Ser jogadora e viver de vôlei no Brasil é tudo, menos fácil

Fizemos um dossiê do vôlei feminino no Brasil e descobrimos que, apesar do glamour, falta muito investimento.

Por Isabella Otto Atualizado em 1 nov 2024, 13h10 - Publicado em 25 set 2016, 10h30

As Paralimpíadas chegaram ao fim, as Olimpíadas deixaram saudade e, aos poucos, o clima esportivo vem nos abandonando – ou sendo abandonado. Em breve, novas notícias despertarão o interesse das pessoas e voltaremos com a ~programação normal~ recheada de futebol masculino. Ei, não podemos nos esquecer dos outros esportes! Não podemos nos esquecer das minas nos esportes!

Ser jogadoral e viver de vôlei no Brasil é tudo, menos fácil

A Seleção Brasileira Feminina de Vôlei não ganhou uma medalha nos Jogos Rio 2016, mas mostrou garra, técnica e amor pelo esporte, que, cada vez mais, vem ganhando seu espeço. O Brasil é o país do volleyball! Mas será que é fácil ser jogadora de vôlei? Ou fora das Olimpíadas e das grandes competições o cenário é outro? Conversamos com as jogadoras Camila Brait, Carol Gattaz, Rosane Maggioni e Nayara Félix para tentar entender como podemos fazer a nossa parte – mesmo que fora dos ginásios.

Toda história tem um início, certo? O da Nayara Félix começou há 18 anos. A ponteira do Rio do Sul, hoje com 25 anos, iniciou sua caminhada em uma escolinha de Jaborandi, interior de São Paulo, pertinho de Barretos. “Fugia de casa para ir até a quadra e assistir aos treinos. Até que um dia o professor falou para a minha mãe que eu podia ficar batendo bola em um paredão. Era o momento mais feliz do dia!”, lembra.

Ser jogadoral e viver de vôlei no Brasil é tudo, menos fácilA ponteira passadora Nayara Félix.

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Aos 12 anos, Nayara saiu de casa para tentar a sorte no clube São Caetano. A garota do interior precisou se adaptar à rotina de cidade grande. E não foi fácil! “Era acordar cedo, ir para a escola e treinar incansavelmente. A concorrência era grande! A maior dificuldade, no início, foi ficar longe da minha família”, explica a ponteira, que já chegou a jogar na Alemanha e na Romênia: “Grandes atletas acabam desistindo ou indo embora por falta de opção“.

A experiente Carol Gattaz, meio de rede que já representou a Seleção Brasileira e hoje atua no Camponesa Minas, justifica a afirmação da colega: “Quem tem a sorte de estar em um time com um bom patrocinador e, consequentemente, uma boa estrutura de trabalho, como é o meu caso, tudo fica mais fácil. Mas estamos bem distantes dessa realidade”, afirma.

Ser jogadoral e viver de vôlei no Brasil é tudo, menos fácilA meio de rede Carol Gattaz.

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Atualmente, pouco mais de dez times brasileiros conseguem manter uma boa estrutura e, o que é mais importante, um patrocinador de peso, que pague salários compensadores para que as atletas consigam sobreviver do esporte. “Um ano, você está em uma equipe com um patrocínio sólido. No outro, já não sabe se isso continuará. Às vezes, a equipe não acaba, mas a falta de investimento faz com que o time deixe de ser competitivo. Como nosso contrato é geralmente de um ano, sempre ficamos na incerteza de como será. É desgastante”, desabafa Carol.

Como trabalhar nessas condições angustiantes? A meio de rede, apesar da experiência, ainda não encontrou uma resposta. “Estou com 35 anos e jogando em alto nível, mas com a falta de patrocínio e a chegada de novas jogadoras, os times, por falta de grana, preferem pegar uma menina nova que gastar com uma veterana. O problema é que, às vezes, o nível acaba caindo e as atletas que se dedicaram anos a fio pelo esporte são forçadas a seguir outro rumo“, comenta Gattaz, que afirma haver uma discrepância grande de salários entre jogadoras renomadas e aquelas que ainda não encontraram um lugar ao sol.

