Foxy eye: 5 garotas asiáticas dão suas opiniões sobre a tendência polêmica

Ana Hikari, Melissa Ery, Tate Iizuka e Thalita e Gabriela Zukeram explicaram suas impressões sobre a estética que causou incômodo em muitas pessoas amarelas

Por Thais Varela Atualizado em 30 out 2024, 23h58 - Publicado em 18 jun 2020, 14h59

Delineado que alonga o olhar, cirurgia plástica que estica as têmporas e pose puxando os olhos com as mãos são alguns elementos que fazem parte de uma tendência que tem tomado conta da internet nos últimos tempos: o foxy eye. Também chamado de “olhos de raposa”, a ideia dessa estética é deixar os olhos com o formato mais amendoado, que lembraria os do animal.

Popularizado por influenciadoras brancas como as irmãs Kendall e Kylie Jenner Bella Hadid, o visual causou uma série de discussões por trazer elementos que se identificam e que geram lembranças dolorosas para pessoas com ascendência asiática. Para entender melhor esse debate, a CH conversou com cinco garotas amarelas que contaram as suas impressões sobre a tendência e discorreram sobre o que as incomodou na estética.

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Bella Hadid usando a maquiagem foxy eye @bellahadid/Instagram

O foxy eye é ofensivo?

A técnica em si, particularmente, não me incomoda. Vi discussões sobre ela ser racista, mas não acho que ela foi criada com essa intenção de ofender. Acho que tudo começou a ficar mais problemático quando passaram a interpretá-la no sentido de ‘fiz essa maquiagem para ficar com os olhos puxados, para parecer japonesa’, como aconteceu em alguns casos. Ao meu ver, o que acabou entrando na polêmica foi o fato de pessoas brancas quererem ficar com os traços de pessoas asiáticas, de quererem essa aparência e tornar isso uma tendência, no sentido de que características asiáticas num branco são lindas, viram até moda e tem procedimento para copiar. Me incomodou bastante isso, porque é como se os traços de uma pessoa racializada só pudessem ser bonitos quando estão em alguém branco, como se nenhuma outra beleza existisse“, diz a publicitária Melissa Ery, de 24 anos, que comandou a coluna Garotas Asiáticas aqui na CH.

A atriz Ana Hikari, de 25 anos, participou das conversas sobre a tendência nas redes sociais e alertou que a ideia da discussão não é “cancelar” ninguém, mas refletir sobre preconceito. “Quando debatemos questões culturais que tocam em assuntos da racialização, não estamos falando sobre uma atitude individual, mas de um sintoma coletivo, sobre como a sociedade enxerga certas pessoas em relação a outras“, explica. 

“Partindo disso, o que eu posso dizer é que essa ‘moda’ gerou em mim um certo incômodo, foi como uma chateação de ver uma coisa que traz para mim uma associação com uma característica física minha, por ser descendente asiática, e que é uma característica que as pessoas taxaram popularmente como uma coisa ‘negativa’, que são os olhos puxados. Entre aspas negativa, porque eu mesma não concordo com isso. Esse procedimento estético, a maquiagem e a moda de posar segurando o canto do olho me remetem muito a essa coisa que taxaram para pessoas asiáticas. E aí ver que quando isso é em mim, que sou amarela, é motivo de chacota, e quando, de repente, vira tendência – muito por conta de pessoas brancas que começaram com essa ‘moda’, o que é importante ressaltar -, é visto como uma coisa linda?“, completa. 

Na internet, onde grande parte da discussão sobre a estética começou, muitas pessoas não-asiáticas questionaram se outros estilos de delineado também seriam ofensivos para descendentes amarelos. As irmãs Gabriela e Thalita Zukeram, de 25 e 27 anos, abriram a reflexão sobre o tema no perfil @twolostkids e falaram sobre suas impressões. “Não é bem isso de ‘não pode usar mais nada’. O delineador existe há muito tempo, não é só uma tendência. E não necessariamente o delineador gatinho, por exemplo, faz com que você adquira uma forma de olhos puxados, você pode fazer o traço sem necessariamente parecer que seu olhar é menor. O que a gente questionou sobre o foxy eye não é só isso, mas todo o acting que acompanha a estética. Quando você pesquisa a hashtag #foxyeye no Instagram, a maioria das pessoas, além da maquiagem, aparece puxando os olhos com as mãos. Esse gesto é uma das coisas que mais nos incomodou, porque o mesmo gesto que agora é ‘tendência’, que está sendo usado para ‘valorizar um visual’, é o que usavam para nos oprimir, para tirar sarro“, explica Gabi.

