O projeto contra evasão escolar desta jovem brasileira chegou aos EUA
Parte da nossa galera deveria estar na escola, mas não está. Inconformada, Kamylla buscou entender e iluminar esse problema, que é de todos nós, viu?
A ideia de existir crianças e adolescentes fora da escola sempre foi inaceitável para Kamylla Gontijo, de 19 anos. Antes de chegar à Faculdade de Educação da USP, onde atualmente cursa Pedagogia, a jovem moradora de Paraísopolis, periferia da zona sul de São Paulo, estudou por anos em uma escola pública, onde viu muitos colegas abandonarem as salas de aula. “Eu pensava em duas possíveis explicações para isso: a primeira é que eu era a maluca que gostava de estudar ou realmente tinha alguma coisa errada”, recorda a garota.
Kamylla não estava nem um pouco maluca. A evasão escolar é um problema grave da realidade brasileira – e é muito importante que toda nossa galera pense nisso, viu? Segundo a pesquisa “Combate à evasão no Ensino Médio: desafios e oportunidades”, da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan SESI), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), meio milhão de jovens acima de 16 anos desistem de estudar por ano.
E foi a partir de dados como esses que a jovem começou a pesquisar mais a fundo sobre o problema como parte da monografia que ela deveria entregar para concluir o Ensino Médio, em 2022. O estudo resultou em um protocolo para evitar a evasão escolar, que já foi aplicado em escolas próximas de onde mora. Ao contrapor a visão convencional das causas de jovens deixarem à escola, o projeto foi selecionado na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE) e levou Kamylla aos Estados Unidos, para participar da International Science and Engineering Fair (ISEF) – a maior feira de ciências e engenharia do mundo, em maio deste ano.
“Eu queria realmente entender por que alguns colegas não tinham vontade de aprender. Muitos deles se matriculavam na escola, mas não compareciam às aulas”, conta.
Evasão escolar não é sinônimo de falta de interesse
A jovem encontrou a resposta para suas indagações em um artigo escrito em 1967 pelo educador Paulo Freire – que foi a grande base para pensar o projeto do jeito que ele é hoje.
Em “Papel da educação na humanização”, o Patrono da Educação Brasileira fala sobre a educação bancária, modelo em que o aluno é uma espécie de “depósito” onde o professor o preenche de ideias e conteúdos durante a aula. Ou seja, ele só recebe o que deve aprender, sem valorizar o pensamento crítico e a troca de conhecimento. Isso, segundo Freire, desumaniza os estudantes.
“O aluno se torna passivo na sua própria formação. É como se ele fosse uma caixa em que o professor – que também é vítima desse modelo – deposita o conhecimento”, explica a estudante sobre a tese de Freire, que também está presente em uma das suas obras mais famosas, a Pedagogia do Oprimido*. “A partir desse momento, a escola não faz mais sentido para esse aluno, ele então abandona os estudos e sofre cada vez mais os efeitos desse processo de desumanização”, completa.
“O desinteresse do aluno está voltado a um problema dentro da escola, e que está presente na educação brasileira”.
Kamylla diz que essa ideia contrapõe o que muitos relatórios e pesquisas apontam sobre a maioria dos alunos abandonarem os estudos por falta de interesse.
É preciso entender e prevenir o abandono escolar, não só remediar
Após a parte teórica, Kamylla visitou escolas públicas em torno de Paraisópolis e conversou com os diretores para entender melhor o que acontece na prática. Um detalhe chamou atenção da jovem nessa etapa: em muitas escolas, o processo de matrícula dos alunos no Ensino Médio, que é quando acontecem mais evasões, é automática. O sistema só transfere as informações do estudante que estava no fundamental para a próxima etapa, sem que os pais ou responsáveis precisem estar presente.
“Foi aí que eu comecei a pensar em reconfigurar a função da matrícula, para que ela sirva não só como um documento oficial que efetiva o aluno dentro da escola, mas também faça uma espécie de diagnóstico precoce dos fatores de risco que podem levar o aluno a abandonar a escola“, explica a jovem.
Kamylla criou, então, um questionário que deve ser aplicado aos estudantes no momento em que ele se matricula em um novo ano letivo. As perguntas focam nos fatores que levariam os alunos à evasão. “Isso permite que a escola consiga atuar antes do abandono, ao contrário das políticas públicas atuais, que são focadas na reintrodução dos estudantes – o que não tem sido tão eficiente”, diz a graduanda de Pedagogia.
Para analisar o fenômeno da evasão escolar, a moradora de Paraisópolis considerou quatro fatores. Um deles é o econômico, que diz a respeito às condições financeiras para o estudante se deslocar à escola e se manter estudando; o cultural aborda o conhecimento necessário para o aluno compreender e se interessar pelas aulas; o social analisa as relações dos alunos entre eles e entre os professores em sala de aula e por fim, o fator que vê os problemas de saúde que comprometem a presença do estudante.
O questionário de Kamylla mostra às escolas a quantidade de estudantes que enfrentam dificuldades em cada um desses quatro fatores. Isso ajuda a ter mais claro quais são os riscos de evasão e a pensar em intervenções para lidar com o problema.
Ainda há um longo caminho para percorrer na luta contra a evasão escolar, mas a jovem, que saiu de Paraisópolis para apresentar seu trabalho para o mundo, segue acreditando na educação. Kamylla convoca todos os jovens para fazer parte desta transformação, debatendo sobre o problema e cobrando mais ações do poder público.
“Como diria Paulo Freire, educação é um ato revolucionário”, finaliza.
* As compras feitas através deste link podem render algum tipo de remuneração para a Editora Abril.