“Nós, jovens negros, precisamos usar a nossa voz na política”
Este deveria ser o nosso anseio mais insubmisso.
Neste ano em que as candidaturas negras bateram o recorde e a possibilidade de ter, pela primeira vez, a criação de uma bancada negra no Congresso Nacional, eu tive a esperança de que um futuro preto não estava tão longe assim. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no pleito deste ano, tivemos 49,57% de candidatos negros. O que foi superior à porcentagem de candidatos brancos, que ficou em 48,86%. Ainda que timidamente, estes números representam um dos nossos anseios mais insubmissos: o der estar na linha da frente nas tomadas de decisões que vão ditar os nossos moldes de vida.
No entanto, quando consideramos a grandiosidade numérica da comunidade negra, que ocupa mais da metade da população brasileira, vemos que pouco avançamos e, escancara, mais uma vez, a brutalidade de um país desigual que sorrateiramente aposta em nos deixar fora da cena.
Quando destacamos a falta de representatividade não estamos apenas falando sobre quantos de nós estão no rolê, mas também sobre qual papel estamos ocupando e sobre qual ponto de partida estamos enquadrando o nosso olhar: o que você vê além do seu privilégio? O que te causa ímpeto de mudança quando o outro está isolado na pobreza e você está cercado de prosperidade material? O jogo político só irá fazer sentido quando todas as trajetórias forem narradas, sem lentes ou filtros irreais.
Ao olhar para a conexão de raça e gênero, outro dado divulgado pelo TSE aponta que 58,5% das mulheres candidatas com menos de 50 votos nas eleições gerais deste ano eram negras. Ao todo, das 388 candidatas com menores votações, 66 eram candidatas auto-declaradas pretas e 161 pardas. Dado que ilustra que a igualdade de gênero na política ainda enfrenta desafios e que o corpo feminino negro, mesmo sendo responsável por mudanças catalisadoras são invisibilizadas dia após dia, historicamente.
Apesar de tal perspectiva, o legado de Marielle Franco segue vivo e ativo, a presença desses mesmos corpos não é um surto coletivo, como costumamos dizer. Nomes como Dandara Tonantzin e Erika Hilton, mulher trans e negra, estão recalculando a rota ao ocupar um espaço na Câmara dos Deputados, representando os crias das favelas e periferias de Minas Gerais e da grande São Paulo. Além de colocar a negritude para jogo, enquanto mecanismo de potência, reafirmam em todos os dialetos e gírias que a política é coisa de preto, sim!
Afinal, em qual outro lugar, senão na política, em que nós pessoas negras podemos ecoar a nossa voz em busca de justiça social e afirmação dos nossos direitos? Em qual cargo, senão a liderança, em que nós podemos ser protagonistas na fuga dessa falsa sensação de liberdade que venderam para nós.
Em meio a tantos partidos políticos, eu, você e tantos de nós, continuamos sendo jovens negros, tentando sobreviver por mais de 23 minutos – a cada dia, por esses minutos, colocam um ponto final nas nossa vidas. Não basta apenas ter as candidaturas negras, é necessário que esses corpos sejam eleitos também, pois quando há um semelhante nas principais rotas, sei que nossas especificidades foram escolhidas também.
*Oiê, leitora de CAPRICHO. Este texto foi escrito por uma colaboradora do nosso site voltado ao público jovem com a intenção de diversificar o nosso público e trazer discussões significativas para a juventude refletir o mundo de hoje. Ele não necessariamente reflete o posicionamento editorial do Grupo Abril.