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Kendall e Kylie Jenner usando maquiagem foxy eye @kyliejenner/Instagram

Vivência com os olhos puxados

Um dos traços mais marcantes do fenótipo asiático são os olhos puxados. Para muitas pessoas amarelas, eles são sinônimo de orgulho, mas também carregam lembranças de preconceitos sofridos ao longo da vida. “o deve ter nenhum descendente asiático que não vivenciou algum constrangimento por conta dos olhos puxados. E por muito tempo a gente aprendeu a não responder, a não falar que isso incomodava. Então pode ser que muitas pessoas brancas já tenham feito piadas e não perceberam que isso era incômodo, porque a gente foi ensinado a não se posicionar”, fala Ana.

Historicamente, essa característica foi usada por pessoas brancas como forma de ofensa e deboche de pessoas asiáticas. No passado, o yellowface, prática que tenta mimetizar características amarelas em pessoas não-asiáticas, era feito em filmes e outras produções artísticas de maneira caricata. “Os brancos tentavam parecer amarelos puxando os olhos com as mãos ou usando fitas. Era num sentido de tirar sarro dos fenótipos asiáticos, e fazer isso como uma maneira de zoação é algo que nunca acabou de fato. Eu já tive que lidar com muitos episódios desse tipo, desde pessoas perguntando ‘como você enxerga com o olho puxado’ a brincadeiras sobre eu não conseguir ‘abrir os olhos’ quando sorria. Eu nunca soube explicar direito, outras amigas também já compartilharam a mesma sensação, mas é algo extremamente desconfortável. No geral, esses preconceitos sempre aparecem em forma de piada, mas são microagressões, e tudo isso foi acumulando de uma forma que eu mesma não me aceitava como era“, compartilha Melissa.

Em muitos países asiáticos, a cirurgia plástica para aumentar os olhos e criar “dobrinhas”, ocidentalizando o olhar puxado característico das pessoas amarelas, são muito comuns e várias pessoas asiáticas já pensaram em fazer essa intervenção por não se enxergarem nos padrões de beleza. “Eu lembro que quando era mais nova, eu falava para a minha família que queria fazer o procedimento. Eu sei hoje em dia que essa característica minha, o meu olho, eu não gostava. Acho que muito desse sentimento vinha também de não me reconhecer no que era considerado bonito“, explica Mel.

A estilista e modelo Tate Iizuka, de 25 anos, também ouviu chacotas sobre seus traços quando era mais nova e a lembrança desses episódios foi o que mais a incomodou na popularização do foxy eye. “Na minha vivência, as pessoas me zoavam porque eu tinha olhos puxados. Eu estava na escolinha e os amigos ficavam puxando o olho com a mão, fazendo piada porque eu não tinha nariz grande, meio que apertando o nariz. Então foi algo que durante toda a minha vida eu não gostava de ter, porque as pessoas tiravam sarro. Por conta disso tudo, eu entedia que essas características eram feias. Eu cresci e tive muitos problemas em aceitar os meus traços. Quando era mais jovem, usava lente clara, fiz rinoplastia, fiz a cirurgia dos olhos para ter o ‘risquinho’, que é um traço branco. Então eu quis a minha vida inteira me livrar de todo o meu rosto“, conta.

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“O que eu acho problemático de toda essa tendência é alguém fazer e dizer que virou ‘japonesa’. Quando eu vi as pessoas fazendo o gesto de puxar o canto do rosto, sutilmente, me lembrou os episódios de piadas sobre os meus olhos, eu lembrei dos amiguinhos da escola“, completa Tate.

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Flavia Pavanelli usando a maquiagem foxy eye @flaviapavanelli/Instagram

Hegemonia branca nos padrões de beleza

Não é de hoje que a discussão sobre a cultura branca se apropriar da estética e de elementos de outras etnias começou. Há tempos o movimento negro, que teve suas tranças e características físicas como os lábios volumosos, por exemplo, apropriados pelos brancos, debate sobre esse tema. O movimento asiático, que passou a se mobilizar no Brasil mais recentemente, também levanta essas questões e a conversa em torno do foxy eye é um exemplo disso.

“Ser antirracista é questionar todo o sistema racista e o principal desse tema é refletir sobre a hegemonia branca. Quando levantamos essa polêmica sobre o foxy eye, não é querendo dizer: ‘Nunca mais é para fazer esse delineado’. A ideia é debater, perguntar por que as referências de beleza são majoritariamente brancas. Por que as pessoas consomem muito mais a aparência de pessoas brancas e não de outras etnias? Por que é difícil encontrar na mídia inspirações de beleza de mulheres asiáticas e de mulheres negras?”, questiona Ana.

