes cujo único culpado é o homem.

Netflix/Reprodução
Continua após a publicidade

A diferença de tratamento da Justiça na hora de questionar um homem e uma mulher; contra Malu, até seu filho foi usado para desvalidá-la como mulher, mãe e esposa Netflix/Reprodução

“Família é tudo pra mim e a Lígia era a mulher que eu escolhi para construir minha família [não deu tempo, ele a matou antes]. Deus é testemunha do quanto eu tentei [no Tribunal, Augusto levou consigo um terço]. Ia tudo muito bem até a Lígia reencontrar a senhora Maria Luiza. Essa mulher [a feminista dona da própria vida e do clube de música] influenciou minha Lígia de uma forma terrível [a incentivou a ser dona do próprio nariz]. Nós tínhamos uma vida perfeita [de fachada]. De repente, a senhora Maria Luiza começou a enfiar ideias na cabeça dela [a ideia era seguir o sonho de ser cantora]. A Lígia então começou a cantar na noite, a beber demais [a beber. Quem bebia demais e se tornava agressivo era ele]. Senhores jurados, senhor promotor, Excelência, eu tenho certeza que, se não fosse por essa mulher, minha Liginha ainda estaria aqui entre nós [tentando transferir a culpa do crime para uma mulher](…) Eu atirei no amor da minha vida por acidente, para defender minha honra, minha família [tentando agora justificar o crime cometido usando o amor. Que amor é esse?]. Mas a Lígia cometeu um assassinato primeiro. A Lígia fez um aborto [usando uma questão polêmica e delicada, pautada em suma em cima de valores religiosos, para culpabilizar a vítima]“, disse Augusto Soares para a Justiça. “O amor é vida, acolhimento, aceitação. (…) Se tem uma coisa que o amor não é, é violento. O amor não é morte. (…) Ele atirou na Lígia quando não conseguiu mais controlar o brilho que saía de dentro daquela mulher. Lígia, o Augusto pode ter tirado você deste mundo, mas a gente não vai deixar nunca que a sua voz se cale”, rebateu nossa Malu para quem quisesse ouvir, numa cena que foi a Coisa Mais Linda!

Renovar essa série, Netlfix, é uma questão de saúde pública.

Publicidade