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Brasil já teve acidente radioativo só 2 níveis abaixo ao de Chernobyl

Você sabe como aconteceu o maior acidente radioativo fora de uma instauração nuclear, apenas um ano após Chernobyl?

Por Amanda Oliveira Atualizado em 29 jun 2019, 11h33 - Publicado em 29 jun 2019, 10h03

Nos últimos dias, o mundo inteiro está falando e lembrando de Chernobyl, o pior desastre nuclear da história da humanidade, que causou a morte de centenas de milhares de pessoas. Por outro lado, pouco se fala sobre um acidente radioativo que aconteceu apenas um ano após a tragédia soviética e que coloca o Brasil no mapa dos piores desastres radiológicos do mundo. Aliás, muitos brasileiros nem ao menos sabem que isso aconteceu. Você já ouviu falar sobre essa história?

Chão de um bar em Goiânia que ficou contaminado por radiação. CNEN/Reprodução

O acidente aconteceu em setembro de 1987, em Goiânia. Dois catadores de lixo, Wagner Pereira e Roberto Alves, entraram em uma clínica hospitalar abandonada e encontraram uma máquina. Curiosos, eles desmontaram o objeto, retiraram a parte superior e a levaram para casa. Mal sabiam eles que a máquina era uma ferramenta de radioterapia usada para tratamentos contra o câncer. Por isso, ao abrir a caixa de chumbo, os homens encontraram um cilindro que continha 19 gramas de césio-137.

Para entender melhor os efeitos desse acidente, a CAPRICHO conversou a professora Emico Okuno, docente sênior do Departamento de Física Nuclear da Universidade de São Paulo (USP). “O césio-137 é um átomo radioativo que, ao se desintegrar, emite radiação beta e gama“, explica. Segundo ela, o contato com esse material pode ser fatal dependendo da dose de radiação a qual a pessoa está exposta.

Wagner e Roberto decidiram, enfim, vender o material para um ferro-velho. Em pouco tempo, contudo, os dois catadores de lixo começaram a sofrer com vômitos frequentes e sentir tontura e diarreia, mas acharam que eram efeitos de uma intoxicação alimentar.

Enquanto isso, Devair Ferreira, proprietário do ferro-velho, notou que o pó de césio-137 tinha um brilho azul que parecia uma pedra preciosa. Intrigado, ele decidiu levar o material para casa e a misteriosa cápsula passou a ser uma atração para a família e os vizinhos, principalmente após Devair distribuir o material. No dia 24 de setembro, Ivo Ferreira, o irmão de Devair, levou um pouco do pó brilhante para casa e colocou o material em cima da mesa durante uma refeição. Sua filha de seis anos, Leide das Neves Ferreira, tocou o material e depois comeu com a mão suja, ingerindo um pouco de césio-137. 

Não demorou muito tempo para que as pessoas começassem a adoecer. Cerca de 12 delas foram diagnosticadas com os mesmos sintomas que os catadores de lixo: diarreia, vômitos, febre, tontura, queda de cabelo. Foi quando a esposa do dono do ferro-velho, Maria Gabriela Ferreira, desconfiou que o material azul brilhante podia estar por trás de tudo. Depois de embalar o cilindro em um saco plástico, a mulher o levou para um escritório de saúde do governo. Dias se passaram e os médicos começaram a desconfiar de um envenenamento geral por radiação.

Em entrevista à BBC News Brasil, o físico Walter Mendes Ferreira disse que pegou um detector de radiação para medir a radioatividade do material e, mesmo a uma distância de 80 metros, a ferramenta atingia o nível máximo. Ele fez, então, o alerta às autoridades e à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) para iniciar o processo de descontaminação.

Barracas foram montadas para avaliação das pessoas. CNEN/Reprodução

De acordo com a professora Emico Okuno, a Agência Internacional de Energia Atômica desenvolveu a Escala Internacional de Eventos Nucleares para medir a gravidade de eventos em usinas nucleares, que são classificados de 1 a 7 em escala logarítmica, sendo que cada incremento significa um aumento de 10 vezes em gravidade. “O acidente de Goiânia, em 1987, foi classificado como sendo de nível 5. O acidente com o reator nuclear de Chernobyl, em 1986, e os de Fukushima, em 2011, foram classificados como sendo de nível 7“, diz.

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Em Goiânia, um pânico se instaurou após a confirmação da radioatividade. Centenas de pessoas com níveis leves de contaminação ficaram em abrigos especiais, dezenas de casas e o ferro-velho foram demolidos. Até mesmo objetos, veículos e árvores tiveram que ser descartados como lixo nuclear. Leide das Neves Ferreira, a menina de 6 anos que brincou e chegou a engolir o pó brilhante, foi a primeira a morrer, um mês depois. Sua tia, Maria Gabriela Ferreira, também faleceu na mesma época. Dois homens que trabalhavam no ferro-velho também morreram.

Esse é o local onde os resíduos contaminados no acidente estão enterrados. CNEN/Reprodução

Para a surpresa de muitas pessoas, os catadores de lixo que abriram a máquina e encontraram o material sobreviveram. Para Okuno, isso depende da dose de radiação que a pessoa recebe. “Existe o que é chamado dose letal que é de 4 grays, que quem a recebe tem 50% de probabilidade de morrer dentro de 30 dias. Algumas pessoas podem ser mais resistentes que outros, pois esse valor é uma média”, ela explica.

Cinco pessoas que eram ligadas à clínica que abandonou o material radioativo foram condenadas a três anos e dois meses de prisão, mas a pena foi reduzida a serviços comunitários mais tarde. Até hoje, pessoas que foram contaminadas pela radiação recebem atendimento para seguir com o tratamento. Segundo a professora Emico, mesmo que a pessoa tenha sido totalmente descontaminada, o mal causado pela radiação fica nas células que sobreviveram e podem continuar se multiplicando, o que também pode causar a origem de um câncer anos depois – assim como milhares de pessoas em Chernobyl tiveram.

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