E completa: “O tempo todo eu faço questão de falar que o que uma pessoa amarela passa não é igual ao que uma pessoa negra passa, porque o racismo estrutural atinge os negros de uma forma muito mais agressiva e violenta. Eu faço questão de pontuar isso, porque eu não quero que quem leia esse debate fale que estamos diminuindo a pauta negra, porque não é isso. Não é sobre sobrepor uma luta a outra. Elas coexistem e também podem ser aliadas nessa discussão.”

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Durante o debate que aconteceu no Twitter, foram feitos comentários diminuindo os sentimentos de quem se sentiu incomodado com a tendência e até ofendendo pessoas amarelas com frases preconceituosas sobre suas aparências. “Essas respostas que minimizam quem se sentiu ofendido com a maquiagem pega em um ponto delicado porque, de modo geral, eu vejo muito que é a branquitude não querendo sair da sua posição de privilégio. Por exemplo, é claro que podem ter pessoas que não irão se incomodar, mas pegar esse indivíduo que não se importa e levar como verdade absoluta apenas porque você não quer refletir sobre isso, aí é o problema“, fala Melissa.

Hoje está sendo legal ter um olho misteriosos, é ‘sensual e elegante’, o mesmo olho que no passado era considerado errado e que você tinha que fazer uma cirurgia para ser aceitoNo momento em que a tendência passar, você pode escolher apenas não usá-la mais. Resolvido, você não tem mais olhos puxados. Nós, não. Iremos continuar com os olhos puxados, porque não somos uma tendência“, fala Gabriela, e Thali continua: “Muitas pessoas que trocaram experiências com a gente no nosso perfil compartilharam sobre os episódios de preconceito que passaram por terem olhos puxados, falaram sobre representatividade na mídia, que desde criança nunca se aceitaram porque assistiam à televisão e não viam asiáticos, não se reconheciam. A gente também passou por isso. Queríamos ser loiras. Teve quem falou sobre essa estética ser uma ‘homenagem’. Se o mundo fosse outro, se esse fenótipo fosse valorizado, se nunca as pessoas amarelas tivessem sofrido com isso, aí até poderia ser encarado dessa forma. Mas como vivemos numa sociedade com pouca representatividade, não acho que seja o caso.

É complicado porque a nossa característica física como pessoa racializada está ou em um lugar de piada ou em um lugar de fetichização, esses são os dois lados que uma pessoa racializada vive sobre sua aparência. Ou é motivo de depreciação, feio e esquisito, ou é motivo de sexualização. Um exemplo são comentários como: ‘Eu sempre quis beijar uma menina de olhos puxados’. Tudo isso ignora completamente que nós somos seres humanos, que temos complexidades, sentimentos e particularidades além da nossa imagem“, finaliza Ana.

 

Refletindo e escutando o outro para não ofender

Entre os debates sobre a estética foxy eye, a reflexão e a escuta do outro são o que as garotas querem levar de positivo de toda a discussão. “Para nós, desde começo, sempre foi sobre levantar um questionamento, independentemente de o visual ser ou não racista, ser ou não uma apropriação cultural. É interessante que as pessoas estão debatendo, pensando além da maquiagem”, fala Gabriela. “Porque daqui a pouco a maquiagem passa, mas o assunto tem que ficar“, completa Thalita.

Muita gente diz: ‘Nossa, mas vocês estão discutindo sobre maquiagem e procedimentos estéticos, que são assuntos tão bobos. Eu compreendo que isso pode parecer supérfluo, mas eles trazem coisas sistêmicas enormes por trás. E acredito que foi isso que muitos asiáticos quiseram mostrar com essa discussão, do que vai além da própria tendência. Até hoje, muita gente não entende porque eu não gosto que me chamem de ‘japa’, falam que é um apelido carinhoso. Eu sei que tem muita inocência sobre isso, tudo bem, mas é a minha vivência. Quando eu era pequena e via alguém puxando os olhos, isso me machucava, eu sofria porque pensava que era feia, que era errado ter olhos assim“, fala Tate.

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Ficou na dúvida sobre como difundir discussões importantes como essa e como lidar quando debates referentes à racialização acontecerem? Tate indica: “Ouça, observe, entenda o outro, entenda que a vivência de outras pessoas são diferentes da sua. Reflita se a sua ideia sobre algo não era aquela porque você não tinha essa experiência, e tudo bem se for isso que aconteceu. Nesse caso, se desculpe e dê ouvidos a quem tem mais propriedade para falar sobre o assunto. Pesquise e compartilhe a voz dessas pessoas, ajude para que elas cheguem a mais lugares.

O que você achou de toda a discussão?

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