Ser jogadoral e viver de vôlei no Brasil é tudo, menos fácilA levantadora Rosane Maggioni.

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Viver de vôlei no Brasil não é simples. O início da carreira é difícil, ganha-se pouco, nem sempre trabalha-se em condições favoráveis e a concorrência é grande. Aos 14 anos, Rosane Maggioni teve a sorte – e a competência – de ser convocada pela primeira vez para a Seleção Brasileira Sub-16. A levantadora, hoje com 24 anos, lembra que abriu mão de muita coisa, menos dos estudos: “Meus pais fizeram de tudo para que meu sonho se realizasse. Eles me buscavam na escola e eu almoçava no carro mesmo a caminho do treino“, relembra.

Aos 16 anos, Rosane atuou pela primeira vez profissionalmente, no atual Vôlei Nestlé, ao lado de Thaísa Menezes, Natália Pereira, Adenízia da Silva… Foi surreal! A brasileira também teve a chance de jogar na Suíça e aprender mais sobre o esporte, mas confessa ter sentido falta do calor da torcida brasileira. Apesar das tantas oportunidades e de fazer parte de uma família de atletas, a levantadora assusta-se como as suas colegas com o fantasma da falta de investimento. “Nunca sabemos a quantidade de equipes que sobreviverá à próxima temporada. A grande maioria dos times, além disso, não priorizam a formação acadêmica das jogadoras. São raras as que conseguem cursar uma universidade ou terminar o segunda grau”, lamenta Rosane, que nunca parou de estudar: “Dê valor à escola, pois o desenvolvimento intelectual contribui muito para a performance no esporte“.

A talentosa Camila Brait foi cortada dos Jogos Rio 2016 e muitos torcedores acabaram culpando a eliminação da Seleção na competição pela falta da líbero, que confessa ter ficado triste com o corte, mas que respeita a decisão da comissão técnica. Aos 27 anos, a jogadora do Vôlei Nestlé conta que o dia a dia de uma atleta exige dedicação e disposição. “Na parte da manhã, treinamos na quadra das 9h às 10h40. Depois, das 10h50 às 12h, malhamos na academia que temos dentro do ginásio. No fim da tarde, das 17h às 19h30, treinamos na quadra mais uma vez. Para completar, duas vezes por semana, ainda fazemos pilates”, conta a líbero.

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Ser jogadoral e viver de vôlei no Brasil é tudo, menos fácilA líbero Camila Brait.

Camila acha importante que as jovens atletas, que sonham em viver do esporte e um dia, quem sabe, defender a Seleção Brasileira Feminina de Vôlei, precisam insistir até o fim, cuidar da alimentação, se esforçar nos treinos e dar sempre o melhor em quadra. Ela também acredita que é importante ter um planejamento de vida, pois, infelizmente, muitas atletas, ainda em plena forma, são forçadas a se aposentar: “Acho importante guardar dinheiro. Nós precisamos ter a consciência de que não vamos jogar para sempre. Se você se aposenta com uma certa estabilidade, fica mais fácil decidir o que fazer depois”, dá a dica.

A trajetória de Camila, que começou quando ela tinha 14 anos, ainda está longe de acabar, apesar de a líbero ter anunciado sua aposentadoria da Seleção Brasileira. A falta de investimento no esporte, porém, também assusta a jogadora. “Hoje, apesar de o volleyball ser o segundo esporte do Brasil, ele ainda é carente de patrocínio“, lamenta a líbero, que acredita que a modalidade, principalmente a feminina, deveria ser mais reconhecida e não apenas ovacionada durante grandes competições mundiais.

Além de lidar com a saudade, a competição diária e acirrada, as lesões, as nossas meninas precisam ainda se preocupar com assuntos que não deveriam ser da alçada delas. É preciso investir no esporte, sim, pois ele muda vidas, seja você Carol, Nayara, Rosane, Camila…

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